Desde dezembro, o Brasil
exerce a presidência do G20, cuja cúpula acontece em novembro no Rio de Janeiro
em meio à escalada de conflitos e falta de efetividade da principal organização
internacional. Além das discussões sobre o combate às mudanças climáticas e à
fome, o Brasil também terá como prioridade a agenda de reforma das Nações
Unidas.
Um
dos conflitos mais sangrentos da história recente do Oriente Médio tem
levado preocupação em todo o mundo diante da possibilidade cada vez maior de
uma escalada dos combates para outras regiões além da Faixa de Gaza.
Após quase quatro meses, dados apontam mais de 100 mil palestinos mortos,
feridos ou desaparecidos. Ainda em dezembro, a Assembleia Geral da
Organização das Nações (ONU) chegou a aprovar a resolução que pede o
cessar-fogo e o envio de ajuda humanitária, mas que foi totalmente ignorada por
Israel.
A
falta de efetividade da atuação da principal organização internacional levou o
Brasil a ter como uma das prioridades na presidência do G20 a reforma da
governança global de todo o sistema das Nações Unidas. É o que contou o
embaixador Mauricio Lyrio, coordenador da Trilha de Sherpas (representante
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva), em entrevista coletiva realizada
nesta segunda-feira (5).
Em
preparação para a cúpula que acontece em novembro no Rio de Janeiro, o
país começa neste mês a receber as reuniões ministeriais, sendo a primeira nos
dias 21 e 22 com os chanceleres do grupo.
"Sabemos
que há tensões geopolíticas no mundo, e cabe aos chanceleres discutir esses
temas para, eventualmente, levar aos líderes. Uma das questões centrais é a
reforma da governança global. E no centro disso está, naturalmente, a
necessidade da reforma da principal instituição, que é o sistema das Nações
Unidas", defendeu.
Para
o embaixador, a entidade, que foi criada há quase 80 anos, ainda na década
de 1940 e em um contexto de fim da Segunda Guerra Mundial, vive um
"déficit de modernidade", além de não conseguir representar o mundo
multipolar. Diante disso, é necessário repensar a estrutura das Nações Unidas,
tanto nas áreas política, econômica e comercial como também o
Conselho de Segurança, que conta com os mesmos membros permanentes desde a
criação (apenas China, Rússia, Estados Unidos, França e Reino Unido).
"Então,
eu diria que o tema reforma da ONU é muito mais amplo, que tem a ver com a
eficácia e a representatividade. Isso passa, sim, pela reforma do Conselho, mas
não é só isso. É todo um repensar de uma organização que foi criada na década
de 1940 e nós estamos em 2024. Já se passaram muitos anos e é necessário
ajustar. Nós enfrentamos desafios globais, e, como o termo diz, requerem
soluções globais, coordenadas entre os países",
declara.
O que é a ONU e para que
serve?
Criada
para intermediar as relações internacionais, além de harmonizar a ação das
nações diante de objetivos comuns rumo ao desenvolvimento e a paz
mundial, a ONU está com a atuação cada vez mais enfraquecida
diante de um momento "tão grave da humanidade". É o que já avaliou em
diversas situações o governo brasileiro.
"Se
não há organizações internacionais fortes, é mais difícil encontrar soluções e
ainda mais difícil implementar as soluções aguardadas pelos países. Como disse
o presidente [Luiz Inácio Lula da Silva] em Hiroshima [no Japão], você pode até
chegar a algumas decisões, mas na hora de ter, eu diria, o empenho dos países
para implementar essas medidas, não será suficiente se nós não tivermos
organizações internacionais fortes", afirmou o embaixador.
O
sherpa brasileiro também lembrou que, segundo estatísticas de organizações
não-governamentais ligadas à paz, o mundo tem atualmente pelo menos 183
conflitos, número que atingiu um recorde no ano passado.
"Uma
ONU forte é a base para a paz, a ONU foi criada justamente para prevenir novos
conflitos, só que os novos conflitos estão acontecendo e, com isso, nós temos
dificuldade de concentrar recursos e atenções nos temas do
desenvolvimento", relata, acrescentando que em situações
assim os países direcionam mais investimentos para a área militar e o
enfrentamento aos desafios sociais acaba em segundo plano.
"A
proposta apresentada pelo Brasil na reunião de sherpas inclusive foi muito bem
recebida. Esse não é um processo simples, mas o que queremos, durante a
presidência brasileira, é impulsionar uma reforma, que obviamente não pode ser
feita só pelos países do G20, até porque seria contraditório ao maior objetivo,
que é ser uma organização mais representativa. Então, não adianta também
excluir os demais desse processo", resume.
Reforma das instituições
financeiras
Uma
das principais entidades financeiras da ONU, juntamente com o Banco
Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem em sua cartilha o
compromisso em reduzir a pobreza do mundo, além de gerar
crescimento econômico sustentável. Porém, cada vez mais, tem exigido dos países
reformas e políticas de austeridade, a exemplo da Argentina, que afetam drasticamente
os investimentos nas áreas sociais. Esse é um dos pontos que devem ser
discutidos pelo Brasil durante o G20.
"Um
eixo que já está bem avançado, eu diria, é a questão da otimização dos
recursos, tanto do Banco Mundial como do FMI. Hoje em dia, os critérios para
aprovação de empréstimos e toda a mecânica faz com que a gente não aproveite
totalmente os recursos disponíveis. E a visão do Brasil é que esses recursos
têm que ser aproveitados e destinados aos países em desenvolvimento",
explica.
O
país também defende o fortalecimento de instituições como o Banco
Mundial, com mais recursos e também representatividade dos países. "Isso
é um processo também complexo. É uma tradição do Brasil de reivindicar maior,
eu diria, equanimidade, maior equilíbrio, em termos de voto e voz, tanto no
Banco Mundial como no FMI, para que países em desenvolvimento tenham maior
capacidade de representação", pontua.
Combate à fome e mudanças
climáticas
Por
fim, o embaixador brasileiro lembra sobre a criação de duas forças-tarefa com o
objetivo de discutir e avançar em temas caros para a humanidade: combate
à fome e mudanças climáticas. Conforme Maurício Lyrio, mais de 750 milhões
de pessoas estão em situação grave de insegurança alimentar em todo o mundo e,
para enfrentar essa situação, o Brasil sugere a criação da Aliança
Global contra a Fome.
"O
Brasil conseguiu sair do mapa da fome depois dos esforços em termos de
programas sociais e distribuição de renda, e sabe que isso é possível por meio
desse conjunto de políticas. Queremos lançar essa iniciativa baseada nesses
modelos. A questão da fome não é só de recursos financeiros e oferta de
alimentos. Há países que produzem 11 vezes mais do que necessitam e ao mesmo
tempo possuem fome. A questão é como mobilizar as instituições, como o FMI,
Banco Mundial e bancos de desenvolvimento em geral, para temas como a pobreza
extrema", frisa.
Já
com relação ao enfrentamento das mudanças climáticas, Mauricio
Lyrio lembrou que o Acordo de Paris previa que entre 2020 e 2025 os países
desenvolvidos investissem anualmente US$ 100 bilhões (R$ 499
bilhões) na área, o que não tem sido cumprido.
"O
objetivo brasileiro é mobilizar mais recursos contra a mudança do clima e
tornar mais igualitário o acesso aos recursos. Muitos dos países que têm que
fazer a transição energética hoje contribuíram muito pouco para a emissão de
gases de efeito estufa, historicamente. Como é que você diz para determinados
países que, agora que vocês estão começando a crescer um pouco mais, têm que
reduzir a emissão. Mas, para reduzir a emissão, é preciso de recursos. Então,
essa mobilização contra a mudança do clima é uma mobilização de recursos
financeiros", finaliza
Fonte: https://sputniknewsbr.com.br/20240205/deficit-de-modernidade-representante-do-brasil-diz-que-g20-tera-reforma-da-onu-como-prioridade-32902001.html