sexta-feira, 18 de setembro de 2020

A quase-extinção da face social do Estado

A quase-extinção da face social do Estado

PAULO KLIASS*                                                                            PUBLICADO EM 17.09.2020

Na proposta de “reforma” administrativa de Guedes, Saúde e Educação seriam entregues ao mercado — e presidente teria poderes absolutistas para eliminar órgãos públicos, demitir servidores e contratar aliados ou novo contingente precarizado.


Em 2018, o então candidato da extrema direita ao Palácio do Planalto corria por fora, operando em raia própria, ainda se sentindo bastante escanteado por parte significativa das elites políticas e econômicas de nosso País. Porém, apesar desse isolamento inicial, Bolsonaro conseguiu trazer para sua campanha um personagem importante, capaz de lhe facilitar o necessário livre trânsito no interior do sistema financeiro.

A partir de então, Paulo Guedes converteu-se no “Posto Ipiranga” do ex-capitão e todas as questões relativas a economia que a imprensa ou demais interessados enviavam a ele eram automaticamente direcionadas ao aprendiz de banqueiro. O interessante é que o candidato não sentia o menor constrangimento ao reconhecer em público que não entendia nada do assunto e que seu assessor iria responder a todo o tipo de dúvida apresentada.

A campanha cresceu em intenção de votos e a presença do old chicago boy era encarada como uma espécie de aval junto ao financismo para o desenho futuro da política econômica do eventual presidente. A convivência entre um deputado federal com um passado bastante intervencionista e defensor do Estado na economia e um neoliberal operador convicto a favor dos interesses da banca era, a um só tempo, desafio e incógnita.

A vitória de Bolsonaro veio combinada à entrega de uma imensa fatia de poder para Guedes. A criação de um monstrengo chamado Ministério da Economia parecia ser a confirmação da autonomia para que o mesmo formulasse e implementasse a política econômica da forma que bem entendesse. O superministro passou a ter sob seu estrito comando as antigas e tradicionais pastas da Fazenda, do Planejamento, da Indústria e Comércio e também do Trabalho. Nunca antes da história do Brasil um subordinado de Presidente da República teve tanto poder concentrado em suas próprias mãos.

Guedes & Bolsonaro: da campanha ao Palácio do Planalto

Pois então o ex-assessor do ditador sanguinário no Chile, o general Pinochet, resolveu aproveitar o espaço a ele oferecido para levar à frente seu projeto mestre. Como bom serviçal dos interesses do grande capital financeiro, Guedes se propôs a missão de destruição do Estado brasileiro e do desmonte das políticas públicas em nossas terras. Isso significa encarar sem pudor aquilo que as demais frações de nossa elite quase nunca tiveram a coragem política de fazer de forma aberta e explícita. O primeiro passo seria a desconstrução de todos os elementos previstos na Constituição de 1988 como constitutivos de nosso arremedo de projeto de Estado de Bem Estar Social.

Uma parte desse “serviço sujo” já havia sido colocada em execução pelo governo de Michel Temer e Henrique Meirelles, com a aprovação da EC 95, no final de 2016. Por meio de tal dispositivo incluído no texto constitucional, o Brasil passou a ser o único país no mundo que se propunha a congelar os gastos públicos pelo longo período de 20 anos. Enfim, nem todas as despesas orçamentárias, uma vez que aquelas de natureza financeira permaneciam livres, leves e soltas para crescer como o governo de plantão assim o desejasse. Um verdadeiro tiro no pé em qualquer intenção de projeto de desenvolvimento nacional e mesmo para necessidades mais modestas, como a adoção de medidas anticíclicas em conjunturas recessivas como a atual.

Paulo Guedes se encarregou da Reforma da Previdência redutora de direitos e demolidora do caráter público do Regime Geral da Previdência Social. Em seguida, aprofundou as maldades da Reforma Trabalhista já esboçada pelo governo anterior, destruindo os direitos previstos na CLT e institucionalizando a precariedade e a informalidade como regra “natural” de nosso mercado de trabalho.

PEC da destruição

A etapa atual, à qual se dedica com toda energia e atenção, é marcada por aquilo que a grande imprensa vem chamando de Reforma Administrativa. Mentira! A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 32 não pode ser caracterizada como tal. A leitura da medida nos convence de que ela não se propõe a reformar nada, mas tão somente a destruir as bases constitutivas do Estado brasileiro. Além disso, não cabe qualificá-la como preocupada com esse todo complexo da administração pública, uma vez que seu foco é exclusivamente o aniquilamento dos servidores. O único argumento repetido por Guedes à exaustão é o mantra da crise fiscal. Mas a própria Exposição de Motivos, que acompanha a PEC, reconhece que ela não surtirá efeitos a curto prazo, mesmo na lógica austericida dos cortes e mais cortes.

A lista de absurdos e equívocos presentes no interior da PEC é imensa. A começar pela motivação explicitada no discurso da austeridade, a partir do qual não haveria mais recursos para dar continuidade às despesas com pessoal nos três níveis da administração estatal em nosso País: federal, estadual e municipal. Como sempre faz nessas horas, o governo mente e exibe gráficos com uma suposta explosão de gastos com recursos humanos ao longo dos últimos 12 anos. Teria ocorrido um crescimento “insustentável” de 145%! O detalhe é que o estagiário foi orientado a não corrigir os valores pelos índices de inflação. Um truque típico da malandragem sem nenhum caráter. Assim, a relativa estabilização ocorrida nesse tipo de despesa se transformaria em um crescimento “descontrolado” das rubricas federais (sic).

A PEC introduz de maneira sorrateira um novo princípio jurídico norteador das ações da Administração Pública no art. 37 da CF. Trata-se da “subsidiariedade”, que aparece de forma matreira no teto constitucional e passaria a dar a legitimidade necessária a todo o processo de privatização e aniquilação da administração. Afinal, os serviços públicos, por exemplo, a partir de sua adoção como fundamento jurídico, deverão ser objeto de produção e oferta por parte do capital privado prioritariamente. De acordo com a nova redação, ao Estado caberia apenas um papel suplementar e subsidiário. Ou seja, no limite estaria pavimentada a via para a sua própria quase-extinção.

Estabilidade do servidor: garantia ao cidadão

A PEC retrocede para o período anterior à nova Constituição e elimina a grande conquista do Regime Jurídico Único (RJU). Sob o discurso falacioso da necessidade de modernizar o Estrado brasileiro, a proposta introduz a possibilidade de constituição de um novo contingente de servidores para União, Estados e Municípios. Assim, os novos contratados não estariam submetidos às caracterizações republicanas essenciais da força de trabalho no serviço público, tais como o concurso de acesso, a estabilidade, os salários condizentes com as tarefas exigidas, entre outros elementos.

Ora, está mais do que evidente que a estabilidade não é privilégio do servidor, mas sim uma garantia para a população de que o serviço público não será descontinuado por mero capricho ou interesse do governante de plantão. Trata-se de um instituto que assegura a manutenção de políticas públicas como educação, saúde, previdência, saneamento, segurança pública, entre tantas outras. A solução para os casos de eventual irregularidade cometida ou ineficiência comprovada passa pela necessária regulamentação da avaliação de desempenho.

No entanto, ao contrário da narrativa construída pelo governo, a medida deixa de fora de sua abrangência as carreiras e categorias que mais pesam quando se trata de combater altos salários, privilégios e falta de transparência. Assim os integrantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e os militares, por exemplo, não estariam subordinados às novas regras da flexibilidade destruidora.

PE do autoritarismo e da corrupção

A PEC passa a conferir poderes extraordinários ao Chefe do Executivo. De acordo com o texto apresentado, o Presidente da República passa a ter competência para criar e extinguir todos os tipos de órgãos de sua esfera de administração pública, eliminando a atual necessidade de aprovação pelo poder legislativo. Assim, bastaria uma canetada de Bolsonaro para que as universidades que tanto lhe incomodam sejam eliminadas. O mesmo destino pode ser conferido aos órgãos que apresentam informações que lhe desagradem, como o IBAMA, o INPE ou aqueles que se encarregam de ações contra o trabalho escravo. A PEC retroage quase quatro séculos, inspirada no dito atribuído ao absolutismo do Rei Luis XIV da França: “O Estado sou eu!”.

Imaginemos agora o que ocorreria em cada um dos 5.570 municípios, nos 26 Estados e Distrito Federal, além do governo federal, caso tais intenções fossem transformadas em realidade. Se o Chefe do Executivo passasse a contar com o poder de demitir os funcionários a seu bel prazer, estaríamos frente a uma completa degradação da qualidade dos serviços públicos oferecidos à população, em razão da alta rotatividade de pessoal e dos critérios obscuros e subjetivos para sua contratação. Esse é o caminho para institucionalizar pelo Brasil afora a maneira pela qual a família Bolsonaro sempre pautou sua relação com os recursos públicos. São os esquemas das ilegalidades conhecidas por “rachadinhas”, o mandonismo no trato com os servidores e o manto de “naturalidade institucional” para os métodos de apropriação privada de dinheiro público com a conivência de seus subordinados. Em poucas palavras: trata-se da institucionalização da corrupção.

O Congresso Nacional só tem uma alternativa para a tramitação da PEC 32. Deve rejeitá-la. Caso haja realmente algum interesse no interior do Legislativo em promover melhorias e aperfeiçoamentos na administração pública, a pauta será muito bem-vinda. Há bastante o que fazer se a intenção for de fato aquela de tornar o Estado brasileiro mais útil e competente na sua relação com o conjunto dos setores sociais. Mas a estratégia deveria ser oposta à da PEC 32. Não se trata de fazer terra arrasada da administração pública, mas de torná-la verdadeiramente transparente, eficiente, republicana e democrática.

* Paulo Kliass economista.

Fonte: http://grabois.org.br/portal/artigos/155220/2020-09-17/a-quase-extincao-da-face-social-do-estado

Trabalho escravo contemporâneo e a pandemia de Covid-19*

 Trabalho escravo contemporâneo e a pandemia de Covid-19*

POR SILVIA PINHEIRO*PUBLICADO EM 18.09.2020

    Por decorrência da Covid-19, estima-se um aumento na taxa de desocupação de 12% nos últimos seis meses, resultando em mais 12,4 milhões de pessoas na rua. Esse contingente funciona como reserva de mão de obra barata disponível à exploração e à escravização.

Trabalho escravo contemporâneo

A vulnerabilidade ao trabalho escravo vem sendo fortemente impactada pela pandemia do coronavírus, segundo relatório da Fundação Walk Free, publicado em agosto de 2020. Estima-se em 40,3 milhões o número de escravos contemporâneos no mundo hoje e as mulheres são a grande maioria, correspondendo à 71% do total. O relatório do Walk Free de 2020 sobre efeitos da pandemia no mundo do trabalho, além de relatar a situação em que se encontram migrantes trabalhadores, aponta medidas que algumas empresas vêm adotando no combate, dependendo do grupo ou setor.

Em Singapura, por exemplo, trabalhadores da construção civil foram colocados em quarentena em dormitórios comuns, sem equipamento de proteção, alimentação inadequada e acomodações precárias. Do total de casos de contágio nas últimas semanas, 80% concentram-se em dormitórios de trabalhadores da construção civil no mesmo país. Trabalhadoras do setor da moda e vestuário na Indonésia e Camboja estão sob forte pressão de demissão e de redução de horas de trabalho por causa do cancelamento de pedidos das grandes lojas de departamentos e marcas internacionais, sem avisos ou compensações prévias. Desse modo, demissões em massa, licenças não remuneradas e reduções de horas de trabalho convivem com manutenção de compromissos salariais, financiamento de retorno dos trabalhadores migrantes aos países de origem e transformação de mídias sociais corporativas em canais de disseminação de informações sobre coronavírus.

Nos locais em que a economia informal é predominante os efeitos são devastadores, como no Brasil. O auxílio emergencial do Estado para conter os efeitos da desocupação da mão de obra teve 108,4 milhões de pessoas cadastradas, número maior do que toda a força de trabalho brasileira no primeiro trimestre de 2020, de 105,1 milhões de pessoas. Por decorrência da Covid-19, estima-se um aumento na taxa de desocupação de 12% nos últimos seis meses, resultando em mais 12,4 milhões de pessoas na rua, agravando ainda mais o quadro da informalidade no país. As primeiras interpretações dos dados sobre o impacto das medidas destacam que trabalhadores informais que não se encontram no cadastro de beneficiários do Bolsa Família são os mais prejudicados pelos efeitos da pandemia. Esse contingente funciona como reserva de mão de obra barata disponível à exploração e à escravização.

O Monitor da OIT de junho de 2020 reforça que a pandemia vem atingindo, desproporcionalmente, mulheres pobres e informais. Nos países de baixa e média renda, aonde 90% da mão de obra empregada está na economia informal, são as mulheres as mais atingidas. Na América Latina setores em que a força de trabalho feminina é preponderante estão fortemente impactados pelo vírus, como arte, cultura e entretenimento, alimentação, hospedagem, cuidado e trabalhos domésticos.
Relatório recente da Oxfam sobre a prática do “cuidar” aponta que 12,5 bilhões de horas são dedicadas por meninas e mulheres no mundo, diariamente, ao “cuidado” e de forma não remunerada.[1] Mulheres representam mais de 70% da mão de obra nas áreas da saúde e assistência social. Apesar da melhora, ainda persiste um gap entre os salários pagos às forças de trabalho feminina e masculina que chega em 29% em países de renda média-alta, como é o caso do Brasil. Adiciona-se ao agravamento da vulnerabilidade da força de trabalho feminina como resultado da pandemia, os riscos de aumento do trabalho infantil, uma vez que crianças são forçadas a acompanhar suas mães em trabalhos nas ruas e o aumento da violência doméstica registrada no mundo.
Escravidão contemporânea e globalização
A permanência de condições análogas às de escravo, até os dias de hoje, é explicada de algumas formas. Kevin Bales, professor e pesquisador do Laboratório de Direitos (Rights Lab) na Universidade de Nottingham, considera que o excedente de mão de obra “descartável”, vulnerável ao trabalho escravo, é resultado da globalização econômica. Alerta o autor que a escravidão contemporânea está cada vez mais relacionada com atividades ilícitas associadas ao tráfico de pessoas, drogas, órgãos, armas e exploração sexual.
Diversamente da escravidão colonial considerada lícita, a atual é ilegal. Outra diferença em relação à escravidão colonial está no custo do escravo contemporâneo que é menor, pois ele encontra-se disponível em “bolsões” de pobreza nos países pobres e ricos. Níveis elevados de desigualdade atravessam de forma transversal o sul e norte global. Nos países mais ricos, são vítimas da escravidão os imigrantes provenientes de áreas de conflito, em fuga por motivos religiosos, genocídio étnico, pobreza extrema e mudanças climáticas, enquanto nos países pobres são os migrantes domésticos em busca de melhores condições de vida. No entanto, dados recentes apontam para o resgate de imigrantes em situações de escravidão, como chineses, venezuelanos e senegaleses no Rio de Janeiro, reforçando a mesma tendência em países em desenvolvimento.
Leonardo Sakamoto da Repórter Brasil, e o pesquisador da Universidade de Manchester, Nicola Phillips,[2] explicam como em certos setores da economia, as cadeias globais de produção ou redes globais de produção enxergam na força de trabalho vantagem competitiva, analisando áreas de pobreza crônica no Brasil, em pleno século XXI. O desmembramento da produção em elos espalhados por distintos locais do planeta gera emprego e renda, mas a inclusão desses trabalhadores nas cadeias globais reproduz condições análogas à escravidão em certos setores.
A relação entre a incidência de trabalho escravo com regimes autoritários foi analisada em artigo recém-publicado,[3] com base nos índices de prevalência de escravidão do Global Slavery Index. Segundo Landman, os dados do GSI não apresentam claras evidências sobre uma relação linear entre escravidão e globalização, havendo casos em que essa é inversa. Dentre os resultados de seu estudo, a existência de instituições democráticas, organizações da sociedade civil organizadas e debate sobre direitos humanos seria o fator que mais impacta na incidência de trabalho escravo no mundo hoje.
No Brasil, escravidão contemporânea é violação da dignidade da pessoa humana. Trabalho escravo é crime e consta no Código Penal, medido não pela forma da relação de trabalho, mas por sua substância, qual seja, condições de trabalho aviltantes. Para configurar escravidão a falta de consentimento do trabalhador não importa. Essa é uma condição para a configuração de trabalho forçado, também considerado crime pela lei brasileira. Condições análogas à escravidão afetam a dignidade da pessoa humana porque transformam o indivíduo em “coisa” que se explora, transfere, vende, compra e descarta. Condições degradantes de trabalho, sanitárias, ambientais, de acomodação e jornadas exaustivas, afetam a condição de ser humano de um trabalhador ou trabalhadora, tornando senso comum sua condição de subordinados sem direitos, restando aberta a porta para a posse e controle de uma pessoa por outra.
A incontestável raiz histórica do trabalho escravo no Brasil, somada a aspectos socioeconômicos inerentes às cidades, resulta hoje em padrões de exploração que se reproduzem diversamente nos meios rural e urbano. Estudos preliminares sobre determinantes sociais e padrões de escravidão contemporânea em cidades, hoje em andamento no Centro de Pesquisa em Escravidão Contemporânea, Brics Policy center / PUC RJ, investiga a intersecção de aspectos que influenciam em padrões de trabalho escravo, localmente. Religião, minorias étnicas, racismo, gênero, classe, idade, migrantes, segregação e isolamento, dentre outros elementos, são fatores que sistematizados podem contribuir com a elaboração de políticas mais efetivas de combate e reintegração dos resgatados.

Trabalho escravo e o Rio de Janeiro

Durante o período do Brasil colônia, desembarcaram aproximadamente 1 milhão de africanos no Rio do Janeiro para servirem de escravos em fazendas no sudeste e sul. Com a abolição da escravatura em 1888, os arredores do Cais do Valongo se transformaram em espaços ocupados por escravos recém-libertos de diversas nações e imigrantes europeus. Mais tarde, esse contingente é atraído para fábricas têxteis recém-criadas no eixo Rio de Janeiro e São Paulo com apoio do recém-criado Banco do Brasil.
O emprego de crianças e mulheres era comum nas fábricas Têxtil Bangú e Cia América fabril no Rio Janeiro. Existiam inclusive punições por “brincadeiras no serviço”, sendo frequentes os acidentes letais com crianças. Empregar mulheres e crianças significava economia com salários menores e, mais ainda, enfraquecia o movimento operário, pois dificilmente esses dois grupos ofereciam resistência aos patrões.[4] Tal modelo se assemelha ao do início da revolução industrial na Inglaterra no século XVIII, sendo reproduzido no Brasil na primeira república.
Em 1910, tem-se notícia da primeira greve geral no Brasil liderada por mulheres trabalhadoras do setor têxtil, por aumento de salário e redução da jornada de trabalho. A greve geral, iniciada em São Paulo, contagiou as trabalhadoras dos setores têxteis do Rio de Janeiro e de Porto Alegre. Mais tarde, a especulação imobiliária e a concorrência internacional do algodão dos Estados Unidos inviabilizaram a produção têxtil no Rio de Janeiro. Hoje, praticamente informal, é pulverizada e ligada à moda praia, indústria do carnaval e oficinas de fornecimento para grandes marcas cariocas. Note-se que são centenas de facções e confecções localizadas nos subúrbios e favelas.
Atualmente, 22% da população do Rio de Janeiro reside em favelas, onde a economia informal prevalece e é ligada ao mercado formal fora da favela. A cadeia produtiva da moda é um exemplo. Milhares de mulheres costureiras trabalham, individualmente ou em coletivos de microempreendedoras individuais, atendendo aos pedidos de pequenas e grandes lojas e de academias nas zonas sul e norte da cidade. Enquanto a demanda por produção é sazonal, aumentando no Carnaval ou verão, a oferta de mão de obra é grande e permanente, depreciando o valor das horas de trabalho, combinadas com jornadas exaustivas nas oficinas ou em casa. Hoje, são as milhares de costureiras nas favelas e subúrbios que formam importante frente de combate ao coronavírus, produzindo máscaras e doando para centros de saúde e comunidades junto com cestas básicas e produtos de limpeza, formando elo fundamental na corrente que liga bairros de classe média com periferias, jamais visto.
No Rio de Janeiro, dados oficiais mostram que as maiores vítimas de trabalho escravo estão nas plantações de cana no norte fluminense, seguidos de trabalhadores no setor da alimentação nos centros urbanos, com destaque para chineses. O trabalho escravo urbano se esconde atrás da informalidade, nos subúrbios e favelas e pode estar ligado ao crime. Existe forte indicação de que a escravização de imigrantes chineses, em ascensão no Rio de Janeiro, envolve diversos países e tenha vínculo com “máfias” internacionais ligadas ao tráfico de pessoas e escravidão humana, entre outros crimes internacionais.
Nos locais em que a segregação é forma de controle por grupos políticos, religiosos ou ligados ao crime, não entram inspetores. Desse modo, o número de escravos nas cidades em que o percentual de moradores de favelas é alto, normalmente, está subestimado. No entanto, a pandemia pode deixar um legado ao romper com a invisibilidade. Lideranças nas favelas e movimentos sociais fazem uso das mídias sociais para comunicar não só a realidade do descaso do Estado que os afeta diretamente, mas também avanços e o maior deles é a organização social. Sem organização social, as verdadeiras causas da subordinação e da exploração não são confrontadas e sem isso tornam vazias as estratégias de libertação de padrões de subordinação que se reproduzem de distintas maneiras, chegando inclusive a formas análogas a de escravo em pleno século XXI.

* Artigo publicado originalmente em Diplomatique Brasil 
**Silvia Pinheiro é professora e coordenadora do Centro de Pesquisa em Escravidão Contemporânea do BRICS Policy Center/PUC-Rio.
[1] OXFAM Brasil. Tempo de cuidar, janeiro de 2020.
[2] Nicola Phillips & Leonardo Sakamoto. Global Production Networks, Chronic Poverty and ‘Slave Labour’ in Brazil. 2012
[3] Todd Landman & Bernard W. Silverman. Globalization and Modern Slavery.2020
[4] Carlos Molinari Rodrigues Severino. Menores dentro da indústria têxtil: uma análise da Fábrica Bangu durante a Primeira República. UNB. 2015.

domingo, 13 de setembro de 2020

Em defesa da Vida, da Democracia e do Emprego

Leia o ‘Manifesto em defesa da vida, da democracia e do emprego’

DA REDAÇÃOPUBLICADO EM 02.09.2020

Sete fundações partidárias lançaram nesta quarta-feira (2) o manifesto Em defesa da vida, da democracia e do emprego,elaborado para fazer frente aos prejuízos humanos, econômicos e sociais provocados pela pandemia de Covid-19, que assola o país sem que haja uma resposta à altura do governo federal.

O documento é assinado pelas fundações partidárias que integram o Observatório da Democracia: Lauro Campos/Marielle Franco, (FLCMF/PSoL); João Mangabeira (FJM/PSB); Leonel Brizola/Alberto Pasqualini (FLBAP/PDT);Maurício Grabois (FMG/PCdoB); Perseu Abramo (FPA/PT); Ordem Social,(FOS/PROS); e Cláudio Campos(FCC).

 O manifesto baseia-se no surgimento no período recente de documentos elaborados por diversos setores com propostas de combate àcrise sanitária, são documentos que se completam e foram elaborados por um amplo leque de forças políticas e entidades da área de saúde, entre eles “Sugestão de agenda econômica mínima”,aprovado pelo movimento Direitos Já!, que reúne lideranças de 17partidos; o “Plano nacional de enfrentamento à pandemia daCovid-19”, aprovado pela Frente pela Vida, que reúne 14 das principais entidades de saúde do país; além de documentos assinados pelos partidos PDT, PT, PSB e PCdoB com propostas contendo medidas econômicas e sanitárias para combater a crise. O texto completo está disponível neste link. 


Belluzzo: com carteira verde e amarela, retornaremos ao regime anterior à revolução industrial

EDUARDO MORETTI, RBA                                                                                                            PUBLICADO EM 08.09.2020 
Insensível à crise econômica e no mercado de trabalho, a ideia do governo de instituir a carteira de trabalho verde e amarela continua em pé. Embora a Medida Provisória 955/20, que criava o contrato instituindo a “novidade”, tenha perdido a validade em agosto, Bolsonaro já afirmou que vai apresentar um novo texto. Na opinião de Belluzzo, a ideia do governo é mais do que uma forma de se dispensar as empresas de respeitar os direitos dos trabalhadores, já que a proposta cria legalmente o salário por hora.

Apesar de a indústria brasileira estar em franco declínio e o desemprego em patamares negativos assustadores, o que deveria preocupar os empresários, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem apoiado o governo de Jair Bolsonaro desde sempre. A entidade publicou em seu site uma pesquisa segundo a qual, em agosto, o índice de confiança no setor vinha crescendo. “Empresários de todos os setores estão confiantes”, diz a entidade, apesar de não haver nenhum sinal de plano governamental que aponte para a retomada do crescimento.

A própria CNI constata, em outra publicação, que a indústria do país está em trajetória de queda desde 2009. “Com a nova retração em 2019, a indústria nacional mantém perda de relevância no cenário global e passa a ocupar a 16ª posição”, diz a entidade.

Como se explica tal contradição? “Você acha que eles vão deixar de apoiar o governo porque a indústria está numa situação ruim? Não há uma relação de uma coisa com a outra”, diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. “Não é absurdo, é da vida contemporânea. Eles se agarram ao que corresponde mais à ideologia deles. As pessoas agem contra o que seriam os seus interesses.”

O ministro da Economia, Paulo Guedes, que episodicamente é dado como praticamente fora do governo, continua apoiado pelo mercado, embora o país esteja “uma lambança, uma desorganização, uma confusão”, na avaliação de Belluzzo. “A aposta deles (do mercado) é nas reformas e no Paulo Guedes, e eles acabam tolerando algumas violações”, diz. Para o economista, o teto de gastos, instituído ainda no governo de Michel Temer, é “insustentável”. “É uma das ideias mais esdrúxulas que eu já vi.”

Mesmo assim, a agenda de Paulo Guedes segue no Congresso Nacional, com apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “O Maia parece que é preparado, mas é despreparado. Ele está sempre com essas posturas e atitudes liberaloides, e o país está à deriva”, constata o economista. “É muito grave, porque vamos retornar ao regime de contrato de trabalho anterior à revolução industrial, o regime do putting-out, em que você pagava por hora, ou por peça etc. Ou seja, você está dissolvendo as relações salariais”, afirma Luiz Gonzaga Belluzzo, em entrevista à RBA.

O mercado parece que continua apostando em Paulo Guedes, embora sempre tenha o boato de que ele pode cair a qualquer momento…
O mercado está apostando em qualquer coisa. E não é porque Paulo Guedes vai ter umas derrotas que vai sair. Ele vai tentar ficar o tempo inteiro. Eles acabaram de retirar (o pedido de urgência) da reforma tributária da Câmara. Está tudo uma lambança, tudo uma desorganização, uma confusão. E ele está brigando com o Maia. O fato é que o país está à deriva.

Eles podem brigar, mas Rodrigo Maia continua apoiando a agenda de Paulo Guedes, não é?
O Maia parece que é preparado, mas é despreparado. Ele está sempre com essas posturas e atitudes liberaloides, mas o país está à deriva, e todas essas reformas, e a maneira como estão propostas, não vão chegar a lugar nenhum. Não têm nada a ver com a possibilidade de recuperar o crescimento.

Segundo analistas políticos, o mercado é que tem sustentado o governo e Paulo Guedes. Ou seja, a situação de sustentação continua…
Sim, e eles estão tolerando inclusive claras violações do regime orçamentário. Mas o mercado é assim. A forma de coordenação da economia e de controle está no mercado financeiro, estruturalmente. Se as pessoas não sabem isso, não dá para entender nada. Mas eles exercem esse poder de uma maneira muito peculiar. A aposta deles é nas reformas e no Paulo Guedes, e eles acabam tolerando algumas violações, porque preferem observar as violações, não fazer nada e continuar apoiando.

Violações de que tipo?
Violações das regras que eles considerariam adequadas para a gestão fiscal, por exemplo. Vai ocorrer um momento em que o teto de gastos vai ser violado, porque é impossível cumprir, é insustentável. É uma das ideias mais esdrúxulas que eu já vi. Aliás, a reforma da Previdência era apresentada como a bala de prata das reformas que ele estava pretendendo. O que aconteceu? Teve reforma da Previdência e não aconteceu nada.

Só perda de direitos…
Sim, só isso. Agora querem o projeto de lei que estabelece a carteira de trabalho verde e amarela. O que é isso? Salário por hora, que também é uma forma de você dispensar as empresas de respeitar os direitos dos trabalhadores. É muito grave o salário por hora, porque vamos retornar ao regime de contrato de trabalho anterior à revolução industrial, o regime do putting-out, em que você pagava por hora, ou por peça etc. Ou seja, você está dissolvendo as relações salariais. E o efeito disso sobre a economia vai ser muito grave. Porque vai deprimir violentamente o poder de compra da massa de trabalhadores.

Fora que a indústria está cada dia pior, mais deprimida…
Sim, claro. E agora a CNI se deu conta de que o Brasil está caindo no ranking dos países em desenvolvimento. No final dos anos 1970, era o país mais industrializado entre eles e ocupava entre a quinta e a sexta posição no ranking global.

Não é curioso que a CNI tem apoiado o governo desde sempre?
É isso. E você acha que eles vão deixar de apoiar o governo porque a indústria está numa situação ruim? Não há uma relação de uma coisa com a outra. As pessoas pensam que tem, mas não tem. São os paradoxos da vida social brasileira. Os industriais e a indústria estão se ferrando, mas os industriais continuam apoiando o governo que está ferrando a indústria.

Como se explica esse absurdo?
Não é absurdo, é da vida contemporânea. Eles se agarram ao que corresponde mais à ideologia deles. As pessoas agem contra o que seriam os seus interesses.

Mas os industriais não estão ganhando em aplicações no mercado financeiro, em vez de investir na produção?
Sim, mas isso é assim em todo lugar do mundo. Tirando a China, as empresas industriais viraram propiciadoras de ganhos financeiros. No mundo inteiro, e no Brasil é assim também. E eles não têm espírito de corpo, espírito de classe. Não existe aqui uma corrente industrialista como já existiu no Brasil. Existiam industriais que eram comprometidos com o projeto da industrialização. Partindo do Roberto Simonsen, indo até Antônio Ermírio de Moraes. Mas essa turma acabou.

Conservadores, mas industrialistas…
Sim, conservadores mas industrialistas. Perfeitamente, é isso mesmo.

O que achou da proposta de reforma administrativa?

Acho que está muito confusa, estão tentando preservar os militares. Vai ser difícil incluir a magistratura, o Judiciário nisso, que vai apresentar sua própria reforma, e eles são muito cientes das suas prerrogativas. Vai acabar afetando fundamentalmente a faixa de menor renda do funcionalismo, porque o resto vai resistir muito, como já está ficando claro.

A reforma administrativa que tinha que fazer é pensar numa arquitetura institucional entre o governo, os bancos públicos, as empresas públicas. Mas isso não passa… Aliás, você já ouviu a palavra “indústria” da boca de algum dos membros da equipe econômica? Eles nunca pronunciaram essa palavra, porque isso não está no horizonte deles. Não sabem exatamente o que significa isso. Eles estão falando de tudo, menos da indústria.


Fonte: http://grabois.org.br/portal/entrevistas/155204/2020-09-08/belluzzo-com-carteira-verde-e-amarela-retornaremos-ao-regime-anterior-a-revolucao-industrial


quinta-feira, 4 de junho de 2020

Jandira Feghali: Se não hoje, quando?


Foto: reprodução

O assassinato de George Floyd e as manifestações de maioria negra estadunidense alimentaram o debate sobre a postura da população brasileira frente aos casos semelhantes que acontecem, diariamente, em nosso país. Ao ver o vídeo do crime ocorrido em Minneapolis (EUA), imediatamente, recordei do assassinato do jovem Pedro Henrique Gonzaga, morto asfixiado em frente a sua mãe, após ter sido “imobilizado” por um segurança em um mercado no Rio de Janeiro.
À época, fizemos um ato na porta deste supermercado, exigimos apuração, punição e foram feitas representações ao MP. A mídia acompanhou por alguns dias e, depois, nunca mais ouvimos falar do caso. Todos os dias operações policiais, alinhadas a uma política de segurança predominante em nosso país, levam à morte pessoas negras e jovens nas ruas, periferias e favelas. Assistimos as notícias se multiplicarem, apesar de toda a indignação, denúncias, mobilizações e propostas de mudanças já formuladas. Essas perdas de vidas não ocorrem por imperícia, nem por azar, ou tampouco está relacionado ao fato dos negros serem maioria entre os mais pobres. Este genocídio é consciente, e está em curso por algo grave e permanentemente negado: o racismo estrutural.
É preciso lembrar que o Estado brasileiro, no começo do século XX, estabeleceu estratégias para consolidar a ideia de que vivemos em uma democracia racial. Muitas autoridades e parte da sociedade, até hoje, insistem em ecoar esta falácia como verdade. Ignoram que a escravidão no Brasil, que durou um longo período desde a fase colonial até grande parte do Império, arrancou à força cinco milhões de africanos, de seus países para serem comercializados, explorados, agredidos e violentados, tratados como se constituíssem uma “sub-raça”.
Isso deixou marcas numa elite atrasada e reacionária, que formou gerações e definiu comportamentos, conceitos, políticas, divisão no trabalho, hierarquias, prioridades e definição de acesso a direitos. A cor da pele e a origem passaram a ser a base para esses critérios! As consequências, ao longo das décadas, são conhecidas. Nas estatísticas relacionadas à pobreza, desemprego, níveis salariais, precarização do trabalho, escolaridade, inserção no desenhos urbano, direito à moradia, de representação política, percentual majoritário na população carcerária e, principalmente, dos assassinados, o racismo é escancarado de forma irrefutável.
Números que são assustadores para o conjunto da população negra, e ainda mais dramáticos para as mulheres negras, que enfrentam duplamente a carga que as opressões racial e de gênero lhes impõem.
Não reconhecer esta realidade, é inviabilizar sua transformação. É seguir reforçando o mito da democracia racial e enfraquecendo todas as instituições criadas ao longo das últimas décadas para desenvolver políticas públicas de enfrentamento às mais diversas ramificações do racismo na sociedade.
Os que formulam, dirigem e aplicam as políticas públicas e que minimizam a importância das políticas de promoção da igualdade racial e se mantém atravessados e não libertos do racismo, só veem os negros como seres humanos, quando estes estão com o título de eleitor na mão. Essas autoridades, também, são responsáveis pela manutenção dessa prática racista e, portanto, não podem se sentir confortáveis em seus gabinetes ignorando o que acontece diariamente ou, quando muito, divulgando notas de pesar com promessas que nunca são cumpridas.
Há séculos, os negros e negras brasileiros travam uma luta diária para sobreviver e transformar este país em um lugar sem violência e com igualdade de direitos. Desde os direitos básicos como ter onde morar, acesso à água, ao saneamento básico, ao que comer, acesso à saúde, à educação, ter reconhecida sua cultura, para que as mulheres negras não sejam agredidas, para não morrer, para ter uma sociedade onde a cor da pele não defina privilégio ou discriminação em todas as dimensões da vida.
O que temos visto, dia após dia, nas comunidades de todo o país é inaceitável. A inércia do Estado é inaceitável. A conivência de parcela da sociedade que normaliza (e, por vezes, comemora!) estas mortes é inaceitável. É para estes que as cobranças devem se voltar.
É preciso transformar, mas também punir. Racismo já é crime inafiançável no Brasil, mas muitas vezes é tipificado como injúria racial. Os agentes de segurança precisam ser capacitados para respeitar a vida de todos e todas igualmente, e os que não o fazem, devem ser indiciados, julgados e punidos exemplarmente, como também o Estado, responsável pela política de segurança genocida.
A frase de George Floyd que decretou a razão de sua morte, asfixia, repetida várias vezes – “Eu não consigo respirar” – e friamente ignorada pelos policiais brancos que impassivelmente o matavam, impregnou os ouvidos da humanidade. Junto dela, a repulsa gerada pelas imagens do crime não se diluiu, nem em momento de tantas dores e perdas da pandemia. São, por isso, fortes e positivos os sinais de que, juntamente às mobilizações, cresce a resposta ao racismo.
A luta antirracista faz parte da luta contra a opressão e precisa ser de toda a sociedade. Jamais seremos uma democracia plena enquanto uma parcela do povo for subalternizada, e no Brasil, esta parcela é majoritária! Como bem disse Milton Santos, precisamos parar de tratar este assunto adiando ações efetivas urgentes “para um amanhã que nunca chega”. A hora já passou, mas também é agora.
Vamos utilizar nossas redes, nossa voz e disposição para apoiar e lutar, não cobrar de quem sente na pele o poder devastador do racismo.
* Jandira Feghali (PCdoB-RJ) é deputada federal

Márcio Jerry propõe PEC antigolpe após Aras cogitar ação de militares

Foto: Richard Silva/ PCdoB na Câmara


Na tarde desta terça-feira (2), o vice-líder do PCdoB, deputado federal Márcio Jerry, protocolou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tornar explícita a proibição da participação das Forças Armadas em quaisquer tentativas de limitar ou suprimir um Poder sobre o outro no país.
Em entrevista ao jornalista Pedro Bial na noite desta segunda-feira (1º/6), o Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras, afirmou que um Poder que invade a competência de outro Poder, pode ensejar uma intervenção das Forças Armadas. A declaração causou mal-estar em membros do Supremo Tribunal Federal (STF) e gerou um alerta imediato entre parlamentares.
Artigo 142
Em reação à fala de Aras, o parlamentar justificou que nenhuma interpretação do artigo 142, que respeita o princípio da unidade da Constituição, “autoriza seu emprego para fundamentar qualquer tipo de intervenção militar promovida por um dos poderes contra a independência dos demais poderes constitucionais”.
No texto, o autor também argumenta que “não há, à luz do texto constitucional, fundamento válido para se promover, por parte do Poder Executivo, por exemplo, uma tal intervenção que resulte na limitação ou supressão de competências, prerrogativas e atribuições dos poderes Legislativo e Judiciário”.
Forças Armadas
De acordo com Jerry, a tentativa de intervenção do Poder Executivo aventada pelo procurador é algo grave, sem previsão na Constituição. “Hoje me espantei com a afirmação do Procurador, admitindo a possibilidade requerer a intervenção das Forças Armadas. Isso é inaceitável. Como parece que não está suficientemente claro para autoridades golpistas, estou acrescendo um parágrafo à Constituição”, declarou.
Márcio Jerry, que apelidou o texto de “PEC anti-golpe”, disse também que a proposta é também uma espécie de “vacina” à ordem constitucional , já que apoiadores do governo estão “fazendo uma avaliação golpista do artigo 142”.
“Não estamos em um momento de absoluta normalidade democrática no Brasil, porque temos um presidente da República que não nega a aspiração golpista. Porque temos, no comando da República, ministros que falam abertamente em rasgar a ordem constitucional. Temos um presidente da República que vai a manifestações de rua que pedem o fechamento do Congresso e do Supremo. Não podemos assistir a isso passivamente. Mas o seguro morreu de velho, como diz o dito popular”, sugeriu o deputado.
Independência entre Poderes
Ainda como argumento, o texto cita defende que “com a promulgação da emenda constitucional ora proposta, não haverá́ mais nenhum espaço para as interpretações distorcidas do art. 142 da Lei Maior. Nem tampouco será́ possível buscar nesse dispositivo fundamento para mudanças legislativas que venham a permitir a realização de operações de Garantia da Lei e da Ordem que ultrapassem os limites da Constituição, especialmente aqueles que asseguram separação e independência entre os poderes constitucionais”.
Por Nathália Bignon

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Manuela: “central hoje não é debate eleitoral, mas combate a covid-19”



A pré-candidata pelo PCdoB a prefeita de Porto Alegre, Manuela D´Ávila, afirmou, na última terça-feira (12) ao Programa Esfera Pública da Rádio Guaíba, que no momento a prioridade máxima de todos deve ser o combate à pandemia do coronavírus. Contudo, afirmou sentir-se “honrada” com a decisão do PT de apoiá-la para a prefeitura de Porto Alegre e com a indicação de Miguel Rosseto para vice de sua chapa. Manuela também analisou o cenário eleitoral e que o efeito de adiar eleições pode ser diminuir o espaço da democracia no país.
“O central para nós agora não é o debate eleitoral, mas é, em primeiríssimo lugar, garantir ações de solidariedade para fazermos a nossa parte no enfrentamento das vulnerabilidades com as quais a sociedade se deparara neste momento”, disse Manuela.
“Quero registrar que fiquei muito honrada com a decisão tomada pelo PT de unidade. De receber esse apoio. E mais ainda por ser o Miguel Rosseto. Estou muito feliz. Nós trabalhamos juntos e eu sou a veterana dele no mestrado de políticas públicas”, acrescentou.
DNA Solidário
Manuela deu como exemplo de ações neste momento para enfrentar a pandemia o recolhimento de alimentos e produtos de higiene, que é feito pelo Instituto e Se Fosse Você?, que ela preside.
“O instituto que eu presido comemora a marca de 40 toneladas de alimentos distribuídos a partir de uma iniciativa de diversas pessoas e empresas”, destacou a ex-deputada.
“E essa unidade nos dá mais força para construirmos ainda mais ações de solidariedade. Isso tem a ver com o nosso DNA, com a nossa marca, com aquilo que nós acreditamos como sociedade”, prosseguiu Manuela.
Mais povo nas decisões
A líder do PCdoB avaliou a possibilidade de adiamento das eleições e disse que talvez seja necessário, mas defende que o pleito seja realizado ainda este ano. “É necessário que o povo participe mais das decisões. Poderemos ter um período mais prolongado de transição até voltarmos para a normalidade, se é que podemos falar em normalidade”, observou. “Espero que a gente construa essa transição com muito mais democracia”, defendeu Manuela.
“Os governos decidem se a gente sai ou se não sai, quando a gente sai. Se esse período for se estender, precisaremos de governos mais democráticos para enfrentar a situação da população. Minha preocupação é que a prorrogação dos mandatos possa criar uma situação de menos democracia no Brasil”, alertou a pré-candidata.
Ela destacou também que a unidade conquistada agora “fortalece também a luta para que a pandemia seja enfrentada de forma mais eficaz”. “Teremos mais força para exigir mais equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde, mais investimentos nos serviços públicos de qualidade”, disse Manuela.
Frente ampla
Para a ex-deputada todos os setores progressistas são do mesmo campo. “Vou trabalhar até o último momento para que estejamos todos unidos e que possamos ter um projeto mais democrático para a nossa cidade, para o estado e para o país”, disse ela.
“Vamos debater um projeto alternativo, que leve em conta os interesses do povo, que não abandone a população à própria sorte, que defenda o meio ambiente, enfim um novo projeto nacional de desenvolvimento e a conquista de uma nova Porto Alegre, mais humana, mais integrada num meio ambiente protegido. Vamos voltar a ser a cidade mais arborizada do Brasil”, defendeu.
“Ainda mais depois dessa pandemia, eu não tenho dúvidas de que a saúde pública deverá ser tratada como prioridade absoluta”, acrescentou a ex-deputada.

Orlando quer reposição maior para trabalhador com contrato suspenso



O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) defende o aumento da reposição da renda dos trabalhadores, por parte do governo, em relação aos salários suspensos ou reduzidos. Ele é o relator da Medida Provisória 936/2020, que permite a suspensão de contrato de trabalho e a redução de jornada e salário durante a pandemia do novo coronavírus.
“Quem ganha a partir de um salário mínimo e meio perde crescentemente na proposta do governo. O momento exige mais, é importante reduzir danos”, declarou ao site Congresso em Foco.
Segundo a MP, o governo federal complementará com até R$ 1.813, valor máximo da parcela do seguro-desemprego, a remuneração dos trabalhadores atingidos pela proposta.
Orlando defende junto à equipe econômica o aumento desse teto para até três salários mínimos (R$ 3.135). Assim, quem ganha até três salários mínimos teria direito à reposição integral. Empregados que recebem acima disso teriam o benefício calculado sobre o novo teto.
A mudança pode gerar um custo extra para o governo de R$ 16 bilhões, pelas estimativas de Orlando. O Ministério da Economia calcula que o custo seria maior, na faixa dos R$ 20 bilhões. O programa tem orçamento de R$ 51,2 bilhões.
Imposto de Renda
Nas redes sociais, Orlando Silva defendeu nesta quinta-feira (14) que o Estado precisa investir.
“Só conseguiremos derrotar a pandemia e reconstruir a economia do país se o Estado chamar para si a tarefa e fizer a roda girar. É preciso investimento público, manutenção do emprego, injetar dinheiro na economia através dos trabalhadores. É agora ou nunca!”, escreveu.
Neste sentido ele tem a intenção de incluir em sua proposta a elevação para  R$ 5 mil no limite de isenção do IR. À Folha de S. Paulo, Orlando afirmou acreditar que a iniciativa poderia ter apoio do “centrão”.
Proteção dos sindicatos
Orlando Silva também considera importante fazer com que os sindicatos avalizem os acordos entre empregados e patrões e autorizar o Executivo a prorrogar o programa total ou parcialmente, caso seja necessário.
“Defendo um cuidado maior com as trabalhadoras gestantes, uma vez que não sabemos exatamente os riscos que a contaminação dela pode produzir para a saúde do bebê”, explicou.
Votação
Na semana passada, em debate on line promovido pelo Centro de Mídia Barão de Itararé, o parlamentar ponderou que o melhor mesmo seria “derrotar a MP”. Contudo, diante da falta de votos suficientes para tal, o esforço tem sido no sentido de reduzir perdas.
“Objetivamente, temos apoio de, no máximo, 130 dos 513 deputados. Precisaríamos do dobro disso pra rejeitá-la. Por isso a Oposição entendeu que a melhor opção era articular mudanças no texto. Pois esperar que a MP caducasse também levaria muito tempo. Seriam quatro meses em que a medida da forma que está poderia causar um estrago imenso. Por isso, nossa meta é alterar o texto para proteger o trabalhador”, explicou o parlamentar.
As negociações entre o governo e o Congresso para colocar a MP na pauta ainda não avançaram. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pretende pautar a proposta na sessão remota da próxima terça-feira (19), conforme apurou o Congresso em Foco. Mas ainda não há acordo entre o relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), e o Ministério da Economia.
Orlando afirmou ao site que pretende elaborar um relatório que unifique a Câmara. “Converso com os líderes e vejo que todos querem preservar empregos e renda dos trabalhadores. Isso inspira o meu esforço.”
Regras
A medida provisória autoriza as empresas a reduzirem jornada e salário por até três meses e a suspenderem contratos de trabalho por até 60 dias. As regras já estão em vigor, mas precisam da aprovação do Congresso para serem convertidas em lei.
O governo está usando recursos do seguro-desemprego para complementar a remuneração dos trabalhadores. O valor a ser pago varia conforme o corte de salário feito pelo empregador.
 Do Portal PCdoB, com informações do Congresso em Foco e da Folha

Flávio Dino a Bolsonaro: “Se não sabe o que fazer, renuncie”

14 de Maio, 2020
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), foi taxativo ao rebater novas declarações do presidente Bolsonaro contra os governadores nesta quinta-feira (14): “Se não sabe o que fazer, renuncie”, escreveu em uma rede social.
Mais cedo, Bolsonaro tentou novamente jogar a culpa da crise econômica nos governadores que têm se esforçado para manter o isolamento social e conter a expansão do coronavírus no Brasil. Em videoconferência organizada pelo presidente da Fiesp, Paulo Skaf, Bolsonaro incentivou empresários a “jogar pesado” com os governadores para que reabram o comércio.
“Se a crise econômica fosse causada pelos governadores, por que ela existe em outros países? Quem está causando a grave crise econômica é o coronavírus. Incrível que Bolsonaro finja ignorar isso. E a responsabilidade da gestão econômica é dele. Se não sabe o que fazer, renuncie”, ponderou o governador maranhense.
Lockdown
A região metropolitana de São Luis foi a primeira área no Brasil e enfrentar o fechamento total das atividades não-essenciais. O lockdown foi determinado pela Justiça diante do aumento rápido no número de casos e da falta de leitos de UTI públicas e privadas no estado, apesar dos esforços para obtenção de equipamentos e formação de equipes de saúde para atuar na linha de frente contra a doença.
Nesta quinta-feira (14), o governado Flávio Dino anunciou usando suas redes novos resultados do “imenso esforço” operado pela equipe do governo do estado.
“Fechamos a noite de ontem com 1.075 leitos na rede estadual dedicados ao coronavírus. No começo eram 232”, anotou.
O governo do Maranhão também decidiu requisitar UTIs de hospitais privados caso as públicas estejam lotadas. A estratégia, que foi utilizada, por exemplo, na Espanha, visa garantir que um maior número de pessoas possam ser atendidas e menos gente morra por covid-19. Os hospitais privados que passam a internar pacientes do SUS serão indenizados, portanto não há qualquer “confisco”. Todo o procedimento é respaldado pela Constituição Federal.

terça-feira, 28 de abril de 2020

O dinheiro que não existia reaparece

Nada como um trágico banho de realidade para que alguns dogmatismos passem a ser abandonados, mesmo por aqueles que os defendiam ferrenhamente até anteontem. Antes da eclosão da pandemia do novo coronavírus, 9 entre 10 economistas do financismo e ligados ao Paulo Guedes diziam que o Brasil estava quebrado e o que o governo não tinha recursos para mais nada.
Na verdade, essa narrativa demolidora vinha se impondo desde 2015, quando Dilma Rousseff chamou Joaquim Levy para o comando da economia de seu governo. Ao fazer essa opção, patrocinava um claro estelionato contra os resultados das eleições presidenciais de outubro de 2014. Ali tem início a caminhada rumo à desgraça que nos acompanha até os dias de hoje.
O diagnóstico que prevalecia nos meios de comunicação, nas rodinhas dos dirigentes do sistema financeiro e na alta tecnocracia enclausurada nos órgãos da política econômica em Brasília se aproximava, na verdade, de uma chantagem. Ou fazemos as chamadas “reformas estruturais” ou o Brasil quebra. Logo no início, o combo ainda vinha acompanhado de uma política monetária agressiva, de juros oficiais na estratosfera. Quando combinada com uma política fiscal de cortes e mais cortes nos gastos não-financeiros, o resultado já apontava para a desgraça que veio na sequência desses cinco penosos anos.
Afinal, não nos esqueçamos que vivemos dois anos seguidos (2015 e 2016) de uma recessão pesada, com queda acumulada de quase 7% no PIB. Em seguida, foram três anos (2017 a 2019) com crescimento pífio, os chamados “pibinhos” de Henrique Meirelles e Paulo Guedes. Ou seja, a economia cresceu em média 1,2% ao ano. Se contarmos as opções de redução das despesas em programas governamentais como saúde, previdência social, educação, assistência social e outros, aí então podemos compreender o agravamento da crise social para a maioria da nossa população. O Brasil voltou ao mapa da fome e a miséria cresceu de forma significativa em nossas terras.
A austeridade baseada na falta de recursos
No entanto, tudo era implementado sem aparente controvérsia. O discurso hegemônico esmagava qualquer espaço para o contraditório, para que os economistas não alinhados com a ortodoxia pudéssemos apresentar ao grande público nossas propostas. Em nome de uma neutralidade derivada de um suposto “tecnicismo”, a corrente do financismo deitava e rolava sozinha e sem contraponto. E vieram a reforma trabalhista, a Emenda Constitucional 95 (mais conhecida como PEC do fim do mundo), a reforma trabalhista, a reforma previdenciária, as privatizações e otras cositas más.
Além disso, passaram a ser multiplicados pela grande imprensa as grandes mentiras a respeito da real situação de nossa economia e de nossas contas orçamentárias. Enfim, falácias que operavam como argumento para pressionar o Congresso Nacional a ser mais dócil às propostas apresentadas pelo Executivo, em sua cruzada a favor da destruição do Estado e de desmonte das políticas públicas.
“Se não aprovarmos a Reforma Trabalhista, as empresas quebram. Será o único modo de reduzir o desemprego”.
“Os direitos previstos na Constituição de 1988 não cabem mais no Orçamento da União”.
“Se não for aprovada Reforma da Previdência, o Brasil quebra”.
“O governo não tem mais recursos. A política de corte de gastos em políticas sociais é inevitável”.
Um breve corte para o momento atual e para a gravidade da crise provocada pela covid-19. Pois o fato é que até mesmo os neoliberais mais empedernidos passaram a concordar e a recomendar que a saída para todos nós passa pelo aumento imediato e vigoroso dos gastos públicos. Peraí, mas como assim? Se antes não havia recursos para que fossem desenvolvidas as diretrizes constitucionais, como agora o governo pode voltar a gastar de uma hora para outra? Oh, santa heresia!
Recursos para o financeiro abundam
Pois a verdade é que nunca houve falta de recursos para o desenvolvimento de políticas sociais e mesmo para as necessidades de investimento em áreas essenciais e estratégicas. O principal problema sempre foi a falta de vontade política de utilizar o instrumento da administração pública para levar a cabo esses projetos. E dá-lhe cortar despesas no orçamento na área social, ao passo que seguia leve, livre e solto o gasto com a dimensão financeira – pagamento de juros da dívida pública.
Guedes e seus asseclas não se cansavam de encher a boca para mentir que o governo funciona como a economia doméstica: senão tem receita, paciência, não dá para realizar despesas. Mentira! Está mais do que demonstrado que o governo de um país não funciona como um indivíduo ou uma empresa. Ele tem os meios de gerar recursos. Ele é o responsável e monopolista pela emissão da moeda. Ele centraliza a política cambial e acumula reserva internacionais. Ele arrecada impostos. Ele pode criar dívida pública e antecipar recursos futuros para uso no momento presente.
Nossos dirigentes sempre souberam disso, mas praticam o oposto. Algumas informações aqui, apenas para registro. O mesmo governo que dizia não ter recursos, gastou ao longo dos últimos 12 meses (todos sob a responsabilidade do superministro Paulo Guedes) o valor de R$ 382 bilhões na rubrica financeira, para o pagamento de juros da dívida. Para ser mais exato, desde que o Chicago old boy chegou na Esplanada, em janeiro de 2019, ele promoveu a transferência de R$ 433 bi para o povo do outro lado balcão. O seu financismo querido, universo de onde ele veio e que nunca abandonou – ainda mais nessas horas tão difíceis. Sempre esteve aí o dinheiro que os papagaios de pirata da banca diziam que não existia.
R$ 1,3 trilhão na Conta Única do Tesouro
Os recursos do governo federal são centralizados e administrados pelo Banco Central (BC). Ali estão registrados os valores disponíveis para sua utilização a qualquer momento e para todos os fins. Existe uma rubrica famosa no financês da Esplanada, a conhecida e poderosa Conta Única do Tesouro Nacional junto ao BC. Pois essa conta, ao contrário das inverdades do discurso oficialista, sempre se apresentou de forma trilionária ao longo desse período todo da austeridade assassina. No momento atual, por exemplo, ela apresenta um saldo credor de R$ 1,3 trilhão para uso do governo federal.
Pois agora – oh, grande surpresa! – o dinheiro apareceu. Aqueles mesmos recursos que boa parte dos “especialistas” vociferavam e asseguravam não existir está sendo utilizado pelo governo, em seu tímido programa emergencial para combater a crise da covid-19. O problema é que Paulo Guedes e seu séquito ainda não se convenceram de que sua análise é equivocada. Por mais que a grande maioria dos países já tenham abandonado a austeridade fiscal, por aqui a equipe do Ministério da Economia ainda opera na base da rigidez orçamentária e opõe todo o tipo de dificuldade para fazer o dinheiro chegar na ponta, nas mãos dos mais necessitados.
Comportamento oposto ocorre, aliás, quando se trata de oferecer centenas de bilhões de reais e outras benesses aos grandes bancos privados e demais outras instituições do sistema financeiro. Nesses casos, o dinheiro abunda e as facilidades são amplas, gerais e irrestritas.
Não tem jeito mesmo. A realidade é dura e temos de encontrar alternativas. Enquanto o País contar com Bolsonaro no Planalto e Guedes na Economia, as perspectivas são cada vez mais sombrias. O primeiro acha que tudo não passa de uma gripezinha e faz campanha aberta contra o isolamento, uma vez que o Brasil não pode parar. Já o outro, não se convence de que as vidas de mais de 200 milhões de pessoas são mais importantes do que os lucros dos bancos.

*Paulo Kliass é Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.