terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Reportagem: Reforma do Ensino Médio: desmonte na educação e inércia do enfrentamento retórico

Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br/wp-content/uploads/2017/02/reforma-do-ensino-medio-desmonte-educacao-inercia.jpg

No dia 17 de fevereiro de 2017 o texto final da Reforma do Ensino Médio foi publicado no Diário Oficial da União. Com a Lei 13.415, que faz alterações nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional, apenas matemática, língua portuguesa e inglês serão disciplinas obrigatórias nos três anos de Ensino Médio. O currículo ficará dividido em duas partes. Uma primeira será comum a todos os estudantes e outra dividida no que o Artigo 36 da referida lei chama de “itinerários formativos”, que se desdobram em: 1) linguagens e suas tecnologias; 2) matemática e suas tecnologias; 3) ciências da natureza e suas tecnologias; 4) ciências humanas e sociais aplicadas; 5) formação técnica e profissional.

A principal questão a ser destacada neste primeiro momento é a seguinte: ao contrário do que o governo divulga, os itinerários formativos não serão necessariamente escolhidos pelo estudante. Serão contemplados conforme as condições da escola em ofertá-los. A premissa de escolha, especialmente em escolas públicas, portanto, é um engodo – uma ficção. Diante do déficit histórico e estrutural de recursos humanos nas escolas públicas, não é difícil prever o cenário nessas instituições. Por outro lado, no ensino privado esse quadro poderá configurar-se como novo nicho de mercado e até mesmo como bandeira de marketing tendo em vista que poderá ofertar maior leque de itinerários.

O texto também informa que a Base Nacional “incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia”. Nota-se que esses campos não são chamados de disciplinas. Na realidade, também não serão obrigatórias, já que poderão ser diluídas em outras disciplinas. O mesmo vale para áreas como geografia, história e química, que também ficarão diluídas nos itinerários formativos.

A diluição, portanto, não afetará apenas as ciências humanas, mas o conjunto de disciplinas tradicionais, excetuando matemática, língua portuguesa e língua estrangeira (inglês). Além disso, no itinerário “formação técnica e profissional”, não haverá exigência de formação em licenciatura para a prática docente. De acordo com a Reforma, “profissionais com notório saber reconhecidos pelos respectivos sistemas de ensino poderão ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional”. Somado a isso, caso o estudante comprove competência em alguns saberes práticos, “os sistemas de ensino poderão reconhecê-las e firmar convênios com instituições de educação a distância”. Dentre tantos absurdos dessa Reforma, portanto, três se destacam: 1) a diluição de disciplinas estruturantes; 2) a falsa premissa da escolha no sistema público; e 3) o atestado de notório saber.

A diluição e diminuição de ciências que possuem uma rica fundamentação teórica construída ao longo da história, aprofundará ainda mais os problemas atinentes à formação básica dos jovens. Não menos impactante serão os danos epistemológicos e os prejuízos no processo de construção de conhecimentos. O Ensino Médio se transformará em um líquido indigesto e carregado de conteúdos sem nexos, isso porque um professor de biologia, por exemplo, não é formado para trabalhar com química, e vice e versa. A aberração será ainda maior com os pseudoprofessores e seus “obtusos saberes”. Não é difícil imaginar no que isso vai dar. Uma aula de absurdos ou balaio de parvoíce?

A formação do professor é indispensável porque há saberes e competências que são específicos da docência. Ensinar bem uma matéria não requer apenas saber o conteúdo – é preciso compreender o complexo processo ensino-aprendizagem. Por isso, como aceitar um “notório saber” desprezando a formação docente? Conselhos e representações de categorias profissionais como da saúde admitiriam algo similar em seus ambientes profissionais? Evidente que não. Isso demonstra claramente a visão que este projeto (e outros como as OS’s na educação de Goiás) tem de escola, de educação, de sociedade. Além dos problemas didáticos, não resta dúvida que isso abrirá ainda mais brechas para contratações emergenciais, minando concursos e deslegitimando o sentido dos cursos de licenciatura.
Essa Reforma não tem nada de ingênua. Ela deixará o campo aberto à “escola sem partido”. Engana-se quem acredita que os prejuízos serão específicos à essa ou àquela disciplina. O prejuízo abrange a Educação como um todo. Atinge especialmente os estudantes da escola pública, que terão sua formação afetada e seu ingresso na Universidade Pública ainda mais dificultado. Pior que isso é o sentido da própria formação, que inevitavelmente se esvaziará de fundamento, de crítica e de coerência. Retrocesso e desmonte são termos generosos para adjetivar essa reforma.

Levantar essa previsão de desmonte na educação, no entanto, não significa que deixo de reconhecer os problemas atuais. Pelo contrário. Situações como essa servem também para ampliar o debate sobre a situação da educação e, evidentemente, sobre a formação do professor. Servem, inclusive, para revermos o modo como discutimos o ensino e como a escola real aparece em nossos debates. Como professor de um curso de licenciatura em Geografia, não poderia deixar de acrescentar alguns pontos que dizem respeito a essa disciplina.

O curso em que trabalho é ofertado na Universidade Federal de Goiás e também possui a modalidade bacharelado. A licenciatura, no entanto, é aquela que indiscutivelmente tem permitido maior alcance dos egressos ao mercado de trabalho. Esse dado acompanha a disciplina desde a sua institucionalização na Alemanha, em 1871, quando o primeiro curso de graduação em Geografia foi criado para formar professores e atender as demandas do ensino escolar, como explica o geógrafo espanhol Horácio Capel (2012).

Se a função estratégica e o importante papel da ciência geográfica no processo de colonização fossem os fatores indutores de sua institucionalização universitária, Halford Mackinder e seus colegas da Real Sociedade Geográfica não teriam incentivado a expansão do ensino de geografia nas escolas do Reino Unido como estímulo à criação de uma cátedra de Geografia e posterior institucionalização de um curso superior. Ou seja, a grande demanda pela formação de profissionais no campo da geografia vem das escolas. Outras formas de instrumentalização dessa ciência, a exemplo de seu papel nas estratégias imperialistas, que existiram antes mesmo de sua institucionalização universitária, realmente pertencem ao arsenal de funcionalidade da geografia, mas não seriam capazes de promover tamanha expansão como promoveu a demanda por formação de professores.

O fato é que não apenas a geografia, mas outras disciplinas também expandiram seus cursos de graduação em diversos países por esse mesmo motivo. No Brasil não foi diferente. Além da geografia, cursos como história também foram (e são) criados principalmente para atender as demandas do ensino escolar. Não muito distantes estão disciplinas como a física, a biologia e a química, que também têm um forte vínculo com a formação de professores. No que diz respeito a expansão dos cursos de licenciatura, geralmente são acompanhados pela especialização característica de cada ciência e também pela disseminação de laboratórios e/ou grupos de pesquisas. Poucos, no entanto, são voltados para o ensino. A maioria sequer considera a transversalidade da formação docente em suas pesquisas e práticas, mesmo estando alocados em um curso de licenciatura.

Na maioria de nossas instituições, a formação de professores e todo respaldo necessário a isso, infelizmente vai sendo sobreposta por outras atividades. Os grandes projetos geralmente não são direcionados necessariamente ao ensino. As prioridades são outras. A escola e o mundo real da educação, nesse sentido, vão escapando das teorias e se tornando cada vez mais abstratos. Diante disso, como defender uma escola se em nossas discussões ela pouco aparece ou aparece abstrata? Qual o sentido de cursos de licenciatura em institutos e faculdades nos quais as prioridades não estão necessariamente voltadas à formação de professores? A contradição é evidente.

Isso tudo demonstra que a luta também deve acontecer no interior de nossas próprias instituições. A Reforma do Ensino Médio acarretará efeitos não apenas na formação escolar, mas também na formação do professor. É necessário questionar, portanto, o sentido político da reforma, os interesses acobertados, mas também o modo como o ensino é pautado na graduação. Um amplo debate deve ser feito nesse sentido. Ou construímos esse canal de diálogo ou simplesmente seremos comandados por interesses cada vez mais indiferentes à educação. Ou construímos uma estratégia de luta ou teremos os cursos de licenciatura ainda mais esvaziados e desvalorizados. Não menos prejudicados estarão suas estruturas complementares, incluindo laboratórios, grupos de pesquisas, programas de pós-graduação, centros de pesquisas etc., que sobrevivem muito mais em função das demandas da graduação do que de qualquer outra coisa.

O modo como a Reforma do Ensino Médio foi aprovada denota o autoritarismo do governo, mas também a nossa incapacidade de organização e de luta no tempo correto. No final de 2016 os estudantes ocuparam escolas e universidades, protestaram e tentaram dizer alguma coisa. No entanto, além de serem desqualificados por parte de seus próprios professores, tiveram sua mobilização enfraquecida até mesmo por sindicados da categoria. A ocasião era propícia a uma efetiva mobilização nacional envolvendo professores, estudantes e organizações relacionadas à educação. Mas isso não aconteceu.

Os poucos professores que ensaiaram algum tipo de mobilização, foram taxados de invasores. Se o posicionamento daqueles que deveriam protagonizar as mobilizações foi brando, o resultado não poderia ser diferente: a tácita imposição de um projeto que escancaradamente vem entregando o país aos interesses das grandes corporações está sendo imposta sem a devida resistência.

O momento suscita organização e construção de uma estratégia de luta. Suscita capacidade de diálogo e de proposição mesmo quando não se concorda com um determinado formato de enfrentamento. O contraponto deve ser protagonizado não apenas por professores de determinada disciplina, mas por todos. A Reforma do Ensino Médio faz parte de um conjunto de ações que pretendem minar a formação básica e tolher o pensamento crítico. Isso, como todos sabem, foi feito sem debate, sem consulta e sem representatividade. Por esse motivo, ou construímos coletivamente uma estratégia de ação, ou perderemos espaços que dificilmente serão reconquistados. Ou promovemos um amplo debate com participação de diferentes sujeitos da educação e setores da sociedade, ou deixaremos a formação dos jovens ser ainda mais abalada. Ou lutamos agora, ou cairemos, mais uma vez, na inércia da retórica e no labirinto das lamentações.

*Denis Castilho é geógrafo e professor do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás e colaborou com Pragmatismo Político.

Referências:
CAPEL, Horacio. Filosofía y ciencia en la Geografía contemporánea. Una introducción a la Geografia. (Nova edição ampliada). Barcelona: Ediciones del Serbal, 2012.

Diário Oficial da União – 17 de fevereiro de 2017. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=17/02/2017&jornal=1&pagina=1&totalArquivos=440 (acesso em: 18 fev. 2017).

Lei Nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm (acesso em: 18 fev. 2017).


Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br

Reportagem: O ESCÂNDALO A-DARTER


Ou de como a tentativa de assassinato da Odebrecht pode ferir de morte a construção  do mais avançado míssil da Força Aérea Brasileira.

Está dando  certo o implacável, mesquinho, totalmente desvinculado da estratégia e dos interesses nacionais, cerco, montado pela Procuradoria Geral da República, para arrebentar com a Odebrecht, não apenas dentro do Brasil, mas, em conluio com os EUA, também na América do Norte e, com base em "forças tarefas" conjuntas, nos mais diferentes países da América Latina.

Pressionada pela perseguição além fronteiras da Jurisprudência da Destruição da Lava-Jato e pela estúpida, desproporcional, multa, de 7 bilhões de reais estabelecida a título de punição, pelo Ministério Público brasileiro, em parceria com o Departamento de Justiça norte-americano, a Odebrecht não está conseguindo vender boa parte dos ativos estratégicos que tenta colocar no mercado, para evitar sua bancarrota e total desaparecimento, com a paralisação de dezenas de bilhões em projetos, muitos deles estratégicos, dentro e fora do país, e a demissão de milhares de colaboradores que trabalham no grupo, que já foi obrigado a se desfazer de mais de 150.000 pessoas nos últimos dois anos.

Com o cerco à empresa, que bem poderíamos classificar de mera tentativa de assassinato, considerando-se o ódio com que vem sendo tratada a Odebrecht pelos nossos jovens juízes e procuradores - já que poderiam ter sido presos eventuais culpados sem praticamente destruir a maior multinacional brasileira de engenharia - coloca-se sob risco direto,  não apenas a construção do futuro submarino nuclear nacional (e de outros, convencionais), mas também a produção dos mísseis A-Darter, destinados aos caças Gripen NG BR, que se encontram em desenvolvimento pela MECTRON, empresa controlada pela Odebrecht, em cooperação com a DENEL sul-africana.

Não tendo conseguido negociar a MECTRON, incluída em sua lista oferecida ao mercado, a Odebrecht pretende, agora, esquartejar a companhia e vender seus projetos um a um - entre eles o desse avançado míssil ar-ar - para quem estiver interessado em ficar, entre outras coisas, com  parte do "know-how" desenvolvido pelo Brasil nessa área, desde a época do míssil "Piranha".

Enquanto isso, a Presidência e o Congresso fazem cara de paisagem. 

Quando, diante desse absurdo, o mínimo que a Comissão de Defesa Nacional - por meio de CPI para investigar o caso - o Ministério da Defesa e o Ministério da Aeronaútica deveriam fazer seria pressionar e negociar no governo o financiamento da compra da MECTRON por uma empresa da área, como a AVIBRAS, por exemplo, com recursos do BNDES, ou injetar dinheiro do Banco - agora emagrecido em 100 bilhões de reais "pagos" antecipadamente ao Tesouro - para que comprasse provisoriamente a MECTRON, assegurando que seu controle ficasse com o Estado, ao menos até o fim do programa A-Darter, ou que se estabelecesse uma estratégia voltada para impedir sua desnacionalização. 

O problema é que o BNDES, como faz questão de afirmar a nova diretoria, pretende mudar de foco para dar atenção - o que quer que isso signifique - a projetos que beneficiem "a toda a sociedade". 

Será que seria possível que a finalização do desenvolvimento de um míssil avançado  para os novos caças de nossa Força Aérea, destinado a derrubar aviões inimigos em situação de combate, em que já foram investidos milhões de dólares, viesse a ser enquadrado  nessa categoria e na nova doutrina de funcionamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - que já bloqueou 1.5 bilhões que a Odebrecht teria a receber por obras no exterior - ou estaríamos pedindo demais e exagerando na importância do caso? 


Fonte: http://www.maurosantayana.com/

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Reportagem: A ignorância como ideologia: a educação nos Estados Unidos

A ignorância como ideologia: a educação nos Estados Unidos

31 JANEIRO 2017
Por Yuri Martins Fontes


Quando lemos nos jornais que uma potência econômica supostamente “desenvolvida” elegeu como presidente um megaempresário semi-idiota, chauvinista, racista e desequilibrado o suficiente para causar uma guerra mundial, ou que a metrópole mais “desenvolvida” de um país emergente elegeu como prefeito um multimilionário com idade mental de adolescente para queimar verbas públicas enxugando gelo em uma cruzada cinzenta contra pichadores (esses incontornáveis artistas subversivos), certamente, a todos que pudemos desfrutar de uma educação minimamente questionadora acerca da realidade, nos vêm a ponderação: por que essa miséria?
Como discutido anteriormente nesta coluna, não se pode afirmar que tais maiorias populares que votaram contra seus interesses (de classe e humanos) o tenham feito de modo lúcido. Antes, as explicações podem ser encontradas no desencanto palpável dos bolsos das classes populares com as políticas centristas cada vez mais “mínimas” ; e no baixo nível cultural generalizado (em especial nos EUA e Brasil), problema que não é decorrente da falta de estruturas que possibilitassem mudanças, mas da própria visão política da “modernidade ocidental” – que tem na mediocridade cultural o pilar de seu projeto de Estado (forma mais sutil do que as armas para a manutenção do poder e da concentração de renda).
Quanto a este último ponto, tratamos já do caso do “PIG global” e seus interesses político-mercantis – enquanto empresários e voz das classes dominantes. Verifiquemos agora a questão da deterioração da educação, focando-nos nos EUA, esse império moderno – país no qual a falta de verba nunca foi, nem de longe, um obstáculo.

Estados Unidos (e Brasil): baixo nível educacional como ideologia para o “progresso”
Em um extremo oposto ao de Cuba – pequena ilha de população igual à da cidade de São Paulo, cujo índice de alfabetização é de 99,8% (3o do mundo após Geórgia e Eslováquia segundo relatório do PNUD-ONU), e que justamente por possuir uma população crítica, a cada menor gesto atrai para si as manchetes oligárquicas de todo o mundo –, os EUA (e o Brasil, seu tradicional vassalo) têm por característica histórica a insuficiência educacional de sua população. Isto, com a peculiaridade que tal baixo nível no ensino – logicamente não relacionado à escassez de recursos desta riquíssima nação – nunca foi tido como um problema crucial a ser enfrentado efetivamente pelo Estado, mas sim tratou-se de um “projeto” político-ideológico (embora por vezes o excesso de ignorância nacional tenha ligado o alerta de alguns de seus governos).
A situação de deterioração educacional nos EUA remonta ao início do século XX, quando o então presidente Wilson se reúne com os maiores empresários do país, com o intuito de encontrar formas para resolver o problema da falta de mão-de-obra qualificada para a indústria. A partir das ideias de industriais como Frederik Taylor, Henry Ford e Andrew Carnegie, a educação estadunidense se consolidou no sentido de formar uma grande massa (quanto maior, mais barata) de trabalhadores disciplinados e qualificados para operar máquinas, os quais, por outro lado, teriam aumentado seu poder de compra, aquecendo a economia daquele período da Grande Guerra. Instituiu-se assim as bases da sociedade de consumo que rege nossos dias, levando-se a cabo um modelo de ensino massivo e gratuito para o povo, que o capacitava a desempenhar com eficiência trabalhos mecânicos (que naquela época foram fundamentais à indústria, mas se tornariam mais e mais obsoletos), ao mesmo tempo em que se reduziu a quase nada a formação em temas das humanidades – que pudessem favorecer o questionamento da sociedade e consequentemente causar problemas. Em meio a isso, como não poderia deixar de ser, as classes dominantes investiram em técnicas pedagógicas que formariam uma pequena elite de executivos, bem adestrados na capacidade de decidir e manipular.
Quanto ao Brasil, desde meados do século XX, com a ascensão do poderio e influência estadunidense no pós-Guerra, o país se afasta da concepção educacional europeia, até então mais humanista, passando a seguir os EUA nesse modelo “universalizante” da baixa qualidade – tecnicista, acrítico e logicamente elitista (com a propagação das escolas particulares, como escape das elites).
Já no final do século, o problema ganharia uma dimensão perigosa, que fez tal projeto ser ao menos repensado – embora nada de contundente tenha sido feito. Para ilustrar o caso, vejamos a impactante análise da historiadora Susan Berglund, professora da Universidade Central da Venezuela e doutora por Massachusetts (EUA). Nos anos 1980, quando os EUA tinham se tornado o grande banco central do mundo (após romperem unilateralmente com a paridade dólar-ouro, contando com a submissão europeia, gesto que os encaminhariam para se consolidar nos 1990 como a única superpotência do planeta), um emblemático relatório da National Commission on Excellence in Education, durante o governo R. Reagan, mostrou que esse período “áureo” na política externa e economia não se traduziu em benesses mais fundamentais para a população. “Nossa nação corre riscos” – diz o estudo –, pois que as bases educacionais do país (já tão pouco sólidas) estão sendo destruídas por uma “crescente maré de mediocridade”, o que ameaça, concluem os autores, o futuro da nação e do povo: são então 23 milhões são analfabetos funcionais, e 40% dos jovens de até 17 anos são analfabetos.
Segundo a pesquisadora, os motivos de tal situação foram, além da pobreza de certos distritos educacionais e da falta de preparação docente (derivada dos baixos salários), os programas educacionais de “estudos gerais” implementados, que deram imensas “liberdades” para que as crianças desde bem jovens escolhessem (de acordo com sua supostamente “autônoma” consciência infantil) o que queriam ou não estudar – segundo a proposta escolanovista de viés pós-moderno (que hoje domina as mais conceituadas escolas particulares brasileiras, e influencia, em seu pior aspecto, as públicas). Retirou-se assim a obrigatoriedade de disciplinas menos úteis ao programa político oligárquico, como história e filosofia, e mesmo um segundo idioma – como era de se esperar –, mas surpreendentemente, até a matemática foi precarizada (reduzida a só um ano de obrigatoriedade)!
Note-se de passagem que isso se deu aos moldes do que vem impondo o atual governo golpista brasileiro, segundo a anacrônica cartilha do neoliberal FMI (que aliás, nem o FMI defende mais) e assessorado publicitariamente por pseudo-atores globais e movimentos “apartidários” bancados pelo Instituto Millenium/DEM/PSDB, dentre outras mentes iluminadas do gênero.

A alarmante ignorância no novo século
Uma década depois, no início do século XXI, vejamos certos frutos simbólicos desta crise displicentemente enfrentada. Em 2006, motivada pela intensa campanha midiática da guerra dos EUA contra o Iraque, a revista National Geographic elaborou pesquisa que mostrou que apenas 37% dos jovens do país sabiam localizar a tão falada nação asiática no mapa-múndi; e o que talvez seja mais grave: a metade dos entrevistados foi incapaz de dizer onde ficava Nova Iorque no mapa dos EUA. Mas o despreparo vai muito mais longe: um terço dos jovens afirmou que a população de seu país gira em torno de 1 a 2 bilhões de pessoas (quando são 300 milhões); e somente 14% – um em cada sete – opina que é importante conhecer uma língua estrangeira. Em sua conclusão, o relatório afirma que os jovens do país “não estão preparados para um futuro cada vez mais globalizado” – e talvez aí resida uma pista do porquê de ter sido eleito um nome conservador como Trump: pois que, como já estudado amplamente na psicologia, o sujeito menos capaz de compreender a complexa realidade em movimento, tende a manter-se em posições rigidamente defensivas, “conservando” deste modo os poucos elementos já familiares que está apto a compreender.
Mas sigamos com as evidências desta crise que transcende a educação e ameaça a própria civilização, visto que nas mãos de um literalmente estúpido governante se encontra um poderio bélico suficiente para a destruição de vários planetas – o que, segundo projeções otimistas, no mínimo deve nos levar a uma nova guerra fria nos próximos anos. Segundo a Avaliação Nacional do Progresso Educacional dos EUA, em pesquisa de 2009, 68% dos alunos de escolas públicas chegam ao terceiro ano fundamental sem saber ler, e menos da metade dos que terminam o ensino médio têm níveis de leitura suficientes para cursar uma universidade.
Ainda neste período, um estudo da Universidade do Texas revelou que 25% dos professores de biologia das escolas públicas do país acreditavam que os dinossauros teriam habitado a Terra ao mesmo tempo que os primeiros humanos – desconhecendo (biólogos que são) o hiato de breves 60 milhões de anos que separam a existência de uma e outra espécie. Ademais, 70% dos professores de ciências do ensino médio, desconhecem as normas nacionais de ensino da evolução das espécies, e continuam ensinando a seus alunos tão somente o “criacionismo”. Tais dados decerto têm ligações íntimas com pesquisa do instituto Gallup que mostra que 42% dos estadunidenses creem que deus criou os seres humanos há menos de 10 mil anos.
Os exemplos são muitos, e não é possível analisar aqui a todos, mas para finalizar, há dois anos uma enquete da Fundação Nacional para a Ciência dos EUA (NSF) revelou que um em cada quatro estadunidenses não sabe que a Terra gira ao redor do Sol; e que metade da população do país considera a astrologia uma ciência e simplesmente “desconhece” a teoria de que o homem descende dos primatas. Diante do absurdo de tais números, a pesquisadora Megan Strom, em seu artigo “Promovendo a ignorância nos Estados Unidos”, se pergunta se esses dados teriam relação com o fato de que, mesmo com tantas evidências e catástrofes, 74% dos senadores estadunidenses ainda negam o aquecimento global. Trump, aliás, nos primeiros dias de mandato, já mandou deletar a seção dedicada às mudanças climáticas do saite da Casa Branca.

O fracasso neoliberal da privatização do ensino
Um fato primordial para uma análise do problema apresentado é que os baixos índices de rendimento acadêmico dos EUA se localizam especialmente nas comunidades mais pobres, e têm ligação direta com os cortes no orçamento da educação, promovidos pelas correntes privatizadoras que atacam o setor público desde há décadas. Dados recentes mostram que, se 47% dos estudantes até a oitava série foram reprovados em inglês, no caso das escolas periféricas de Nova Iorque, este número ascende a 65%. Trata-se de um modelo educacional que responde a uma lógica mercantil – fundada no poder de compra e que fomenta o individualismo, a competição (ou seu florido eufemismo, a “competitividade”), não valorizando o desenvolvimento do estudante no sentido pleno de suas capacidades humanas.
Com cerca de 50 milhões de alunos matriculados, os EUA têm hoje um dos níveis educacionais mais baixos do mundo desenvolvido. O Departamento de Educação, em 2013, afirmou em relatório que a “competitividade global” de seu ensino está debilitada, e que isso se deve ao enorme abismo que existe entre as “condições socioeconômicas dos distintos grupos sociais”, e ao baixo nível de profissionalização dos professores, mal remunerados.
Já no caso do Brasil – de intelectuais como o artista Frota (“Invadindo a Retaguarda”, “Anal Total 10”) e o fofoqueiro hoje conhecido como Marco Villa-do-Trote –, a situação é parecida. Após um breve hiato de neodesenvolvimentismo lulista, que atuou por alguma melhoria da educação – embora insuficientemente, priorizando sempre o consumo –, vemos o Brasil retomar sua orientação histórica: rumo ao atraso. Segundo o relatório trianual PISA/2015 (Programa Internacional de Avaliação de Alunos – estudo que é uma referência mundial da área), o qual avaliou a aprendizagem de estudantes de 15 anos em 70 países, o Brasil, embora tenha aumentado, durante o lulismo, seu investimento no ensino, passando de 32% a 42% da média dos países centrais do capitalismo (ditos “desenvolvidos”), não viu ainda essa verba se refletir em uma melhora efetiva: o país continua nas últimas posições, nas 3 áreas analisadas (ciências 63o, leitura 59o, e matemática 65o). Já os EUA – à semelhança do Brasil, guardadas as proporções – também figuram dentre os últimos dos últimos, quando se leva em consideração os países ricos.
 Em nossa realidade brasileira, na qual as escolas particulares desfrutam de tanto prestígio por dentre as classes médias, um dado curioso chama a atenção: os alunos das escolas particulares, mais abonados e bem estruturados (com mais tempo livre, apoio familiar e melhor alimentação) saíram-se infimamente melhores de que seus colegas em inferiores condições socioeconômicas da rede pública – uma das menores diferenças registradas entre o ensino público e particular no mundo. Segundo estudiosos do tema, entrevistados pela BBC-Brasil, os motivos deste aparente paradoxo é que a baixa valorização (não só econômica, mas moral) do professor brasileiro não acomete apenas os funcionários públicos, mas é generalizada. Salários (extremamente) baixos, falta de motivação profissional, formação deficiente dos professores e falta de autonomia docente estão dentre as causas principais.
 No outro polo deste quadro, temos países como Cuba e Cingapura. Se Cuba detém a melhor educação da América, sendo inclusive superior a muitos dos países mais ricos do mundo, e comparada a nações-modelo, como Cingapura, Suíça e Canadá, isso não se trata de um milagre ; ao contrário da América Latina que de modo geral destina cerca de 4% do PIB à educação, o governo socialista caribenho destina mais de três vezes este valor: 13%. Segundo recente declaração do Banco Mundial – órgão político conservador e liberal: “Cuba é internacionalmente reconhecida por seus êxitos nos campos da educação e da saúde... comparando-se a países desenvolvidos” (algo que a ONU há décadas já reconhecera, mas que ganha significado quando vindo da voz do inimigo).
Já a pequena e rica cidade-Estado de Cingapura é tida como detentora da melhor educação de todo o mundo, e como Cuba, tem práticas que certamente poderiam guiar Estados precários educacionalmente – como EUA e Brasil: políticas de valorização do professor, tanto econômica quanto socialmente, com plano de carreiras que incluem atividades de pesquisa e de direção de escola, formação pedagógica continuada, e mesmo remuneração das atividades “invisíveis”, típicas do magistério, como o tempo de preparação da aula e correção dos trabalhos escolares.
Certamente, tais parâmetros estão longe de nossa realidade política brasileira atrasada, que se arrasta de golpe em golpe, e em especial, longe desse momento caótico em que é imperativo ao governo reacionário buscar apoio no que há de mais arcaico e fascista – atacando como era de se esperar aqueles personagens cuja função é justamente a promoção da crítica: os artistas, os educadores.
Efetivamente, como afirmou o grande pensador brasileiro Caio Prado (ele o disse em relação ao Brasil, mas se trata de uma ideia que parece ter validade universal): o baixo nível cultural das elites, seu pouco apreço pela leitura, pelo estudo, reflete-se na população e vice-versa, de modo dialético.
Fonte: http://www.carosamigos.com.br/index.php/colunistas/227-yuri-martins-fontes/9114-a-ignorancia-como-ideologia-a-educacao-nos-estados-unidos

Reportagem: Quem se preocupa com os professores e estudantes de Goiás e de Salvador?




Por Walter Takemoto

Na segunda-feira, a Polícia Militar de Goiás prendeu trinta e uma pessoas, entre elas treze adolescentes estudantes, que estavam se manifestando e tentando impedir que o governo do Estado privatize, via as famosas Organizações Sociais, as escolas públicas. Os detidos foram encaminhados para a Delegacia Estadual de Repressão às Ações Criminosas Organizadas. Ou seja, para o governo de Goiás estudantes e professores lutarem em defesa da escola pública é uma ação criminosa organizada. Os detidos foram liberados apenas na quarta-feira, dia 17 de fevereiro.

O governo de Goiás já entregou para a Polícia Militar a gestão de parte das escolas da rede, e agora iniciou o processo para transferir para empresas que se denominam Organizações Sociais a gestão completa de escolas públicas. Entre as instituições que se manifestaram dispostas a terceirizarem as escolas estão uma instituição evangélica, o Mackenzie e uma da área da saúde.


Privatização
Por trás dessas medidas adotadas em Goiás está, nada mais nada menos, do que a ampliação de um processo de repassar para a iniciativa privada a administração dos serviços públicos essenciais, iniciado pela saúde com evidentes prejuízos à população e a precarização das relações de trabalho entre os profissionais e as empresas travestidas de Organizações Sociais.
No caso de Goiás, caberá à empresa contratar os professores, que deixam de ser funcionários públicos concursados e passam à condição de empregados celetistas sem estabilidade. E no âmbito pedagógico, o que o governo busca é o alcance de metas quantitativas nos indicadores externos (Ideb por exemplo), e o cumprimento de padrões como, por exemplo, pelo menos 40 estudantes frequentando diariamente a sala de aula no ensino fundamental II e ensino médio.
A luta, principalmente dos estudantes, contra a privatização das escolas públicas que está ocorrendo em Goiás não aparece nas redes sociais e muito menos nos meios de comunicação. É como se o que lá ocorre não fosse repercutir em nenhuma outra secretaria.

SUS
Parece que o processo ocorrido no Sistema Único de Saúde, de terceirização de parte importante dos serviços, com a presença maciça das ditas Organizações Sociais, que é promovido por governantes de todos os partidos, não tem semelhança com o que o governo de Goiás está iniciando na educação. Ou então, que não se percebe que grupos econômicos, grande parte internacionais, controlam a venda de livros didáticos, de pacotes educacionais, ampliando cada vez mais suas influências nas redes públicas, determinando a orientação das políticas educacionais e, portanto, da formação das crianças, adolescentes e jovens. E convém lembrar que são grupos econômicos que controlam grande parte das instituições privadas de ensino superior do Brasil.
Se em Goiás estudantes lutam contra a privatização das escolas públicas, em Salvador professores lutam contra o fechamento de turmas de educação de jovens, adultos e idosos.
De forma sorrateira, no recesso escolar, o prefeito ACM Neto determinou unilateralmente o fechamento de turmas, que até o final de janeiro atingiam 51 escolas, sendo que em 21 dessas escolas todas as turmas foram encerradas, segundo informações dos professores.
Hoje dezenas de professores não sabem onde irão lecionar, pois a Prefeitura simplesmente decidiu transferir todos os matriculados para outras escolas sem prévio aviso. E esses professores, alguns que durante anos trabalharam em uma mesma escola, não sabem para onde vão e ficam durante horas nos corredores da Secretaria de Educação para tentar descobrir em que escolas irão lecionar, com suas vidas profissionais prejudicadas por uma decisão unilateral da Prefeitura.
Em declaração pública o prefeito denunciou que na EJA existem milhares de alunos fantasmas, declaração que é repetida por outros representantes da Secretaria, e essa denúncia é um dos fatores que tentam “justificar” o fechamento de turmas.
É inadmissível que o prefeito faça essa acusação sem que divulgue quem são os responsáveis pela existência desses alunos fantasmas, colocando sob suspeição os professores e gestores das escolas. Na verdade esse método de lançar denúncia vazia é reproduzido por “autoridades”, com o único objetivo de justificar medidas que sabem impopulares ou que ferem direitos sociais. No caso do prefeito de Salvador, tal acusação leviana foi feita para servir de manchete para os órgãos de imprensa que são controlados pela sua própria família.
Desde o ano passado que a Secretaria de Educação de Salvador já demonstrava que pretendia se desobrigar de oferecer aos jovens, adultos e idosos o direito à educação, ao definir um curto período para matrícula e não enviar para grande parte das escolas os materiais de divulgação de abertura do prazo para que os interessados pudessem comparecer.
E a gravidade dessas medidas adotadas pelo prefeito ACM Neto ganham contornos de ação criminosa quando olhamos para os dados presentes no Plano Municipal de Educação de Salvador. No Plano aprovado pela Câmara Municipal consta que o Censo 2000 apontava a existência em Salvador de 113.366 analfabetos absolutos, o que representa uma taxa de 6,28% do total de 1.804.631 de pessoas com 15 anos ou mais. Outro ponto relevante é o número de pessoas sem instrução ou com apenas um ano de estudo, os chamados analfabetos funcionais. Por estimativa, em 2006, segundo o IBGE, 6,5% da população de 15 anos ou mais se encontravam nessa condição. Em termos absolutos, isso representa 135 mil pessoas.
Esses índices adquirem proporções mais graves à medida que analisamos a média de escolaridade de anos de estudo em relação à cor e raça, pois quanto maior os anos de estudo maior é a taxa de pessoas brancas e quanto menor os anos de estudo maior é a taxa de pessoas negras. Conforme dados estimados pelo IBGE/PNAD-2005 para a Região Metropolitana de Salvador, o analfabetismo ocorre com maior frequência nos indivíduos do sexo feminino (6,8%, para 5,3% do sexo masculino) e de cor negra (13,2%, para 3,8% de brancos). Ainda 86% dos indivíduos não alfabetizados têm 30 anos ou mais. Quanto mais pobres são as pessoas, maior, ainda, é a presença do analfabetismo entre elas.

Dívida social
A dívida social com os que não tiveram acesso ao ensino, por força da desigualdade social e econômica, ou pelos séculos de escravidão que estruturou a sociedade brasileira à custa da exclusão de milhões de negros e negras até os dias hoje, impõe ao poder público a responsabilidade de dar prioridade às políticas públicas para universalizar o acesso, a permanência e a continuidade com qualidade aos que necessitam da educação de jovens e adultos.
Provavelmente a Secretaria poderá alegar que irá unificar turmas reunindo alunos que não moram distante da escola para a qual estão sendo transferidos. Essa proposta desconsidera que uma distância geográfica de 500 metros pode representar uma barreira intransponível entre territórios, pois desconhecem a realidade da periferia em que o morador de uma rua sabe que não pode transitar por uma rua paralela à que mora.

E o prefeito sabe que excluir do direito à educação esses jovens, adultos e idosos, representa aprofundar a exclusão social que vem impondo à população mais pobre da cidade. Segundo a Pesquisa de Origem e Destino divulgada pelo governo do Estado em 2013, a taxa de imobilidade dos analfabetos é de 64,5% enquanto que para os que possuem curso superior é de 14,8%. E a pesquisa revela ainda que 35,3% dos moradores da cidade andam a pé por não terem como arcar com o custo da tarifa de ônibus. Se apenas esses dados já demonstram o nível de exclusão presente na população, temos o agravante da constatação da pesquisa que 24,9% dos que são obrigados a se locomover a pé caíram em decorrência da inexistência de infraestrutura nos bairros da periferia de Salvador.
E qual a relação entre Goiás e Salvador?
As medidas impostas pelo governador de Goiás e o prefeito de Salvador revelam a incapacidade dos sindicatos e partidos comprometidos com os direitos e interesses dos trabalhadores e do povo, de estabelecerem com os professores e a sociedade um debate permanente sobre qual a política educacional que precisamos defender para o País.

Modelo neoliberal
Em Goiás assistimos ao governo repassar para empresas a gestão dos recursos públicos para a educação e controlar a formação dos professores e estudantes. E quando tivermos os 10% do PIB para a educação tendo esse precedente aberto?
Em Salvador, reproduzindo o que fez e faz Alckmin em São Paulo, ACM Neto fecha turmas de EJA, desorganiza a rede e a vida dos estudantes e dos educadores; amplia o processo de exclusão dos historicamente excluídos, e é como se isso não importasse para ninguém além dos que estão perdendo o direito a matrícula ou os professores que ficam nos corredores da secretaria como peças descartáveis.
Se a luta dos estudantes em São Paulo empolgou parcela importante da população e dos formadores de opinião, a questão central não pode ser apenas e tão somente o método e a ousadia dos meninos e das meninas.
Temos que olhar para a luta que esses meninos e meninas realizaram como uma necessidade urgente de travarmos um amplo debate que seja capaz de empolgar a todos, professores, estudantes e a sociedade, sobre qual escola pública queremos e como torná-la realidade, para que se possa unificar a resistência às políticas governamentais que visam subordinar a educação aos interesses do mercado e aprofundar a exclusão de grande parte da população.

Luta
Se permitirmos que a resistência contra a reorganização do Alckmin se restrinja a São Paulo, estaremos facilitando que após uma derrota política inicial importante, esse mesmo governador inicie o fechamento de turmas, que ao fim e ao cabo irá concretizar seu plano original de fechar escolas, que é o que estamos assistindo ocorrer.
Está mais do que na hora de professores, estudantes e a comunidade ocuparem as escolas públicas para que juntos se construa um projeto educacional que de fato explicite a educação que nos interessa, que não seja nem uma frase de propaganda, nem um modelo privatista ou uma escola amordaçada e sem vida.
Walter Takemoto é educador

Reportagem: A esquerda e o indivíduo

A esquerda e o indivíduo



Por Cynara Menezes
Somos de esquerda e pensamos, em primeiro lugar, na coletividade. É tão natural na esquerda priorizar o coletivo quanto é, na direita, priorizar o individualismo. Para a esquerda, o “nós” vem sempre antes; para a direita, se a farinha é pouca, meu pirão primeiro. Mas eu tenho a impressão que a gente tem pecado em não olhar mais para o indivíduo, em não mostrar uma atenção especial para com o crescimento individual.

Vejam bem: não estou propondo que abandonemos a prioridade ao bem-estar coletivo. Isto tem sempre que ser a meta do cidadão de esquerda, lógico. O que estou propondo é, somado a isso, que tracemos estratégias para nos aproximar dos que querem crescer e melhorar de vida enquanto pessoas, individualmente falando. Sobretudo conseguir transmitir que é possível ser de esquerda e ao mesmo tempo desejar ascensão profissional e social. Por que não?

Afinal, nos últimos anos, é justamente o que estivemos oferecendo às populações mais humildes, se considerarmos que o PT é um partido de esquerda: a oportunidade de galgar degraus na pirâmide social. Ora, uma vez que sobem na vida, por que estas pessoas se afastam da esquerda? Por influência da mídia, por síndrome de Estocolmo, por muitos fatores, mas também porque não têm se identificado com a esquerda. Até porque nós também não nos identificamos com este cidadão que ascendeu.

O “empreendedor”, seja ele pequeno ou grande, infelizmente se sente mais acolhido na direita, que obteve êxito na disseminação da falácia da “meritocracia”. Nós sabemos que a direita mente ao enaltecer as “oportunidades iguais”; nós sabemos que a grande maioria dos que usam a palavra “meritocracia” não tiveram mérito algum em seus sucessos, a não ser por terem herdado dinheiro para chegar lá. Nós sabemos disso, mas os que foram seduzidos pela “meritocracia”, não.
          
Devia ser o contrário, porque somos nós, de esquerda, que valorizamos quem rala na vida para conseguir ser alguém. Somos nós, inclusive, que achamos importante a mobilidade social, capaz de combater as desigualdades – a direita, pelo contrário, não só não está nem aí como trabalha para que tudo esteja onde sempre esteve. Os pobres “no lugar dos pobres” e os ricos “no lugar dos ricos”. Nós, não: queremos que os pobres melhorem de vida e que as riquezas não estejam tão concentradas nas mãos de poucos.

Mas o fato é que, hoje, se uma pessoa pobre quiser estudar, trabalhar e se esforçar para “ser alguém” encontrará eco no discurso enganador da direita e não no da esquerda. Que inversão é essa? Ao mesmo tempo que a esquerda (o PT, no caso) forneceu as condições para incluir milhões de pessoas no mercado de consumo e na universidade, estas condições são agora rejeitadas por quem mais precisa ou precisou delas...

Estamos carentes de ideias novas. O turbilhão de denúncias envolvendo o PT nos deixou estacionados. Faz tempo que não formulamos, não propomos nada ousado, arrojado. Antes de chegar ao poder, tínhamos tantas propostas inovadoras... Para onde elas foram? A máquina de iludir da direita conseguiu convencer os incautos de que tem vanguarda a oferecer ao mesmo tempo que leva o País para trás. A enganação é tal que arrancam direitos, levando trabalhadores ao passado, mas convencidos de que isto é o futuro.

Como nos aproximar destes jovens ambiciosos e sem recursos familiares que estão caindo na fábula da meritocracia, convencidos por gente que nunca trabalhou duro? Seria a ambição incompatível com ser de esquerda? Não acho. Todo mundo tem ambições na vida e isso nada tem a ver com ideologia. O que tem a ver com ideologia é a forma como esta ambição vai se concretizar e como o ambicioso em questão vai encontrar seu lugar no mundo.

Acho que a esquerda tem que entrar na disputa pelo pequeno empresário, pelo jovem que quer ter um startup, tem que passar a olhar com mais simpatia o empreendedor. Não há incoerência em ser de esquerda e querer ter sucesso na vida. Demos as condições para que as pessoas estudassem e comprassem; agora precisamos oferecer propostas que as ajudem a crescer, a se desenvolver e ao mesmo tempo permanecer fiéis a um modo esquerdista de ver o mundo.

O que nos diferenciará, porém, da direita, dos “liberais”? A maneira como vemos estes empreendimentos, por exemplo. O empresário liberal quer pagar o menos possível para o empregado; nós não acreditamos em empresas em que todo mundo não cresça junto. Aos liberais pouco importa se sua empresa terá alguma função social ou de defesa do meio ambiente; para nós, não há razão para uma empresa existir se não for assim.

A realidade atual indica claramente que não podemos abrir mão da parcela da sociedade que almeja o crescimento individual. Melhor: não existe razão plausível para estarmos distantes dela. Não há nada mais à esquerda do que alguém sair do nada e ascender socialmente. São trabalhadores que merecem todo o respeito. Temos que descobrir como conscientizar estas pessoas sobre o pouco que a direita tem de fato a oferecer a elas. Mas, para isso, é necessário que nós também sejamos capazes de lhes oferecer algo.


Cynara Menezes é jornalista e editora do blog Socialismo Morena (socialistamorena.com.br)

Fonte: http://www.carosamigos.com.br/index.php/colunistas/191-cynara-menezes/9251-a-esquerda-e-o-individuo


domingo, 12 de fevereiro de 2017

Reportagem: Não há panelaços e bonecos infláveis para os acusados do governo Temer

*Não há panelaços e bonecos infláveis para os acusados do governo Temer*

Coluna do insuspeito jornalista Jânio de Freitas,
colunista do jornal Folha de São Paulo.

Agora ficou mais fácil compreender o que se tem passado no Brasil. O poder pós-impeachment compôs-se de sócios-atletas da Lava Jato e, no entanto, não há panelaço para o despejo de Moreira Franco, ou de qualquer outro da facção, como nem sequer houve para Geddel Vieira Lima. Não há panelaços nem bonecos inflados com roupa de presidiário.

Logo, onde não há trabalhador, desempregado, perdedor da moradia adquirida na anulada ascensão, também não há motivo para insatisfações com a natureza imoral do governo. Os que bancaram o impeachment desfrutam a devolução do poder aos seus servidores. Os operadores políticos do impeachment desfrutam do poder, sem se importar com o rodízio forçado, que não afeta a natureza do governo.

Derrubar uma Presidência legítima e uma presidente honesta, para retirar do poder toda aspiração de menor injustiça social e de soberania nacional, tinha como corolário pretendido a entrega do Poder aos que o receberam em maioria, os geddeis e moreiras, os cunhas, os calheiros, os jucás, nos seus diferentes graus e especialidades.

Como disse Aécio Neves a meio da semana, em sua condição de presidente do PSDB e de integrante das duas bandas de beneficiários do impeachment: "Nosso alinhamento com o governo é para o bem ou para o mal". Não faz diferença como o governo é e o que dele seja feito. Se é para o mal, também está cumprindo o papel a que estava destinado pela finalidade complementar da derrubada de uma Presidência legítima e de uma presidente honesta.

Não há panelaço, nem boneco com uniforme de presidiário. Também, não precisa. Terno e gravata não disfarçam.

*POLÍTICA, SIM*
Se divulgar a delação da Odebrecht, como propõe Rodrigo Janot, pode levar à "destruição de prova útil" –como disse o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima ao repórter Thiago Herdy–, "de outro lado, há o uso de vazamentos para o jogo político, algo que não nos interessa".

Sem esse interesse, não teria havido os vazamentos. Atos cuja gravidade não se confunde com a liberação particular de informações para jornalista. O inaceitável eticamente nos vazamentos da Lava Jato é a perversa leviandade com que torna públicas, dando-lhes ares de verdades comprovadas, acusações não provadas, em geral nem postas (ainda?) sob verificação.

Otávio Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez, por exemplo, proporcionou um desses vazamentos: acusou Edinho Silva e outro petista de receberem determinado cheque, relatando até o encontro para a entrega. O então ministro José Eduardo Cardozo localizou e exibiu o cheque de tal pagamento: o destinatário do cheque nominal era um certo Michel Temer. Mas a Lava Jato pusera Edinho Silva, secretário de Comunicação da Presidência de Dilma, nas manchetes e na TV como recebedor do suborno da empreiteira.

Otávio Azevedo e outros ex-dirigentes da Andrade Gutierrez estão chamados a corrigir seus depoimentos, porque a delação da Odebrecht revelou que distorceram ou omitiram. E também foram vazamentos acusatórios. Diz a regra que trapacear nas delações as anula. Não, porém para protegidos na Lava Jato, como Otávio Azevedo e Alberto Youssef.

Ficou comprovado que a Lava Jato e mesmo o seu juiz programavam vazamentos nas vésperas dos dias importantes na campanha contra Dilma e Lula. Só por "interesse político" –evidência que ninguém na Lava Jato tem condições honestas de negar. 


Reportagem: O que estourou em Vitória é pedaço de realidade instalada país afora

O que estourou em Vitória é pedaço de realidade instalada país afora

Folha de São Paulo
09/02/2017 02h00

Possível e fácil, a ocorrência em mais umas três capitais de algo como a arruaça em Vitória, e não se poderá contar com solução de razoável racionalidade para conter a conflagração. Será violência contra violência.

É essa uma visão pessimista do risco? Sim, para quem supõe que Vitória sucumbiu a motivações suas. Ou, se mais, a problemas do Espírito Santo. Mas o que estourou em Vitória é um pequeno pedaço de uma realidade instalada pelo país afora. Entre os depósitos de explosivos que são hoje tantas cidades brasileiras, Vitória estava até em melhores condições do que Porto Alegre, Rio, Natal, várias outras. O mais inquietante, no entanto, não está nessa realidade tão ameaçadora quanto pouco reconhecida.

O que mais agrava a ameaça subjacente no país é a total alienação do governo Michel Temer. Uma parte dele só se ocupa de politicagem partidária e parlamentar, compartilhamento de cargos e ganhos, manobras protetoras, na ilha afortunada que é Brasília. Michel Temer é o falso centro dessa parte do governo.

A outra parte é a área econômica, encabeçada pelo Ministério da Fazenda. Não é menos alienada do que a anterior. Nem na ilha está: vive no seu círculo fechado. O país afunda mais econômica e socialmente a cada hora, o desemprego real já está estimado em 20 milhões, cresce o número de estados e cidades incapazes de custear os serviços essenciais – e em nove meses de governo o ministro da Fazenda não tomou sequer uma medida singela, qualquer uma, para facilitar (facilitar, nem se pediria mais) uma reação ao esmagamento do país. Muito ao contrário, além de impedir os estimulantes investimentos governamentais, sob sua regência os bancos oficiais cortaram tudo que puderam do financiamento aos setores privados.

A alienação do Ministério da Fazenda é total. Com o desabamento do poder aquisitivo posto diante dos seus olhos, Meirelles e sua equipe se ocupam em criar penalidades para quem comprou imóvel em construção e precisa desistir do negócio. Querem fixar multa de 25%, um quarto do total já pago, a ser deixado no cofre do vendedor quando desfeita a compra. As desistências subiram de 20% no já ruim 2014 para 43,4% no ano passado, conforme as repórteres Ana Paula Ribeiro e Geralda Doca. Pequenos imóveis, na maioria de valor entre R$ 300 mil e R$ 800 mil. Comprados, está claro, por aqueles que haviam ascendido da pobreza para os primeiros degraus da baixa classe média.

Tão simples: o governo reduz ou elimina o rendimento, e castiga quem não tem mais o suficiente para honrar os compromissos da ascensão perdida. É a face do governo Temer + Meirelles.

O potencial explosivo está à mercê da sorte. Vitória não é uma diferença, é um risco comum que ali avançou mais. E o mais grave: não se pode contar com o governo, que de uma parte se aliena como pasto da politicagem e, em outra, na absoluta irrealidade do seu mundo de cifrões.

JAMAIS

Passados os pasmos com as primeiras prisões intempestivas, Sérgio Moro tem se mostrado bastante previsível. Mesmo quando vai a extremos, como a divulgação ilegal de gravações telefônicas já também ilegais, ato inesperável na forma, mas sem surpresa no excesso. Na mais recente de suas tantas idas aos Estados Unidos, a regra se cumpriu, quando, por exemplo, deu resposta fugidia sobre seu alegre encontro com Aécio Neves. Ou na óbvia afirmação de que não tem responsabilidade alguma na causa da morte de Marisa Lula da Silva.

Esta, porém, é uma certeza que Sérgio Moro jamais terá como alcançar. Nem seus companheiros da Lava Jato poderão livrar-se da interrogação.