segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Roteiro de Estudo - EXPANSÃO ULTRAMARINA EUROPEIA E O MERCANTILISMO

Roteiro de Estudo - Expansão Ultramarina Europeia e o Mercantilismo 

Roteiro de Estudo - Era Vargas 1930 a 1945

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Roteiro de Estudo - A Crise dos anos 1920 e a Ascensão Nazifascista

 A crise dos anos 1920 e a ascensão nazifascista

Roteiro de Estudo - Revolução Russa

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Roteiro de Estudo - Primeira Guerra Mundial

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Roteiro de Estudo - Imperialismo século XIX

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Roteiro de Estudo - Grécia Antiga

Roteiro de Estudo - Grécia Antiga 

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Texto Base - Grécia Antiga

 

Grécia antiga

Grécia desempenhou papel de primeiro plano na Antiguidade, constituindo uma civilização cuja influência foi profunda na formação da cultura ocidental. Da Grécia antiga herdamos -não só uma extensa gama de conhecimentos científicos, desenvolvidos por pensadores como Pitágoras, Erastóstenes, Euclides, Tales, Arquimedes, como também os grandes fundamentos do pensamento filosófico e político presentes nas obras de Sócrates, Platão, Aristóteles e outros. Também nossos padrões estéticos de arte e beleza foram herdados dos gregos, influenciados por sua escultura, arquitetura e teatro.

A Grécia antiga abrangia o sul da península Balcânica (Grécia europeia ou continental), as ilhas do mar Egeu (Grécia insular) e o litoral da Asia Menor (Grécia asiática). A partir do século VIII a.C., o território da Grécia europeia foi ampliado com a fundação de diversas colônias no Mediterrâneo ocidental, principalmente no sul da Itália, que passou a chamar-se Magna Grécia.

Na Grécia continental, região em que viveram os mais longínquos antepassados dos gregos, o solo predominante é árido e pedregoso, o que dificultava a prática da agricultura. O relevo, muito acidentado, tornava difícil a comunicação entre vários pontos do interior dessa região, contribuindo para o seu fracionamento político. No litoral, por outro lado, havia a facilidade de comunicação pelo mar. Sendo extremamente recortada, a costa grega apresentava uma série de portos naturais, dos quais as embarcações partiam com destino às ilhas do Egeu, à costa da Ásia Menor ou a outros pontos da própria Grécia continental.

As civilizações cretense e creto-micênica

As origens da civilização grega estão profundamente relacionadas à história de Creta, que viveu o processo de ascensão e queda de sua civilização entre 2000 a.C. e 1400 a.C.

A privilegiada situação geográfica de Creta, a maior ilha do mar Egeu, favoreceu os contatos marítimos com o Egito, a Grécia e a Asia Menor, regiões com as quais desenvolveu intenso comércio. Até o século XV a.C., Creta exerceu a mais completa hegemonia comercial sobre essa região do Mediterrâneo, estendendo seus domínios à Grécia continental, onde conquistou diversas cidades.

As características desta civilização lembram, em suas estruturas, a Antiguidade oriental. Em Creta, dado o enorme desenvolvimento das práticas comerciais, o controle político concentrava-se nas mãos de uma elite comercial (talassocracia), liderada por reis, descendentes do lendário Minos. A cidade de Cnossos era a capital do reino, a qual, na época de seu apogeu, chegou a contar com uma população de mais de cem mil habitantes.

As cidades cretenses, segundo as investigações arqueológicas, apresentavam um singular talento arquitetônico, com grandes palácios e edifícios dotados de complexos sistemas de saneamento e canalização de água. A amplitude do palácio governamental de Cnossos, com suas inúmeras dependências e a decoração, sugeria a ideia de um verdadeiro labirinto, palavra originariamente associada à residência do rei Minos.

Em Creta, sabe-se que a mulher desfrutava de direitos e obrigações quase desconhecidos em outras regiões na Antiguidade. As mulheres cretenses possuíam uma importância que transparecia na religião, cuja principal divindade era feminina, a deusa Grande-Mãe. Isto faz supor que, na ilha, sobrevivesse uma forte influência das sociedades matriarcais pré-históricas. As mulheres participavam das grandes festas e das cerimônias religiosas, muitas eram sacerdotisas, outras fiandeiras e até pugilistas, caçadoras e toureiras.

Em meados do século XV a.C., os AQUEUS — povo que habitava nessa época a Grécia continental — invadiram Creta, dando início à civilização creto-micênica, cujos representantes se espalhariam pelo mar Egeu dominando-o até o século XIII a.C.

Embora fundada por aqueus, a cidade de Micenas adotou muitos valores cretenses, especialmente os artísticos, apesar de impor a supremacia patriarcal, iniciando a transição para o mundo grego. O predomínio de Micenas, que vencera também sua rival, Tróia, duraria até o século XII a.C., quando a região foi invadida pelos conquistadores gregos chamados dórios.

O povoamento da Grécia

Provavelmente, os primeiros povos a habitar a Grécia foram os pelasgos, ou pelágios. Ao que tudo indica, por volta do ano 2000 a.C., esses povos, organizados em comunidades coletivistas, ocupavam a zona litorânea e mais alguns pontos isolados na Grécia continental. Foi aproximadamente nessa época que teve início, na Grécia, um grande período de invasões, que se prolongaria até 1200 a.C. Os povos invasores — indo-europeus provenientes das planícies euroasiáticas — chegaram em pequenos grupos, subjugando lentamente os pelasgos.

Os primeiros indo-europeus que invadiram a Grécia foram os AQUEUS, e ali se estabeleceram entre os anos 2000 a.C. e 1 700 a.C. Foram eles os fundadores de Micenas, cidade que constituiu o berço da civilização creto-micênica.

Entre 1 700 a.C. e 1400 a.C., outros povos atingiram a Grécia: os EÓLIOS, que ocuparam a Tessália e outras regiões, e os JÔNIOS, que se fixaram na Ática, onde posteriormente fundariam a cidade de Atenas. A partir de 1400 a.C., com a decadência da civilização cretense, Micenas viveu um período de grande desenvolvimento, que terminaria por volta de 1200 a.C., quando se iniciaram as invasões dos DÓRIOS.

Os dórios — o último povo indo-europeu a migrar para a Grécia — eram essencialmente guerreiros. Ao que parece, foram eles os responsáveis pela destruição da civilização micênica e pelo consequente deslocamento de grupos humanos da Grécia continental para diversas ilhas do Egeu e para a costa da Asia Menor. Esse processo de dispersão é conhecido pelo nome de primeira diáspora.

Após o esplendor da civilização micênica, seguiu-se um período em que as cidades foram saqueadas, a escrita desapareceu e a vida política e econômica enfraqueceu, caracterizando um processo de regressão da Grécia a uma fase primitiva e rural. Desse período (séculos XII a.C. a VIII a.C.), que foi a base da civilização grega, não se tem registro, exceto os poemas Ilíada e Odisséia atribuídos a Homero, que, tendo vivido no século VI a.C., teria recolhido histórias transmitidas oralmente durante os séculos anteriores. Por essa razão, esse período, posterior à invasão dórica, ficou conhecido como tempos homéricos. Em decorrência, o período anterior a 1200 a.C., caracterizado pela imigração de povos indo-europeus e pela formação da cultura creto-micênica, recebeu a denominação de tempos pré-homéricos.

Os tempos homéricos (do século XII a.C. ao século VIII a.C.)

Para compreendermos a evolução política da Grécia antiga, é necessário retrocedermos aos tempos pré-homéricos, quando os povos indo-europeus ali se fixaram. Já nessa época, esses grupos humanos encontravam se divididos em genos, famílias coletivas constituídas por um grande número de pessoas sob a liderança de um patriarca. Após as invasões dos dórios, os genos passaram a constituir a forma predominante de organização social. Assim, podemos afirmar que o período homérico foi também o período das comunidades gentílicas.

Cada geno constituía uma unidade econômica, social, política e religiosa da sociedade grega. De fato, esses pequenos agrupamentos humanos conseguiam, isoladamente, assegurar sua sobrevivência com uma economia natural e coletivista. Os meios de produção (terra, sementes), assim como os bens produzidos (alimentos, objetos), pertenciam a todos os indivíduos, ou seja, a propriedade não tinha caráter particular. Na organização hierárquica dos genos, o patriarca, ou pater, era a autoridade máxima, exercendo as funções de juiz, chefe religioso e militar. O critério que definia a posição dos indivíduos na comunidade era o seu grau de parentesco com o pater.

As comunidades gentílicas existiram durante quase todo o período homérico. Apenas por volta do século VIII a.C., iniciou-se o processo de desintegração dos genos, evoluindo mais rapidamente em algumas regiões do que em outras. Diversos fatores contribuíram para a dissolução dos genos no final dos tempos homéricos, entre eles o crescimento populacional e o aumento do consumo. Entretanto, a produção continuava limitada, pois havia poucas terras férteis e as técnicas de produção eram bastante rudimentares.

A luta pela sobrevivência, que dependia basicamente da terra, desencadeou uma série de guerras entre genos. Para enfrentar um inimigo comum, alguns deles se uniram, formando uma fratria. Reunidas, as fratrias constituíam uma tribo, a qual se submetia à autoridade do filobasileu, o supremo comandante do exército. A união de várias tribos deu origem ao demos ("povo", "povoado"), que reconhecia como seu líder supremo o baliseu.

A crise da sociedade gentílica alterou profundamente a estrutura interna dos genos. Aos poucos, a terra deixou de constituir propriedade coletiva, sendo dividida, de modo desigual, entre os membros dos genos. As melhores parcelas de terra foram tomadas pelos parentes mais próximos do pater, e por esse motivo, passaram a ser chamados de eupátridas (“bem-nascidos”). O restante das terras foi dividido entre os georgóis ("agricultores"), parentes mais distantes do patriarca. Nesse processo de divisão, os mais prejudicados foram os thetas (“marginais”) para os quais nada restou.

Com a crise das comunidades gentílicas, a Grécia continental se transformou em palco de inúmeros conflitos e tensões sociais, que resultaram em uma nova dispersão do povo grego — a segunda diáspora, Os principais fatores que provocaram esse novo deslocamento foram o crescimento demográfico e a escassez de terras cultiváveis na Grécia continental, em grande parte consequência da concentração da propriedade nas mãos de uma pequena parcela da população.

Desse modo, boa parte da população excedente, constituída, principalmente, pelos menos beneficiados na partilha das terras, emigrou para regiões do Mediterrâneo ocidental, ali fundando diversas colônias. Assim surgiram cidades como Tarento e Siracusa, no sul da Itália, região que se desenvolveu muito graças ao cultivo de cereais e que ficou conhecida como Magna Grécia.

Nesse período de instabilidade, por questões de segurança, várias tribos se uniram formando comunidades independentes, que deram origem às pólis ou cidades-estados. As cidades-estados tinham como ponto central a acrópole„ parte mais alta da povoação, governada pelo conselho de aristocratas, os eupátridas.

Os tempos arcaicos (do século VIII a.C. ao século VI a.C.)

A privatização das terras a dissolução da comunidade gentílica levaram a profunda' transformações no interior da sociedade grega. Inicialmente, processou-se a passagem de uma economia doméstica para uma economia de mercado local, que, mais tarde, voltou-se para o exterior.

Em sintonia, a sociedade e a política passavam por transformações: a aristocracia enriquecia-se, aumentando as desigualdades entre os grupos sociais, levando a descontentamentos, lutas, tiranias. Mais que a tradição, seria a riqueza que determinaria o lugar do indivíduo na escala social. Como decorrência do aumento de importância da aristocracia, substituiu-se a monarquia pela oligarquia (= ''governos de poucos").

A Grécia possuiu mais de cem cidades-estados autônomas e independentes que, de modo geral, se mantiveram oligárquicas ou evoluíram para a democracia. Vamos tratar aqui dos dois exemplos mais importantes das pólis gregas: Esparta (a oligárquica) e Atenas (a democrática).

Esparta

Esparta, ou Lacedemônia, localizava-se na península do Peloponeso, na planície da Lacônia. Foi fundada no século IX a.C., às margens do rio Eurotas, após a união (sinecismo) das três tribos dórias. Embora defendida por um conjunto de montanhas cujos desfiladeiros formavam fortificações naturais e a isolavam das regiões vizinhas, parece ter seguido, até o século VII a.C., uma evolução semelhante à das demais cidades dominadas pelos dórios. Nesse período, Esparta conquistou a região da Messênia, que a circundava, e solidificou seu caráter essencialmente guerreiro, vindo a desenvolver-se de forma peculiar e distinta das demais pólis gregas.

A estrutura social espartana era rígida e dividia-se em:

·     Espartanos ou esparciatas: descendentes dos conquistadores dórios, eram os únicos detentores da cidadania e, portanto, com direitos políticos. Formavam uma classe privilegiada que monopolizava o poder militar e, por decorrência, o político e o religioso.

·     Periecos: eram os habitantes dos arredores da cidade, provavelmente descendentes das populações nativas que se submeteram pacificamente aos dórios. Livres, dedicavam-se ao comércio e ao artesanato, tarefas desprezadas pelos espartanos.

·     Hilotas: eram servos pertencentes ao Estado, prováveis descendentes da população conquistada pelos dórios. Eram cedidos aos espartanos juntamente com a terra na qual trabalhavam e, por constituírem a maioria da população, eram mantidos em obediência pelo terror.

A legislação espartana baseava-se num código de leis atribuído a Licurgo, cuja existência é posta em dúvida pelos historiadores. Essa legislação preservava a sociedade guerreira assegurando aos cidadãos-soldados (espartanos) totais privilégios.

Politicamente, Esparta organizava-se sob uma diarquia, ou seja, uma monarquia composta por dois reis, que tinham funções religiosas e guerreiras. As funções executivas, entretanto, eram exercidas pelo Eforato composto por cinco membros eleitos anualmente, que administravam os negócios públicos e fiscalizavam a vida dos cidadãos.

Havia, ainda, a Gerúsia, composta por 28 membros da aristocracia, com idade superior a sessenta anos, que tinha funções legislativas e de corte suprema e controlava a atividade dos diarcas. Na base das estruturas políticas, encontrava-se a Ápela ou assembleia popular, formada por todos os cidadãos maiores de trinta anos, que tinha a função de votar leis e escolher os gerontes.

Ao contrário de Atenas e de outras pólis gregas, Esparta manteve-se sempre oligárquica, não evoluindo para a democracia. O modo de vida espartano, rigidamente regulamentado, visava perpetuar, de todas as formas, a estrutura social existente. Atendendo a essa disposição, a educação do cidadão espartano era dirigida intensamente para a obediência à autoridade e para a aptidão física, fundamentais a um Estado militarizado. Sob essas condições, a debilidade física era inadmissível e as crianças que apresentassem algum indício de doença ou fraqueza eram sacrificadas ao nascer. As demais ficavam com suas famílias até os sete anos de idade, quando então os meninos eram entregues aos cuidados do Estado.

Aprendendo a viver em duras condições, sob rígida disciplina, obtinham, até os 18 anos, uma férrea educação guerreira. Com essa idade ingressavam no exército, tornando-se hoplitas. Aos trinta anos tornavam-se cidadãos, sendo-lhes permitido casar e ter participação política. Somente aos sessenta anos os espartanos eram desmobilizados do exército, podendo fazer parte da Gerúsia.

De acordo com o culto ao preparo físico, também as moças eram educadas severamente pela família e obrigadas a executar exercícios atléticos.

Atenas

Atenas, situada na Ática, apresenta uma paisagem movimentada, onde colinas e montanhas parcelam pequenas planícies. Cada região recebe uma denominação específica: regiões de planícies férteis chamavam-se Pédium, regiões de montanhas áridas, Diácria, e regiões litorâneas, Parália.

A ocupação inicial da Atica foi realizada pelos aqueus, seguidos posteriormente por eólios e principalmente jônios. Atenas, que havia sido fundada pelos jônios, foi poupada, graças à sua localização — próxima ao mar e cercada por montanhas —, às invasões dóricas do século XII a.C. e ao conhecimento de uma sociedade imposta pelos vencedores.

No final da época homérica, entretanto, também a Ática passou por profundas transformações, desde a desagregação da comunidade gentílica até a formação da sociedade de classes. Foi nesse período, aproximadamente século X a.C., que ocorreu a unificação das células gentílicas em quatro tribos, em torno do centro político-militar-religioso que a acrópole de Atenas representava.

Atenas conservou a monarquia por muito tempo, até que os aristocratas acabaram por solapar o poder do basileu, que foi substituído pelo arcontado — composto por nove arcontes cujos mandatos eram anuais: arconte polemarco (tinha poder militar e de julgar os estrangeiros); arconte epônimo (representava o poder religioso); arcontes thesmothetas (em número de seis, tinham o poder judiciário sobre os thetas e georgóis).

Foi também criado um conselho — o areópago — composto por eupátridas, com função de regular a ação dos arcontes. Estabeleceu-se, assim, o pleno domínio oligárquico.

Nesse período, chamado pós-homérico ou arcaico, a escassez de terras férteis e o aumento populacional impulsionaram algumas cidades — como Corinto, Mégara e, destacadamente, Atenas — a estabelecer colônias com fins comerciais e de povoamento em vários pontos do Mediterrâneo — era o período da segunda diáspora. Durante o transcurso dos séculos VIII, VII e VI a.C., os gregos instalaram entrepostos e colônias, principalmente no sul da península Itálica, em torno do mar Negro chamado, então, de Ponto Euxino — e na Asia Menor.

O comércio entre essas áreas baseava-se nas exportações de azeite, vinho e peças de artesanato gregas e na importação de artigos como trigo, metais preciosos, cobre, ferro e madeira das regiões mediterrânicas. Essa expansão atenuou os problemas agrários internos, enriqueceu cidades e, ao mesmo tempo, expandiu a cultura grega.


Em Atenas, as classes ligadas ao comércio, ao mesmo tempo que adquiriam maior poder econômico, procuravam ampliar seu domínio social e político, fato desencadeador de confrontos e lutas que ajudaram a moldar sua nova estrutura.

Além dos eupátridas, georgóis e thetas (que em boa parte emigraram em expedições colonizadoras), a sociedade ateniense ainda se subdividiria, a partir do século VIII a.C., em:

ü Demiurgos: comerciantes, em geral: georgóis que perderam as terras, thetas que permaneceram na pólis ou artesãos. Foi uma classe intermediária que fez da riqueza um valor que se sobrepôs à tradição.

ü Escravos: prisioneiros de guerra, sem direitos políticos, eram de início numericamente inexpressivos, mas logo se transformaram na base da produção agrária. Em Atenas, atuaram em todos os ofícios, e muitos até chegaram a alcançar a liberdade, embora nunca a cidadania.

A estrutura social ateniense ativou o confronto de interesses e impasses que caracterizaram o período arcaico. De maneira geral, havia rivalidades políticas resultantes da posição socioeconômica dos diversos grupos existentes em Atenas. Os eupátridas, donos das maiores e melhores terras na planície (Pédium), buscavam conservar seus privilégios e o poder. Já os comerciantes, controladores do litoral (Parália), enriquecendo crescentemente, buscavam mudanças a fim de conseguir participação no poder.

Em pior situação estavam os georgóis e os thetas, habitantes da montanha (Diácria), vivendo em péssimas condições, sem direitos políticos. Muitos recorriam a empréstimos para poder cultivar suas terras, visando à sobrevivência. Com isso endividavam-se, ficando sujeitos aos poderosos, o que semeava descontentamento e anseio por mudanças.

Esquematicamente, poderíamos apontar o seguinte quadro sociopolítico, resumindo a latente tensão entre os grupos sociais atenienses:                           

Partido

Classe social

Posição política

Pediano

Eupátridas (oligarquias)

Conservadores

Paraliano ou Litorâneo

Comerciantes (possuem o poder econômico)

Moderados (só queriam pequenas mudanças políticas)

Diacriano ou Montanhês

Thetas e georgóis (endividados)

Radicais populares (lutam por mudanças profundas)

As lutas entre as classes sociais, a instabilidade, o crescimento da pólis e o desenvolvimento do comércio foram fatores que motivaram o surgimento de reformas, feitas por legisladores, que expressavam as divisões no interior da sociedade.

Dentre esses legisladores, destacou-se Drácon, que, em 621 a.C., organizou e registrou por escrito as leis que, até então, baseavam-se na tradição oral e eram conhecidas apenas pelos eupátridas. O código legal de Drácon, entretanto, além de ser extremamente severo, manteve os privilégios sociais e políticos existentes. Assim, mesmo com as leis escritas, as desigualdades continuaram ativando o descontentamento, levando, consequentemente, à ocorrência de choques sociais.

Em 594 a.C., Sólon, outro legislador, deu início a reformas mais ambiciosas. Eliminou as hipotecas por dívidas, libertou os escravizados por elas e dividiu a sociedade censitariamente, ou seja, de acordo com o padrão de renda dos indivíduos. O critério de riqueza passou, então, a determinar privilégios, abrindo espaço para a ascensão política dos ricos demiurgos. Além disso, criou a Bulé, ou Conselho dos Quatrocentos, da qual participavam elementos das quatro tribos em que estava dividida a Ática; a Eclésia, assembleia popular que aprovava as medidas da Bulé; e o Helieu, tribunal de justiça aberto a todos os cidadãos.

As reformas de Sólon desagradaram os aristocratas, que perderam parte de seus privilégios oligárquicos, e o povo, que esperava reformas mais extensas e profundas. A conturbação política que se seguiu à reforma de Sólon permitiu o surgimento dos tiranos, ditadores que usurparam o poder. O primeiro foi Pisístrato, que governou Atenas de 561 a.C. a 527 a.C. e procurou amenizar os confrontos sociais, patrocinando várias obras públicas, gerando emprego a thetas e georgóis descontentes.

Pisístrato foi sucedido por seus filhos Hiparco e Hípias, que não deram seguimento a essas reformas, perdendo o apoio popular e gerando insatisfação. Em 510 a.C., eclode uma revolta, liderada por Clístenes. Finaliza-se a ditadura e inaugura-se a democracia ateniense.

Uma das primeiras medidas de Clístenes foi a redivisão de Atenas em dez tribos, em lugar das quatro anteriores. Dessa forma, foi neutralizada a influência dos eupátridas, eliminando-se o papel político tradicional de genos, tribos e fratrias. Procedendo à reorganização dos órgãos públicos, a Bulé passou a contar com quinhentos membros (cinquenta por tribo), os quais se revezam no governo da pólis; ao colégio de nove arcontes foi acrescentado um secretário (dez membros), um eleito de cada tribo. A Eclésia, assembleia popular composta por seis mil cidadãos de todas as classes, teve seus poderes decisórios ampliados, fiscalizando a atuação das demais instituições políticas e votando as propostas da Bulé.

A Eclésia tinha também o poder de votar o ostracismo — exílio por um período de dez anos — contra todos os que pusessem em perigo a democracia ateniense. O exilado não perdia suas propriedades, que lhe eram restituídas, juntamente com seus direitos civis, ao retornar à cidade.

É importante lembrar que a democracia instituída pelas reformas de Clístenes era um sistema político do qual participavam todos os cidadãos atenienses, adultos, filhos de pai e mãe atenienses. Estes, entretanto, constituíam uma minoria da qual estavam excluídos os estrangeiros (metecos), os escravos e as mulheres.

Clístenes foi denominado o ' 'pai da democracia" e suas reformas trouxeram a estabilidade social que permitiu a expansão econômica ateniense.

Atenas era, assim, o reverso político de Esparta e essa oposição seria marcante na história grega, ficando agrupadas em torno de uma ou de outra as demais cidades-estados gregas. Entretanto, durante o século V a.C., essas diferenças ficariam obscurecidas pelo esforço conjunto contra o avanço dos medo-persas sobre as colônias gregas orientais e, posteriormente, sobre a própria península Balcânica.

Os tempos clássicos (do século V a.C. ao século IV a.C.)

Enquanto Atenas fortalecia sua estrutura democrática, os persas, que já eram senhores de grandes domínios no Oriente, avançaram em direção ao oeste. Sob o comando do imperador Dario l, chegaram à Asia Menor, onde atacaram Mileto, Éfeso e as ilhas de Samos e Lesbos. Após algum tempo de submissão, essas regiões rebelaram-se, e Atenas enviou navios e tropas em seu auxílio. Entretanto, esses esforços foram insuficientes, permitindo que os persas destruíssem Mileto e iniciassem avanço sobre a Grécia. Era o início das Guerras Médicas.


A primeira expedição enviada por Dario I foi desbaratada em Maratona (490 a.C.), numa batalha em que os gregos, apesar da inferioridade numérica, acabaram vitoriosos. Nos anos seguintes, Atenas reforçou sua marinha e as cidades gregas puderam preparar-se para enfrentar os novos ataques persas. Entretanto, quando Xerxes, sucessor de Dario, deu início à segunda investida contra o território grego, esteve muito próximo de estender seu domínio sobre toda a Grécia. Após derrotar um exército espartano comandado por Leônidas, no desfiladeiro das Termópilas, chegou a invadir e incendiar Atenas. Todavia, os persas acabaram por ver malograr seus intentos com a derrota na batalha naval de Salamina. Sem suprimentos ou reforços, o exército de Xerxes recuou para a Asia Menor e foi derrotado na batalha de Plateia (479 a.C.) por forças atenienses e espartanas, sob o comando de Pausânias e Aristides. A luta com os persas, porém, não estava encerrada.

Em meio à guerra, forjou-se a união militar das pólis gregas, denominada Confederação de Delos. Cada cidade-estado deveria contribuir com navios ou dinheiro, a serem depositados na ilha de Delos. Quase todos os Estados gregos do mar Egeu aliaram-se, comandados por Atenas, que tomou definitivamente a ofensiva contra os persas, libertando algumas províncias da Asia Menor e vencendo a decisiva batalha do rio Eurimedon, em 468 a.C.

Finalmente, em 449 a.C., foi assinada a Paz de Calias ou Paz de Címon, pela qual os persas comprometiam-se a abandonar o mar Egeu. O Mediterrâneo oriental ficava, assim, aberto à frota ateniense, que, sem rivais, pôde expandir o comércio e o poderio da cidade, que se encontrava em seu período de maior prosperidade. Paralelamente a isso, as cidades gregas estavam militarmente fortalecidas.

O período compreendido entre os anos 461 a.C. e 429 a.C. é considerado a "idade de ouro" de Atenas, quando a cidade viveu o seu auge econômico, militar, político e cultural. Nesse período, Atenas foi governada por Péricles, e nesses trinta anos tornou-se a cidade mais importante da Grécia, graças às reformas implantadas tanto no nível político, aperfeiçoando-se a democracia, quanto no cultural, produzindo-se obras-primas, até hoje modelos de beleza.

Embora aristocrata de nascença, Péricles deu maior amplitude à democracia ateniense, permitindo o ingresso e a participação política de parcelas da população antes excluídas. Atenienses de baixa renda, envolvidos no trabalho constante para garantir a sobrevivência, não podiam dedicar-se à participação política. Entre as reformas políticas estão a instituição do misthoy, soldo para os integrantes do exército, assim como uma pequena remuneração para as funções e cargos públicos, o que possibilitou maior participação popular. Péricles retirou também diversas outras restrições à cidadania, embora os cidadãos ainda constituíssem uma minoria.

Nessa época, Atenas possuía quarenta mil cidadãos que, somados às suas famílias, completavam um total de 150 mil indivíduos. Os metecos (estrangeiros, filhos de não-nascidos em Atenas) chegavam a cinquenta mil e os escravos perto de 120 mil. Assim, de uma população estimada de 320 mil pessoas, apenas quarenta mil participavam da democracia ateniense.

Péricles empenhou-se também na reconstrução e embelezamento de Atenas. Assim, entre as grandes construções realizadas, destacaram-se o Partenon — templo à deusa Atena —, o Erectéion e novas muralhas defensivas em torno da cidade que crescia.

Com o passar do tempo, o predomínio de Atenas na Confederação de Delos transformou-se em imperialismo: havia interferência ateniense na política e sociedade dos demais aliados. Após pressões, o tesouro de Delos foi transferido para Atenas; quando alguns Estados-membros quiseram se retirar, Atenas obrigou-os a permanecer por meio da força, transformando-os de aliados que eram em Estados que lhe pagavam tributos. Se Péricles era democrata em Atenas, em relação aos outros Estados era imperialista. Em troca dessas imposições, oferecia-lhes proteção contra invasões marítimas e vantagens comerciais.

Assim, o desenvolvimento e a manutenção da democracia ateniense dependia desse imperialismo, do intenso comércio, dos tributos cobrados das outras pólis, além da prata extraída das minas do Láurio. Era com recursos advindos da dominação interna, com a escravidão, e dessa dominação externa, com o imperialismo, que os atenienses ostentavam o status de cidadãos e garantiam o esplendor econômico e cultural do século de ouro.

As demais cidades-estados que haviam permanecido aristocráticas, representadas especialmente por Esparta, opunham-se ao expansionismo ateniense, considerando-o um perigo econômico e político. Assim, organizaram, sob liderança espartana, a sua própria liga — a Confederação do Peloponeso.

Diante desse quadro, qualquer incidente colocaria frente a frente os dois blocos rivais. E foi o que aconteceu.

Em 431 a.C., as duas cidades rivais entraram em conflito frontal devido a uma disputa comercial entre Atenas e Corinto, velha aliada de Esparta. Esta tinha grande poderio terrestre enquanto Atenas dominava os mares. Esparta obteve vantagem logo no início, arrasando os campos da Ática e obrigando seus habitantes a se refugiarem dentro das muralhas atenienses. A superpopulação ajudou a propagar uma epidemia que atingiu, inclusive, Péricles. A partir daí, foi uma guerra de desgaste: durante dez anos, os conflitos se estenderam sem que houvesse vitórias ou derrotas decisivas.


Em 421 a.C. foi assinada a Paz de Nícias, rompida por Atenas sete anos depois, reiniciando as lutas que só se encerraram com a vitória espartana na batalha de Égos Potamos (404 a.C.). Atenas foi obrigada a entregar seus navios, demolir suas fortificações e renunciar ao império.

Iniciou-se o período da hegemonia espartana, com a ascensão dos governos oligárquicos e o fim da democracia ateniense. O sistema democrático até então vigente em Atenas foi substituído por trinta atenienses aristocráticos (governo dos Trinta Tiranos), ocorrendo o mesmo em outras cidades gregas de sistema democrático. O imperialismo e a democracia atenienses, desta forma, sucumbiram juntos, cabendo à Guerra do Peloponeso o papel de desfecho final. Mas o domínio espartano que se iniciou, durou pouco tempo.

A cidade de Tebas, localizada no estreito de Corinto, projetava-se crescentemente como grande potência militar da Grécia, quando se iniciou a hegemonia espartana. Tebas opôs-se a Esparta e, graças à tática militar de dois excelentes generais, Epaminondas e Pelópidas, os tebanos venceram a batalha de Leutras (371 a.C.) e iniciaram sua supremacia, que foi também de curta duração.

Na prática, essas guerras constantes enfraqueceram os gregos, e, a partir de meados do século IV a.C., nenhuma das cidades tinha condições para se sobrepor às outras. Enquanto isso ocorria, a Macedônia — ao norte da Grécia — expandia-se e fortalecia-se, tornando inevitável seu avanço sobre a Grécia.



Roteiro de Estudo - O IMPERIALISMO NA ÁFRICA E NA ÁSIA

 CONTEXTO HISTÓRICO DO IMPERIALISMO

         Processo de expansão colonial promovido pelos Estados europeus industrializados, destacando-se a Grã-Bretanha e a França, no mundo afro-asiático a partir da segunda metade do século XIX.

 SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

         Uso de novas fontes de energia → petróleo e movimento da água para geração de eletricidade.

         Desenvolvimento acelerado dos transportes e das comunicações.

         Formação de grandes oligopólios e do capital financeiro.

 

 

OS INTERESSES DAS POTÊNCIAS IMPERIALISTAS

Objetivos dos países imperialistas:

         Adquirir matéria-prima para a expansão industrial, como o petróleo e o látex.

         Buscar novos mercados consumidores e áreas para investir os capitais excedentes na Europa.

         Conquista de regiões que pudessem absorver a mão de obra excedente na Europa → contenção social.

 

JUSTIFICATIVAS IDEOLÓGICAS DO IMPERIALISMO

         Discurso do imperialismo: a “missão civilizadora” do homem branco, cristão e “civilizado” → assumir o fardo (dever penoso) de levar o desenvolvimento para os demais povos.

         Darwinismo social: uso distorcido da teoria da evolução das espécies, de Charles Darwin → na escala evolutiva, o branco colonizador é a “raça” que evoluiu e atingiu o estágio superior, e sua tarefa é ajudar os povos inferiores a trilharem o mesmo caminho.

 

DESDOBRAMENTOS DO IMPERIALISMO

         Promoveu uma acirrada disputa por mercados entre as nações industrializadas.

         Intensificou o sentimento nacionalista e revanchista entre Estados europeus.

         Contribuiu para a formação de alianças militares entre as principais potências europeias: a “paz armada”.

         Foi decisivo para a configuração de um cenário histórico favorável para a eclosão da Primeira Guerra Mundial.

domingo, 4 de junho de 2023

Texto Base - O Estado Moderno - Absolutismo

 O estado moderno - absolutismo

            O Estado absoluto da Idade Moderna apresentou um caráter ambíguo, refletindo o sentido de transição do período. De um lado, foi um "Estado feudal transformado" com a burocracia. administrativa, formada em grande parte pelos senhores feudais; que mantinham valores e privilégios seculares; e outro, um dinâmico agente mercantil, unificando mercados, eliminando barreiras internas que entravavam o comércio, uniformizando moedas, pesos e leis, além de empreender conquistas de novos mercados.

            Entretanto, nascido da aliança rei-burguesia na Baixa Idade Média, da necessidade socioeconômica e da política da época, acabou se tornando parasitário e aristocrático, necessitando cada vez mais de uma crescente tributação. Em fins da Idade Moderna, o poderio e esplendor dos reis absolutistas opunham-se ao empreendimento burguês, à lucratividade e à capitalização em curso, levando ao processo das revoluções burguesas que, ao derrubar os monarcas absolutistas, inaugurariam o mundo contemporâneo.

 

Teóricos do absolutismo

            No início da Idade Moderna, mudanças culturais expressas pelo Renascimento, que reestruturou a ideologia política europeia permitiram desbancar a supremacia da mentalidade escolástica. Com uma ideologia política livre das amarras da Igreja, puderam surgir teorias justificadoras do Estado absolutista.

            Para Tomás de Aquino, o criador da escolástica, a política possuía um conteúdo ético, estando subordinada a valores ditados pela Igreja. Segundo a concepção tomista, o imperativo da moral, do bem comum e o respeito aos direitos naturais do homem compunham os fundamentos limitadores do poder político.

            Na Idade Moderna, os intelectuais, sobrepujando a mentalidade medieval, criaram uma -ideologia política típica do período, legitimando o absolutismo. Alguns, como Maquiavel, defendiam a teoria de que a política, representada pelo soberano, deveria atender ao "interesse nacional". Outros, como Hobbes, partiam da concepção de um "contrato entre governados e Estado". Vários foram os pensadores que se destacaram na teoria política do período absolutista.

            O mais importante deles foi Nicolau Maquiavel (1469-1527), membro do governo dos Médicis, de Florença. Em suas obras (Mandrágora, Discursos sobre a década de Tito Lívio, O príncipe), expressa revolta quanto à situação da Itália, devastada pela divisão em repúblicas rivais. Aponta como solução para o país o despertar do interesse nacional, abrangente, postura que deveria ser assumida pelo "príncipe", a fim de restaurar a unidade da República italiana.

 

O príncipe, de Maquiavel

"O príncipe atormentou a humanidade durante quatro séculos. E continuará a atormentá-la...". A frase refere-se à obra de Maquiavel que serviu de instrumento teórico a muitos governantes autoritários e totalitários, do século XVI ao século XX: àqueles que fizeram da "razão de Estado" o pretexto para sufocar liberdades individuais de toda a sociedade.

Sobressaem-se em sua obra outras frases, que isoladamente, fora de contexto, têm servido a ditadores diversos: "O triunfo do mais forte é o fato essencial da história humana". "Todos os profetas armados venceram, desarmados arruinaram-se." "Desprezar a arte da guerra é o primeiro passo para a ruína, possuí-la perfeitamente, eis o meio de elevar-se ao poder."

Assim, "Maquiavel — nome próprio universalmente conhecido, que teria de formar um substantivo, 'maquiavelismo', e um adjetivo, 'maquiavélico' — evoca uma época, a Renascença; uma nação, a Itália; uma cidade, Florença; enfim, o próprio homem, o bom funcionário florentino que, na maior ingenuidade, na total ignorância do estranho futuro, trazia o nome de Maquiavel, votado à reputação mais ruidosa e equívoca".

CHEVALIER, Jean-Jacques, As grandes obras políticas — de Maquiavel a nossos dias. Rio de Janeiro, Agir, 1960. p. 48.

 

            Maquiavel, no livro O príncipe, aconselha o soberano florentino a que fique acima das considerações morais, mantendo a autonomia política. Para ele, "os fins justificam os meios" e a razão de Estado deve sobrepor-se a tudo, ou seja, o soberano tudo pode fazer quando busca o bem-estar do país. Quando está em jogo o interesse do Estado — sentencia Maquiavel — até a "força é justa quando necessária".

            Preocupado com o estabelecimento de um Estado forte, Maquiavel defende que a autoridade do príncipe, embora às vezes brutal e calculista, é vital para o seu sucesso e consequentemente para o do Estado. Num posicionamento contrário à concepção tomista, chega a questionar se seria preferível a um príncipe ser amado ou ser temido, e conclui: "Creio que seriam desejáveis ambas as coisas, mas, como é difícil reuni-las, é mais seguro ser temido do que amado".

            Thomas Hobbes (1588-1619), considerado por muitos o teórico que melhor definiu a ideologia absolutista, articulou um sistema lógico e coerente para apresentar a necessidade do Estado despótico. O próprio título de seu livro, Leviatã (nome do monstro fenício do caos), nos dá a ideia do que para ele seria esse Estado: uma grande entidade todo-poderosa que dominaria todos os cidadãos.

            Hobbes justifica o Estado absoluto apontando-o como a superação do "estado de natureza". Para ele, na sociedade primitiva ninguém estava sujeito a leis, tendo tão-somente de satisfazer sua avidez intrínseca pelo poder, pelo interesse próprio. Levando uma "vida solitária, pobre, grosseira, animalizada e breve", todos estavam permanentemente em guerra entre si — o homem era como "um lobo para o homem" (homo homini lupus).

            Numa fase posterior, os homens dotados da razão, do sentimento de autoconservação e de defesa buscam superar esse estado natural de destruição unindo-se para formar uma sociedade civil, mediante um CONTRATO segundo o qual cada um cede seus direitos ao soberano. Dessa forma, renuncia-se a todo direito de liberdade, nocivo à paz, em benefício do Estado.

            Hobbes conclui que a autoridade do Estado deve ser absoluta, a fim de proteger os cidadãos contra a violência e o caos da sociedade primitiva, motivo pelo qual os homens se unem politicamente, organizando-se num Estado absoluto e vivendo felizes tanto quanto permite a condição humana. Hobbes afirma ainda que "é lícito ao rei governar despoticamente, já que o próprio povo lhe deu o poder absoluto".

            Jacques Bossuet (1627-1704), de 1670 a 1679, cuidou da educação do filho do rei francês Luís XIV, escrevendo Memórias para a educação do delfim e Política segundo a Sagrada Escritura, obras em que estabeleceu o princípio do direito divino dos reis, isto é, do poder real emanado de Deus. Segundo Bossuet, a autoridade do rei é sagrada, pois ele age como ministro de Deus na terra, e rebelar-se contra ele é rebelar-se contra Deus.

            A teoria de Bossuet influenciou sobremaneira os reis franceses da dinastia Bourbon, Luís XIV, Luís XV e Luís XVI, dando-lhes subsídios para incorporar a noção de "direito divino" à autoridade real. "Aquele que deu reis aos homens quis que eles fossem respeitados como Seus representantes", afirmava Luís XIV.

            Outro teórico absolutista de destaque foi Jean Bodin (1530-1596), autor de A República, que defendia a ideia da "soberania não partilhada". Para ele, a soberania real não pode sofrer restrições nem submeter-se a ameaças, pois ela emana das leis de Deus, sendo a primeira característica do príncipe soberano ter o poder de legislar sem precisar do consentimento de quem quer que seja. Hugo Grotius (1583-1645), autor de Do direito da paz e da guerra, trata basicamente do direito internacional, mas defende também o governo despótico, o poder ilimitado do Estado, afirmando que sem ele se estabeleceria o caos, a turbulência política.

 

O absolutismo francês

            O início do processo de centralização política na França remonta ao período dos capetíngeos, na Baixa Idade Média, tendo-se acelerado depois da Guerra dos Cem Anos (1337-1453), com a dinastia seguinte, a dos Valois. O apogeu do absolutismo, entretanto, só se configuraria com a dinastia dos Bourbons.

            Na época dos Valois, o cenário político francês foi dominado pelas "guerras de religião", destacadamente durante o século XVI, dificultando a completa centralização política. Burgueses, nobres e populares, uns sob a bandeira protestante e outros sob a católica, disputavam espaços na sociedade e na política, envolvendo os próprios soberanos Valois. Além das questões religiosas, católicos e protestantes discordavam quanto a limitar ou apoiar as prerrogativas do rei e quanto a manter ou conquistar liberdades.

            Durante o governo de Carlos IX (15601574), acirrou-se a luta entre católicos e huguenotes (na França, os protestantes calvinistas). A facção católica liderada pela família Guise, que tinha o apoio de Catarina de Médicis, mãe do rei, e a huguenote dirigida pelos Bourbons colocaram em confronto a nobreza católica defensora dos antigos privilégios feudais e a burguesia mercantil calvinista. O ponto máximo dessa luta foi a Noite de São Bartolomeu — 24 de agosto de 1572 em que foram massacrados milhares de protestantes. Dentre os líderes huguenotes mortos neste massacre estava o Almirante Coligny, que foi decapitado e seu corpo arrastado pelas ruas de Paris.

 

A Noite de São Bartolomeu

“Catarina de Médicis era aristocrática, católica e ambiciosa e os protestantes vinham adquirindo em seu país influência e riqueza cada vez maiores. Seu filho, o rei Carlos IX, tinha, aliás, entre os que o cercavam alguns huguenotes, como o Almirante Gaspar de Coligny, líder dos protestantes.

Catarina promoveu, então, um atentado contra a vida de Coligny, que, entretanto, acabou apenas ferido no braço. A tensão tornou conta de Paris e Catarina conseguiu envolver todo o governo para uma ação definitiva contra Coligny e os protestantes, preparando a Noite de São Bartolomeu. A cidade foi cercada e cerca de três mil huguenotes foram mortos por hordas de católicos. A matança assumiu feições de uma guerra civil”.

 

            Dois anos depois, com a morte de Carlos IX, subiu ao trono seu irmão Henrique III, que governou até 1589. Durante seu governo, o católico Henrique Guise disputou a hegemonia política com o próprio rei Henrique III, que era apoiado pelo protestante Henrique de Navarra Bourbon. Essas disputas — conhecidas como a Guerra dos Três Henriques – terminariam com o assassinato de Henrique Guise e a vitória do protestante Henrique de Navarra, definido como herdeiro e sucessor de Henrique III. Começava a dinastia Bourbon, durante a qual o absolutismo francês alcançaria seu auge.

 

A dinastia Bourbon

            Henrique de Navarra, protestante, teve de enfrentar a oposição dos católicos para ser coroado rei da França. Os conflitos armados estenderam-se por todo o país e Henrique e seus adeptos conseguiram tomar Paris. Contudo, os católicos obtiveram ajuda militar de Felipe II da Espanha, e Henrique teve de abandonar a capital, sofrendo sucessivas derrotas.

            Buscando compor-se com os católicos e conseguir transformar-se no rei dos franceses, Henrique abandonou o protestantismo, proferindo a frase "Paris bem vale uma missa". As portas de Paris foram abertas a Henrique, e ele subiu ao trono da França, em 1589, com o título de Henrique IV, reinando até 1610.

            Em 1598, para encerrar a quase secular divergência religiosa na França, promulgou o Edito de Nantes, que concedia liberdade de culto aos protestantes. Com a pacificação do país, foi possível a consolidação do absolutismo na França.

            Após a morte de Henrique IV, assume o trono francês, aos nove anos de idade, Luís XIII (1 610-1643), ficando a regência com sua mãe, Maria de Médicis. Em 1612, foi convocado, pela última vez até a Revolução Francesa de 1789, o Parlamento — chamado Estados Gerais o que indicaria que os Bourbons, absolutistas por excelência, dispensavam as interferências dos deputados dos Estados Gerais.

            Durante o reinado de Luís XIII, destacou-se a atuação do ministro de Estado, cardeal Richelieu (1624-1642). Buscando enfraquecer a influência política da nobreza, cassou direitos dos que se opunham ao rei, chegando mesmo a atacar seus castelos. De outro lado, possibilitou o acesso da burguesia a cargos da administração pública e, apesar de garantir a liberdade religiosa, perseguiu protestantes, limitando seu poderio.

            No plano internacional, a ação de Richelieu também foi marcante, tornando a França uma das grandes potências europeias da época. Preocupado com o poderio da dinastia Habsburgo, que nos séculos XVI e XVII reinava na Espanha, no Sacro Império, na Holanda e em alguns reinos italianos, Richelieu levou a França a intervir na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Esse conflito começara com disputas religiosas no Sacro Império Romano-Germânico e acabou por desdobrar-se num confronto entre a dinastia dos Habsburgos e a dos Bourbons, que visava à hegemonia política na Europa. Defrontaram-se católicos Habsburgos (Áustria e Espanha) e protestantes da Boêmia, Dinamarca, Suécia, Holanda e principados alemães. A França interveio na guerra lutando contra os católicos a fim de enfraquecer os Habsburgos.

            A guerra terminou em 1648, já no reinado de Luís XIV, com a vitória da França, que impôs aos Habsburgos a Paz de Vestfália. Com a vitória, a França recebia as províncias da Alsácia e Lorena, além dos bispados de Metz, Toul e Verdun.

            O apogeu do absolutismo francês se deu no reinado de Luís XIV (1643-1715) — o Rei Sol que assumiu o trono ainda criança, tendo como ministro o cardeal Mazzarino. Aplicando uma eficiente política centralizadora, Mazzarino eliminou as frondas, associações de nobres e burgueses, opositoras do absolutismo e especialmente revoltadas com os crescentes tributos baixados pelo Estado para recuperar o tesouro público francês, após a Guerra dos Trinta Anos. A vitória de Mazzarino representou o fim da última ameaça à consolidação do absolutismo, e a partir de 1660, quando Luís XIV assumiu pessoalmente o comando político da França, passou a aplicar a sua máxima "L'Etat c'est moi” ("0 Estado sou eu").

            Após a morte de Mazzarino, em 1664, Luís XIV entregou o ministério das finanças a Jean Baptiste Colbert, que desenvolveu a base mercantilista do absolutismo francês. O mercantilismo de Colbert, além de fazer prosperar a burguesia, dotou o governo de recursos que garantiam seu poderio. Promoveu-se, assim, o desenvolvimento das manufaturas e da navegação, além de conquistas territoriais na Asia e América, criando-se companhias de comércio incentivadas pela Coroa.

            Espelhando a grandiosidade econômica e política do Estado, Luís XIV transferiu sua corte (perto de seis mil pessoas) para Versalhes, um grande conjunto arquitetônico construído entre 1661 e 1674, que atraiu as atenções de toda a Europa.

            O século XVII, época de Luís XIV, foi um período de grande efervescência cultural na França, destacando-se importantes pensadores e artistas como Descartes, Pascal, La Fontaine, Racine e Moliàre.

            Na política externa, buscando garantir sua hegemonia territorial, Luís XIV envolveu a França em confrontos militares que abalaram as finanças do Estado. Para solucionar suas dificuldades financeiras, mantinha a política de aumento de impostos, descontentando a burguesia e atraindo críticas e oposição.

            Em 1685, fiel ao seu caráter despótico e fundamento no princípio “um rei, uma lei, uma fé”, Luís XIV reformulou a política religiosa nacional, revogando o Edito de Nantes. A perseguição religiosa desencadeada levou milhares de huguenotes, em geral burgueses, a emigrar, arruinando a economia mercantil e abrindo espaço às primeiras críticas ao regime absolutista.

            A supremacia francesa na Europa começava a se fragmentar, dando lugar à hegemonia inglesa. Esse processo acelerou-se durante os governos de Luís XV (1715-1774) e de Luís XVI (1774-1792), nos quais a asfixia financeira do Estado e da Nação agravou-se, devido aos gastos excessivos da Corte, aos ilimitados impostos sobre a burguesia e a população e aos fracassos militares.

            A Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e a Guerra de Independência dos Estados Unidos (1776-1781) ajudaram a acelerar a decadência do Estado absoluto francês. Na Guerra dos Sete anos, a França enfrentou a Inglaterra disputando o mercado europeu e áreas coloniais; derrotada, perdeu o Canadá e a Índia. Mais tarde, o dispendioso apoio à vitoriosa Guerra de Independência dos Estados Unidos contra a Inglaterra aprofundou as dificuldades econômicas do Estado francês. Assim, após Luís XIV, o absolutismo francês foi perdendo sua força e, pouco a pouco, surgiram as condições para a eclosão da Revolução Francesa de 1789, que demoliria o Antigo Regime na França.

 

A monarquia absoluta na Inglaterra

            O início da centralização política na Inglaterra só ocorreu após as guerras dos Cem Anos (1337-1453) e das Duas Rosas (1455-1485), que arruinaram a nobreza inglesa, possibilitando a ascensão da dinastia Tudor (1485-1603). Foi essa dinastia que, com o apoio da burguesia e do Parlamento, instalou o absolutismo no país.

            Henrique VII (1485-1509), o primeiro governante Tudor, pacificou o país e consolidou o Estado nacional inglês. Mas foi Henrique VIII (1509-1547) que, sujeitando o Parlamento, deu as características absolutistas à monarquia inglesa. Realizou a Reforma protestante na Inglaterra, fundando, com o Ato de Supremacia de 1534, a Igreja anglicana, da qual se tornou a maior autoridade. Seu filho e sucessor, Eduardo VI (15471553), garantiu em seu curto reinado a reforma religiosa, mas sua irmã e sucessora Maria I (1553-1558), casada com o rei católico da Espanha, Felipe II, restabeleceu o catolicismo, perseguindo ferozmente os protestantes ingleses.

            Elizabeth I (1558-1603), outra filha de Henrique VIII, assumiu o trono com a morte de Maria I e retomou a política do pai, consolidando o anglicanismo. Desenvolveu também agressiva política mercantilista, buscando aumentar o poderio da Inglaterra nos mares.

            Em seu reinado, iniciou-se efetivamente a colonização da América do Norte, com a fundação, em 1584, da colônia de Virgínia, por Sir Walter Raleigh. Ao mesmo tempo, como meio de enfraquecer os poderosos impérios espanhol e português, Elizabeth I apoiou a atividade corsária, na qual se destacou Francis Drake, que seria consagrado nobre pela rainha devido aos serviços prestados ao reino.

            Em 1588, Felipe II da Espanha armou uma expedição naval para atacar a Inglaterra e confirmar a hegemonia espanhola em todo o mundo. A chamada Invencível Armada, entretanto, foi destruída pelas forças inglesas, levando à ruína o poderio espanhol, que entrou em acelerada decadência econômica. Portugal, que nessa época estava unido à Espanha, formando a União Ibérica (15801 640), devido a razões sucessórias, sofreu os reflexos dessa ruína.

            Em 1603, encerrou-se a dinastia Tudor com a morte de Elizabeth l, que não deixara herdeiros. Por razões de parentesco, o trono passou para o rei da Escócia, Jaime l, que iniciou a dinastia Stuart.

            Contudo, os Tudors deixavam um país com a autoridade real consolidada, só que em acordo com o Parlamento, especialmente fortalecido com os favorecimentos realizados para com a pequena nobreza e os comerciantes.

            Muitos dos novos grupos emergentes da sociedade inglesa, dinamizada pela política mercantilista, pelo comércio, pelos cercamentos (terras de onde os camponeses foram expulsos, trocando a produção agrícola nos moldes feudais pela produção rural comercial, inicialmente prevalecendo a criação de ovelhas), e até pela pirataria patrocinada pelo próprio Estado, foram elevados aos altos postos governamentais (Conselho Privado, tribunais e outros cargos), iniciando um processo de ampliação de prestígio e busca de maiores espaços políticos no Estado inglês. Não raramente, tais grupos sociais emergentes abraçavam o puritanismo, imbuído de uma visão religiosa e política mais sintonizada com seus anseios.

            Ao contrário, no final do período Tudor, a tradicional aristocracia, muito mais comercial, empreendedora e ciosa de autonomia que a aristocracia feudal do continente, apegava-se fortemente ao anglicanismo e até ao catolicismo desbancado pelo Ato de Supremacia de Henrique VIII. Essas forças sociopolíticas iriam criar sérias turbulências no governo dos Stuarts.

 

Os governantes Stuart

            Jaime I (1603-1625) uniu a Inglaterra à Escócia, sua terra natal, ao mesmo tempo que se aliou aos grandes nobres, desencadeando a insatisfação da burguesia e do Parlamento, que o consideravam estrangeiro. Para garantir-se no trono, Jaime I vendeu inúmeros títulos de nobreza e promoveu a adoção rigorosa do anglicanismo, o que resultou em violentas perseguições a católicos e puritanos calvinistas.

            Muitos puritanos, avessos ao absolutismo anglicano do monarca, dirigiram-se para o Novo Mundo, dando início, de fato, à colonização da América inglesa. Os primeiros embarcaram no navio Mayflower e fundaram Plymouth, a primeira colônia de povoamento puritana da região que seria conhecida como Nova Inglaterra, no nordeste da América do Norte.

            Carlos I (1625-1648), sucessor de Jaime l, tentou reforçar o absolutismo estabelecendo novos impostos sem a aprovação do Parlamento, o que agravou a tensão entre a Coroa e os deputados. Em 1628, o Parlamento sujeitou o rei ao juramento da "Petição dos Direitos" — também chamada de Segunda Carta Magna inglesa —, que garantia a população contra tributos e detenções ilegais. Obtendo em troca a aprovação dos impostos que queria em 1629, Carlos I dissolveu o Parlamento. Reconvocou-o apenas em 1 640, quando necessitou de fundos para conter uma rebelião iniciada na Escócia; mas, diante da insistência dos deputados em limitar os poderes reais, Carlos I tentou dissolvê-lo novamente. Esse confronto desencadeou uma violenta guerra civil na Inglaterra.

 

A guerra civil (1641-1649) e a República puritana (1649-1658)

            As forças inglesas dividiram-se em dois partidos: os Cavaleiros, partidários do rei, que contavam com o apoio dos latifundiários, dos católicos e dos anglicanos; e os Cabeças Redondas, defensores do Parlamento. Liderados por Oliver Cromwell, os Cabeças Redondas derrotaram os Cavaleiros em Naseby, aprisionando e executando o rei e instaurando o regime republicano, denominado Commonwealth.

            A execução de Carlos I marcou um fato inédito na história europeia, pois, pela primeira vez, um monarca foi executado por ordem do Parlamento e não por intrigas palacianas. Ao tomar essa decisão, a sociedade, representada pelo Parlamento, sepultava um princípio político central do Estado moderno: a ideia da origem divina do rei e de sua incontestável autoridade. A guerra civil inglesa fomentou novas ideias, que prenunciavam os acontecimentos do século seguinte, o "Século das Luzes", lançando as bases políticas do mundo contemporâneo.

            Inicialmente, Cromwell governou a Inglaterra com o apoio do Parlamento, composto em sua maioria de puritanos — os calvinistas ingleses. Em 1653, Cromwell dissolveu o Parlamento e impôs uma ditadura pessoal, assumindo o título de Lorde Protetor da República. A ditadura inglesa perdurou até sua morte, em 1658.

            Durante o governo de Cromwell, a Inglaterra foi adquirindo os contornos da potência mundial que se tornaria nos séculos seguintes. Para tanto, priorizou-se o desenvolvimento da indústria naval, lançando-se, a partir de 1650, os Atos de Navegação, decretos que protegiam os mercadores ingleses e suprimiam a participação holandesa no comércio britânico, muito forte até então. Essa situação levou a uma guerra entre Holanda e Inglaterra (16521 654), da qual esta saiu vitoriosa, consolidando sua hegemonia marítima.

            Após a morte de Cromwell (1 658), iniciou-se um período de instabilidade e de lutas internas, até que o Parlamento voltou a reunir-se, decidindo pelo restabelecimento da monarquia, com o retorno da dinastia Stuart.

 

A volta dos Stuart e a Revolução Gloriosa (1688-1689)

            Carlos II (1660-1685), filho de Carlos I e educado na corte de Luís XIV, era simpatizante do catolicismo e tentou restabelecer o absolutismo na Inglaterra. Diante das pretensões do monarca, o Parlamento dividiu-se em dois partidos: Whig, composto de burgueses liberais, adversários dos Stuart e partidários de um governo controlado pelo Parlamento; e Tory, conservadores, absolutistas, pró-Stuart e adeptos do anglicanismo.

            Com a morte de Carlos II, tomou o poder Jaime II, que deu continuidade à política de restauração do absolutismo, sofrendo por isso oposição dos Whigs. Entretanto, em 1 688, um acontecimento desfez toda a base política de Jaime II, fortalecendo decisivamente a oposição e precipitando uma revolução que derrubaria o absolutismo inglês. Depois do casamento com uma esposa protestante, do qual nasceram duas filhas, Jaime II, já idoso, casou-se novamente, dessa vez com uma católica. Em 1688, ocorreu o inesperado nascimento de um herdeiro, um filho católico. Whigs e Tories, contrários à sucessão de um governante católico que seria suspeito de reinstaurar o catolicismo e definitivamente o absolutismo —, aliaram-se contra Jaime II, oferecendo o trono a Guilherme de Orange, protestante, casado com uma das filhas do primeiro casamento de Jaime II e chefe de Estado da Holanda.

            Guilherme III invadiu a Inglaterra, expulsou Jaime II e, vitorioso, jurou o Bill of Rights (Declaração de Direitos), que estabelecia as bases da monarquia parlamentar, ou seja, a superioridade da autoridade do Parlamento sobre a do rei. Determinou-se também a criação de um exército permanente, a garantia da liberdade de imprensa e da liberdade individual, a proteção à propriedade privada e a autonomia de atuação do poder judiciário. Definiu-se ainda que novas taxações teriam de ser aprovadas pelo Parlamento e, segundo o Ato de Tolerância, que haveria liberdade religiosa a todos os protestantes.

            Assim, as decisões tomadas com a Revolução Gloriosa, nome que se deu à queda de Jaime II, firmavam a substituição da monarquia absolutista pela monarquia parlamentar constitucional. Essa Revolução teve, para a Inglaterra, o mesmo papel que, para a França, teve a Revolução Francesa de 1789, no que se refere à derrubada do Estado absoluto e ao surgimento das condições políticas essenciais à burguesia, como a edificação de um Estado burguês, favorável à posterior eclosão da Revolução Industrial.

 

O absolutismo no restante da Europa

            Embora tenha sido a política dominante da Idade Moderna em toda a Europa, o absolutismo apresentou peculiaridades em cada região em que se instaurou.

            Na Prússia parte da Germânia O Estado absolutista formou-se somente a partir do século XVII, com Frederico Guilherme Hohenzollern de Brandemburgo (16401688). Com a Reforma luterana do século anterior, a região se fragmentara em diversos principados, controlados pelos nobres.

            Compondo-se com os senhores locais – junkers – Frederico Guilherme tomou medidas que levaram à criação do Estado nacional prussiano, como a ampliação dos tributos nacionais e do exército e o estímulo ao desenvolvimento comercial e à criação de companhias de comércio.

            Frederico I (1688-1713) continuou o processo de centralização e seu sucessor, Frederico Guilherme I (1 713-1740), fortaleceu o Estado, incentivando a militarização (serviço militar obrigatório) e o serviço público. Frederico II (1740-1786) incentivou o desenvolvimento comercial e manufatureiro, fazendo da Prússia um dos mais importantes Estados da Europa.

            Na Rússia, o grão-ducado de Moscou desenvolveu-se na Baixa Idade Média como um centro aglutinador do Império Russo. Desde então, os príncipes foram estendendo seus domínios, culminando com Ivan, o Grande (1462-1505), que se proclamou czar (= César) de toda a Rússia, ampliando seu domínio até o oceano Glacial Ártico e os montes Urais. Foi nesse período que se construiu a sede governamental, o Kremlin. Com Ivan, o Terrível (1533-1584), a expansão russa fez-se em direção ao sul e ao oriente, ao mesmo tempo que se colonizou a Sibéria.

            Entretanto, foi com Pedro, o Grande (1672-1725) que a Rússia buscou a europeização, através do desenvolvimento econômico e da implantação de instituições típicas do Estado moderno europeu. Instaurou-se um eficiente intervencionismo estatal nos moldes do mercantilismo, desenvolveu-se exército e marinha regulares e modernizados, fez-se a estruturação financeira do Estado, implantando-se uma administração pública eficiente. Promoveu-se também o comércio, atenuando laços feudais e garantindo, inclusive, autonomia às cidades frente aos senhores rurais (boiardos). Como decorrência, também os costumes se ocidentalizaram, com a obrigatoriedade de uso da indumentária europeia e a absorção de alguns hábitos das cortes, como o tabagismo.

            Catarina II (1762-1796) reforçou a política modernizadora e centralizadora de seus antecessores, transformando a Rússia numa importante potência europeia, através de incentivos culturais, como a fundação da Universidade de Moscou e de inúmeras escolas primárias, além da correspondência com importantes pensadores ocidentais

            Na Áustria, Estado agrícola e feudal, o despotismo foi exercido pela dinastia dos Habsburgos, destacando-se Maria Teresa (1740-1780), que organizou um exército nacional, e José II (1780-1790), que buscou centralizar a administração e a cultura, inspirando-se em Estados ocidentais.


Vicentino, Cláudio. História Geral. ed. atual. e ampl.. São Paulo. Scipione, 1997.