terça-feira, 24 de outubro de 2017

O tráfico de pessoas, um desrespeito aos direitos humanos

Jornal do Brasil
Siro Darlan[1]

O tráfico de pessoas é uma prática que viola a dignidade da pessoa humana, ao explorar suas vítimas, submetê-las a condições degradantes de vida e de trabalho e a diferentes formas de violência, como cercear a liberdade e transformar as pessoas em mercadorias. O Brasil é signatário do Protocolo de Palermo, que define o tráfico de pessoas como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração”

O tráfico deve ter por finalidade a exploração sexual, trabalho escravo, remoção de órgãos, mendicância forçada, adoção ilegal de crianças, casamento forçado. Na maioria das vezes as vítimas são mulheres, crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, econômica ou cultural.  

As desigualdades sociais, econômicas e culturais são alguns dos fatores que levam a situação de vulnerabilidade, mas além desses fatos contribuem as discriminações de gênero, raça e classe. Ainda que haja o consentimento da vítima, havendo exploração no destino final, será irrelevante quando o consentimento foi obtido por meio de engado, fraude, abuso de autoridade ou vulnerabilidade. As pessoas precisam ser alertadas sobre a existência dos canais para denunciar e se protegerem porque muitas vezes as pessoas não se identificam como vítimas ou não se consideram exploradas. Acham muitas vezes que a situação por que passaram foi decorrência de uma dívida que tinham que pagar com seu explorador ou por se sentirem responsáveis pelas escolhas erradas que fizeram. 

Geralmente, as vítimas são tratadas como coitadas, inocentes, ignorantes por haverem caído num conto do vigário, e esse constrangimento muitas vezes as impede de denunciar a exploração sofrida. Têm sido muito comum casos de adolescentes que são traficados para serem explorados como atletas de futebol no exterior. 

16/05/2014 às 08h11
        



[1] Siro Darlan Oliveira, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é membro da Associação Juízes para a democracia. - sdarlan@tjrj.jus.br

ONU diz que corrupção ameaça democracia no Brasil

O alto comissário de Direitos Humano da entidade, Zeid Al Husssein destacou as implicações do desvio de verbas para a sociedade

Por Da Redação access_time 11 set 2017, 09h43

O “escândalo” de corrupção no Brasil revela como a prática está profundamente enraizada em “todos os níveis de governo”. O alerta é do alto comissário da ONUpara Direitos Humanos, Zeid Al Hussein, que, em um discurso nesta segunda-feira, aponta como o desvio de recursos públicos ameaça a democracia.

O Brasil foi um dos 40 países citados por Zeid ao abrir os trabalhos do Conselho de Direitos Humanos da ONU por conta de diversas violações. A menção ao Brasil foi feita explicitamente no contexto da corrupção e seus impactos. “A corrupção viola o direito de milhões de pessoas pelo mundo, ao roubar deles o que deveria ser um bem comum e impedindo direitos fundamentais como saúde, educação ou acesso à Justiça”, disse.

Recentes escândalos de corrupção, incluindo sérias alegações com altos funcionários do Brasil e de Honduras, mostram como a corrupção está profundamente enraizada em todos os níveis de governo em muitos países das Américas, muitas vezes ligados ao crime organizado e tráfico de drogas”, afirmou Zeid.

Al Hussein aproveitou  pronunciamento para enumerar problemas causados pelo desvio de verbas  e as implicações para a sociedade, que deveria ser beneficiada com investimentos públicos.

Isso mina as instituições democráticas e promove uma erosão da confiança pública”, alertou. “Progresso para destapar, processar a corrupção em todos os níveis de governo é um passo essencial para garantir respeito pelos direitos dos povos, incluindo a Justiça”, apelou Zeid.


O governo brasileiro, presente na sala do Conselho de Direitos Humanos no momento do discurso, deve dar uma resposta ao discurso nesta terça-feira, quando governos terão a possibilidade de reagir aos comentários do número 1 da ONU para Direitos Humanos. Em fevereiro, ao reassumir o assento no Conselho de Direitos Humanos da ONU, o governo brasileiro fez questão de declarar que suas instituições estão funcionando e que tem como um dos seus objetivos lutar contra a corrupção.


http://veja.abril.com.br/brasil/onu-diz-que-corrupcao-ameaca-democracia-no-brasil/

Brasil é cobrado na ONU por situação dos direitos humanos no país

Alemanha pediu que índios sejam ouvidos e tenham terras protegidas. EUA pedem mais investigação para combater as execuções policiais.

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas pediu, nesta sexta (5), ao Brasil, que adote medidas mais eficazes no combate às violações de direitos humanos. A cada quatro anos e meio, os países têm um compromisso: prestar contas ao mundo sobre a situação dos direitos humanos.
Nesta sexta-feira (5), na ONU, a ministra Luislinda Valois disse que o Brasil reduziu a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho e que o governo está comprometido em combater a intolerância: “Cumpre ao estado brasileiro garantir que o combate ao crime seja conduzido com respeito aos direitos humanos. Neste contexto, o Plano Nacional de Segurança recém-lançado pelo governo e já exitoso desempenha importante papel”.
Mas com o aumento dos homicídios, ataques a comunidades indígenas e rebeliões nos presídios, o Brasil foi cobrado publicamente. A Alemanha pediu que os índios sejam ouvidos e tenham as terras protegidas. Os Estados Unidos recomendaram mais investimento em investigação para combater as execuções policiais. Para a ONG Conectas, desde o último balanço, em 2012, o desrespeito aos direitos aumentou no Brasil.
“O governo brasileiro apresentou uma versão muito positiva da situação de direitos humanos no Brasil quando, na verdade, nós, infelizmente, temos passado por retrocessos na agenda de direitos humanos. Os casos de abusos policiais, seja em mortes pela polícia, execuções sumárias, repressão a protestos, também mostram que a situação não tem melhorado”, destaca Camila Asano, coordenadora política externa da CONECTAS.
Agora, o governo brasileiro vai avaliar as recomendações dos outros países e dizer se concorda ou não com elas. As que forem aceitas se tornam compromissos para os próximos anos. E o país será cobrado por eles.

Edição do dia 05/05/2017 05/05/2017 20h46 - Atualizado em 05/05/2017 20h46

http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/05/brasil-e-cobrado-na-onu-por-situacao-dos-direitos-humanos-no-pais.html

sábado, 21 de outubro de 2017

SEXUALIDADE, GÊNERO E SUAS RELAÇÕES DE PODER

Andrea Gonçalves Praun
Drª em Ciências da Educação
Universidade de Barcelona

Resumo:

O presente artigo de revisão de literatura aborda a questão de gênero como um conceito cuja utilização é relativamente nova, inclusive na psicologia. A partir da explicitação do conceito de gênero, faz a distinção entre as categorias gênero e sexo. Apresenta um breve histórico da origem e da construção desse conceito nas relações sociais. Ressalta a importância do discurso na construção do preconceito e da discriminação relacionados à mulher na sociedade, na família e no trabalho. O reconhecimento da diferença entre sexo e gênero é importante porque representa uma ruptura com os modelos utilizados anteriormente nos estudos científicos, nos quais os estereótipos de masculinidade e feminilidade ressaltavam sempre a primazia do homem sobre a mulher. A introdução da categoria gênero nos discursos é fundamental para que se aceite a igualdade entre homens e mulheres no que diz respeito a direitos políticos, econômicos, sociais, familiares e trabalhistas.

Introdução

Este artigo tem como objetivo abordar conceitos e questões relacionadas ao gênero e sua distinção com relação ao sexo. O artigo está dividido em cinco seções, incluindo as considerações finais. A seção 1, Gênero e Sexualidade, apresentam as definições de gênero e sexo e sua construção e significação social. A seção 2, Histórico da construção de gênero, propõe uma reflexão sobre o preconceito e discriminação da mulher e a importância do movimento feminista para a expressividade da mulher na política, na família e na sociedade. A seção 3, As questões de gênero, é dedicada a mostrar os estudos sobre gênero e a constatação de estereótipos sexuais. A seção 4, A linguagem na construção social do gênero, mostrará a importância do discurso na construção da subjetividade masculina e feminina, a partir do que lhe é dito em suas relações com o outro. As considerações finais apresenta a conclusão deste trabalho.

1. Gênero e sexualidade.

O organismo dos seres vivos apresenta características estruturais e funcionais peculiares e distintivas entre os machos e as fêmeas. Gilbert, Hallet e Elldridge (1994), citados por Nogueira (2001), dizem que para classificar os indivíduos segundo a anatomia humana utiliza-se o termo sexo. Assim, um indivíduo é macho ou fêmea de acordo com os cromossomos expressos em seus órgãos genitais. Stoller (1993), citado por Oliveira e Knöner (2005), porém, procurou provar por meio de suas investigações que as características de gênero não são garantidas pela biologia, uma vez que muitos sujeitos apresentam características femininas ou masculinas em dissonância com sua anatomia. Já a palavra gênero designa, segundo o senso comum, qualquer categoria, classe, grupo ou família que apresente determinadas características comuns. Por exemplo, os filmes podem classificar-se de acordo com suas características em românticos, policiais, comédias, de ação, dramas, etc. Da mesma maneira, existem vários gêneros musicais: rock, samba, clássico, romântico. A palavra gênero, na arte, pode ainda designar estilos distintos: gênero dramático, gênero literário. (OLIVIERA e KNÖNER, 2005). A partir de 1975, porém, o termo gênero passou a ser utilizado nos estudos cujo objetivo era compreender as formas de distinção que as diferenças sexuais induzem em uma sociedade. Assim, gênero passou a constituir uma entidade moral, política e cultural, ou seja, uma construção ideológica, em contraposição a sexo, que se mantém como uma especificidade anatômica. (OLIVIERA e KNÖNER, 2005)

O termo gênero, classificação construída pela sociedade, contribui para exacerbar a distinção entre indivíduos de sexos diferentes. Essa classificação possibilita a construção de significados sociais e culturais que distinguem cada categoria anatômica sexual e que são repassados aos indivíduos desde a infância. (DEZIN, 1995, apud NOGUEIRA, 2001). Assim, o conceito de gênero abrange as “características psicológicas, sociais e culturais que são fortemente associadas com as categorias biológicas de homem e mulher”. (DEAUX, 1985, apud NOGUEIRA, 2001, p. 9). Para Gilbert, Hallet e Elldridge (1994), citados por Nogueira (2001, p.9), “gênero é, portanto, o termo usado no contexto social, podendo ser definido como um esquema para a categorização dos indivíduos (na perspectiva da cognição social) esquema esse que utiliza as diferenças biológicas como base para a designação de diferenças sociais”.

O termo gênero é bastante complexo, o que permite que seja definido e redefinido. Heberle et al. (2006), citando diferentes autores, compreendem gênero como uma categoria distinta da oposição macho/fêmea estabelecida pela biologia, e socialmente construída, que permeia as interações sociais, uma vez que constitui parte da tecitura argumentativa dos sentidos. Essas autoras citam também Günthner (1998), para afirmar que a interação humana constitui um dos meios de construção da realidade social, da transmissão das estruturas sociais relevantes, bem como da construção e da perpetuação das identidades sociais. Louro (1997), citado por Oliveira e Knöner (2005), afirma que o conceito abrangia inicialmente as premissas concernentes às diferenças biológicas. Percebeu-se, porém, que essa forma de considerar o conceito de gênero o tornava limitado, uma vez que as características visíveis não permitiam a ampliação de seu significado, impedindo que fossem incorporadas as demais características. Para Scott (1990), citado por Oliveira e Knöner (2005), o conceito de gênero enfatiza todo um sistema de relações que, embora possa incluir o sexo, não é por ele determinado, nem determina diretamente a sexualidade. Dessa forma, o termo gênero não poderia expandir-se para outros contextos sem abranger um novo significado. (LOURO, 1997, citado por OLIVEIRA e KNÖNER, 2005).

Ao final dos anos 80, esse termo passou a ser utilizado pelo movimento feminista no Brasil. O conceito de gênero surgiu, então, como categoria de análise, em estudos que objetivavam demarcar lugares e distinguir o que é da ordem do masculino e do feminino. A nova concepção possibilitou, também, analisar as diferenças entre pessoas, coisas e situações vivenciadas. A utilização do conceito de gênero proporcionou o afastamento da ideia de determinismo biológico relativa ao sexo. (OLIVEIRA e KNÖNER, 2005). Para Mitchell (1988, citado por OLIVEIRA e KNÖNER, 2005), as sociedades denominam as pessoas de homem e mulher, designando seus atributos respectivamente por masculinidade e feminilidade. O autor reconhece, no entanto, que essas qualidades não são fixas. Cada marca distintiva, porém, é condição da outra, significando que em nenhum momento elas podem ocupar o mesmo lugar. As informações sobre mulheres fazem parte das informações sobre homens, e vice-versa; são interdependentes.

O gênero feminino só se constrói em oposição ao gênero masculino e, nas diferenças, homens e mulheres se constroem juntos. A palavra diferença, porém, não significa necessariamente contradição, luta, conflito ou desigualdade. (LAGO, 1999, citado por OLIVEIRA e KNÖNER, 2005). Portanto, o conceito de gênero implica um conceito de relação, uma vez que o universo das mulheres está inserido no universo dos homens e vice-versa. Dessa forma, o gênero acontece apenas nas relações. Essas relações não implicam desigualdade ou poder. Para Sartori (2004, citado por OLIVEIRA e KNÖNER, 2005), o gênero constitui uma construção social, abordando as relações de poder entre homens e mulheres. Essas relações variam em diferentes sociedades e culturas, e mesmo dentro de uma mesma sociedade. Portanto, não são fixas. Para Martinez (1997), citado por Pereira e Fernandes Filho (2008), o conceito de gênero inclui diversos componentes, como identidade, valores, prestígio, regras, normas, comportamentos, sentimentos, entre outros. As relações de gênero são, portanto, construídas pelas sociedades. Scott (1990, citado por OLIVEIRA e KNÖNER, 2005), afirma que se poderia considerar gênero uma busca da legitimidade institucional para os estudos sobre os movimentos feministas dos anos 80.

2. Histórico da construção de gênero

As guerras mundiais da primeira metade do século XX trouxeram como consequência à escassez da população masculina, que se encontrava no campo de batalha ou fora vitimada em combate. Surgiu, então, a necessidade e a possibilidade de trabalho para as mulheres, ocasionando a configuração de uma nova realidade para elas, sobretudo as nascidas depois da década de 40. Até essa época, as diferenças entre homens e mulheres apresentavam um significado equivocado: a mulher não tinha os mesmos direitos do homem, uma vez que lhe era inferior. (FRAZÃO e ROCHA, s/d). Os movimentos feministas e de emancipação da mulher, surgidos na segunda metade do século passado, tinham como objetivo a igualdade de direitos entre os homens e as mulheres. Entre as causas defendidas por esses movimentos estavam o direito ao voto e à representação política, o acesso à educação e ao mercado de trabalho, a liberdade sexual, a igualdade de oportunidades de trabalho e de salários, a independência. (FRAZÃO e ROCHA, s/d).

No Brasil, a defesa do direito ao voto pelas mulheres começou, em 1910, com a fundação do Partido Republicano Feminino, e terminou em 1932, com a promulgação de decreto do Presidente Getúlio Vargas, estabelecendo o direito de as mulheres votarem e serem votadas. Foram, portanto, 22 anos de manifestações feministas em prol dessa causa. Nas décadas de 60 e 70 do Século XX, com a criação do Movimento Feminista pela Anistia e do Centro da Mulher Brasileira, além do surgimento dos jornais Brasil - Mulher e Nós Mulheres, o foco da atenção do movimento feminista deslocou-se para a redemocratização do Brasil. (OLIVEIRA e KNÖNER, 2005). Surge, dessa forma, uma das mais significativas marcas do movimento feminista: seu caráter político.

O movimento feminista defendia, também, que a diferença entre os sexos não pode oportunizar relações de subordinação da mulher ao homem, nem de opressão da mulher na vida social, profissional ou familiar. As feministas entendem as qualidades ditas masculinas ou femininas como conquistas individuais e não de um ou outro sexo. (OLIVEIRA e KNÖNER, 2005). A partir da eclosão dos movimentos feministas, as mulheres deixaram a posição apagada e de pouca expressão que lhes cabia na sociedade patriarcal para um estágio de maior visibilidade social e mais acentuado progresso pessoal. Embora as mulheres tenham obtido avanços em suas tentativas de emancipação, a atual conjuntura ainda apresenta enormes desafios a essa causa. (THEBAUD, 1991, apud NOGUEIRA, 2001). No ocidente, as mulheres alcançaram um nível educacional superior, porém, ainda recebem salários menores do que os homens têm menor poder social e assumem maiores responsabilidades quanto aos filhos e outros dependentes. Embora algumas mulheres tenham alcançado posições de destaque e de chefia nas suas profissões, o mundo público e o poder institucional ainda mantêm como norma a dominação masculina. Acentua-se, no discurso dominante, a questão da maternidade para justificar a desigualdade. (NOGUEIRA, 2001) Evans (1994), citado por Nogueira (2001), diz que as demandas do feminismo dos anos 80 ainda não foram efetivamente ganhas, embora algumas das formas de opressão feminina já tenham começado a se modificar. O mundo institucional, por exemplo, continua seguindo os padrões tradicionalmente masculinos de vida social. Dessa forma, o feminismo, que já conta com uma história de dois séculos, mais ou menos, ainda precisa ser discutido e considerado em seus avanços e necessidades. “Pode-se considerar que o objetivo principal do feminismo foi e continua a ser a constituição de um espaço verdadeiramente comum aos homens e às mulheres, apelando para as teorias de igualdade.” (COLLIN, 1991, apud NOGUEIRA, 2001, p. 8). Essa necessidade gerou uma grande quantidade de estudos e de debates envolvendo as questões feministas. Muitos aspectos que afetavam de alguma maneira a vida das mulheres foram abordados nesses trabalhos e nos meios acadêmicos. Assim, as mulheres, que durante muitos séculos estiveram ausentes da história da humanidade, passaram a ter visibilidade, o que trouxe como consequência a problematização das questões de gênero e sexo. (NOGUEIRA, 2001)

As diferenças entre homens e mulheres vão além da anatomia de cada organismo, das aparências. Homens e mulheres são diferentes na maneira de ser, embora não sejam desiguais no que concerne a seus direitos. Na busca pela igualdade, porém, frequentemente as mulheres adotam como referencial o modelo social masculino, como se a supressão das diferenças naturais fosse condição para a igualdade de direitos. Assim, a busca pela igualdade de direitos entre homens e mulheres ocasionou a confusão entre igualdade de direitos e igualdade de natureza entre os dois sexos. (FRAZÃO e ROCHA, s/d). A consequência dessa confusão acarretou entre as mulheres a insatisfação, expressa com clareza por Lima Filho (2002, citado por FRAZÃO e ROCHA, s/d): um senso de esterilidade, vazio, desmembramento e traição. Por terem abraçado a jornada heroica masculina, apesar de bem-sucedidas, saíram-se dela exauridas e sofridas, tendo sacrificado seus corpos e suas almas.

Além disso, por pensarem equivocadamente que homens e mulheres possuem uma mesma natureza, buscaram uns nos outros as mesmas características que encontravam em si mesmos. Isso não favoreceu a compreensão mútua nem facilitou a comunicação. Pelo contrário, a supressão ou banalização das diferenças acarretou novas dificuldades e conflitos. (FRAZÃO e ROCHA, s/d). “Quando as diferenças entre feminino e masculino são suprimidas, impedimos a constituição de uma identidade em consonância com a identidade de gênero, o que gera conflitos tanto intrapsíquicos quanto relacionais.” (FRAZÃO e ROCHA, s/d, p. 28). Esses mesmos autores dizem ainda que, quando masculino e feminino são integrados, ampliam-se nossas capacidades e nosso poder. Para Frazão e Rocha (s/d), vivemos em uma sociedade que ainda tende a valorizar os aspectos masculinos em detrimento dos femininos. Na verdade, a integração harmônica de ambos é componente essencial ao processo de desenvolvimento e crescimento, enquanto que a supervalorização dos aspectos masculinos trouxe, para algumas mulheres, implicações psíquicas importantes.

3. As questões de gênero

Temas que se enquadram atualmente nas questões de gênero, como os relacionados às diferenças sexuais, têm sido objeto de estudo da psicologia há quase um século. Questões psicológicas envolvendo raça e sexo estiveram abrigadas historicamente no campo da psicologia diferencial, por causa da dificuldade que esse tipo de variável representava para a perspectiva experimental. Na maioria das explicações psicológicas desse campo, preponderou o pressuposto biológico, considerando naturais as diferenças constitutivas dos seres humanos. (LAGO et al., 2008).

A análise da revista Psychological Abstracts, da década de 70, revela que o aumento do interesse pelos estereótipos, naquela época, se deveu quase inteiramente aos estudos sobre estereótipos sexuais. Essa revista procurou estudar o gênero, investigando os atributos masculinos e femininos da época. Para isso, analisou os tipos de comportamentos que a sociedade esperava encontrar nos homens e mulheres, ou seja, os estereótipos masculinos e femininos. Esses estereótipos ressaltavam as qualidades consideradas masculinas e patologizavam as qualidades femininas, ocasionando efeitos negativos nas mulheres que não se adequavam ao padrão idealizado. Segundo o estereótipo feminino, as mulheres continuavam sendo submissas, reprodutoras e invisíveis na sociedade. (AMÂNCIO, 2001, citado por OLIVEIRA e KNÖNER, 2005).

Amâncio (2001), citado por Oliveira e Knöner (2005), diz também que esses estudos apontam os estereótipos sexuais como um fenômeno generalizado na sociedade americana. Apesar das mudanças obtidas, esses estereótipos ainda permaneciam praticamente inalterados. Os estudos apontavam, também, para os efeitos que os estereótipos causavam na identidade das mulheres, provocando baixa auto-estima, tendência ao insucesso ou ao fracasso. Esses efeitos incluíam, ainda, a patologia, porque o modelo ideal de adulto mentalmente equilibrado era baseado no estereótipo masculino, aos quais as mulheres recorriam para se autodescrever. A tentativa, expressa pelo feminismo, de ultrapassar a opressão feminina, impulsionou estudos sobre as causas das desigualdades sociais baseadas nas diferenças de sexo/gênero, bem como das formas de melhor combater essas desigualdades. Como consequência, diferentes disciplinas sentiram o efeito desses estudos em seu domínio de conhecimento, entre elas a sociologia, a antropologia e a psicologia. (NOGUEIRA, 2001)
Com a constatação da igualdade intelectual entre homem e mulher, buscaram-se novas possibilidades de justificar a divisão sexual do trabalho, na identificação dos temperamentos masculinos e femininos. Associaram-se, então, à mulher características subjetivas, como a afetividade e a docilidade, vinculando-se ao homem a agressividade e a racionalidade. Foi legitimada a distinção entre as duas formas de ser e de agir conforme o sexo biológico. O efeito dos processos de dominação foi tomado, portanto, pela psicologia e pelas demais ciências, como a principal razão para a circunscrição do trabalho da mulher ao universo doméstico e familiar. (LAGO et al., 2008).

Essa perspectiva predominou até metade do século XX. Era utilizada para explicar por que, nos contextos urbanos industrializados, apenas os homens assumiam posições de destaque, cargos de maior responsabilidade poder e status social. No período depois da Segunda Guerra, considerava-se importante a presença feminina no lar para garantir a saúde mental das crianças, num momento histórico em que a ordem social precisava ser restabelecida. O afastamento da mulher em função do trabalho apresentava-se como um problema social capaz de gerar distúrbios psicológicos infantis. (LAGO et al., 2008). Segundo Amâncio (2001, apud LAGO et al., 2008), na década de 60, a psicóloga clínica feminista Betty Friedan publica estudos criticando os mitos da feminilidade da cultura americana no pós-guerra. Para ela, esses mitos haviam sido criados para justificar a submissão da mulher ao isolamento doméstico.

Esses estudos foram amplamente divulgados, servindo de embasamento para outros estudos que se opunham aos estereótipos sexuais. Amâncio ressalta, ainda, que as primeiras menções à categoria gênero surgem na psicologia em estudos publicados na década de 70, abordando as características masculinas e femininas relacionadas ao sexo biológico. Esses estudos foram importantes à medida que representaram a primeira possibilidade de distinção entre sexo e gênero nas pesquisas sobre identidade. (LAGO et al., 2008). Na segunda metade do Século XX, a psicologia foi marcada pelo debate entre essencialização, que considera o gênero um atributo do sujeito, uma propriedade estável da personalidade; e socialização, cujo pressuposto se desloca da biologia para o contexto. A socialização considera o gênero como resultado de processos sociais e culturais.

Destaca-se, nessa época, a teoria do papel social de Alice Eagly, para quem os papéis sociais atuam sobre o comportamento das pessoas, disso resultando as diferenças sexuais. Ao longo de seu desenvolvimento, as crianças se apropriam desses comportamentos. (LAGO et al., 2008). Como a psicologia não é neutra, o conjunto de determinantes sociais, históricos, políticos e filosóficos interfere na formulação de modelos e conceitos da psicologia. Esses determinantes condicionam a importância dos problemas e as interpretações mais adequadas a eles. Dessa forma, a psicologia social, a partir de determinado momento, passou a estudar as mulheres, incorporando-as à ciência. Nogueira (2001) ensina que desde os estudos acerca das diferenças associadas ao sexo de pertença, passando pelas críticas a esses trabalhos, à apresentação de novas teorias (androginia, por exemplo) até à introdução do termo gênero nas pesquisas, toda esta evolução se foi construindo pelo “entrelaçar” de diferentes teorias e perspectivas provenientes, quer das teorias feministas, quer do debate ao nível da construção do conhecimento e da epistemologia positivista característico de todo o período da modernidade. (NOGUEIRA, 2001, p. 9)

A partir das críticas ao determinismo biológico e das críticas feministas do movimento da segunda vaga, na psicologia o conceito de sexo foi substituído pelo conceito de gênero, utilizado atualmente. Essa mudança política tornou-se importante porque deixa de compreender a diferença como determinada biologicamente, e por isso mesmo, imutável, passando a considerá-la do ponto de vista psicossocial e, dessa forma, como algo passível de mudança. (HOLLWAY, 1994, apud NOGUEIRA, 2001). É por meio do gênero que o sujeito se identifica. Dessa forma, a análise do sujeito se faz levando em conta o gênero em que ele está inserido. Para Azeredo (1998) citado por Oliveira e Knönen (2005), na psicologia, utilizar o gênero faz uma grande diferença, porque permite compreender o sujeito a partir da ideia que ele faz de si mesmo, como homem ou mulher. Estudos realizados por médicos e psiquiatras ao final dos anos 60 mostraram que mudar o sexo biológico de um indivíduo era mais fácil do que alterar o sentimento de masculinidade ou feminilidade que esse indivíduo possuía, ou seja, seu sexo psicológico. Os resultados desses estudos revelaram a autonomia da identidade psicológica em relação à anatomia fisiológica, conduzindo, assim, para a emergência do conceito de gênero. (AMÂNCIO, 2001, citado por OLIVEIRA e KNÖNEN, 2995).

4. A linguagem na construção social do gênero.

A ideologia dominante, por meio de seu discurso construído, partilhado e difundido tanto em nível disciplinar como político, consegue manter uma ordem social que perpetua as desigualdades e o sexismo. Assim, é importante considerar a linguagem desse discurso como elemento fundamental da construção da subjetividade masculina e da feminina, e da manutenção das relações sociais e de poder, para que se possa teorizar a respeito da construção social do gênero. (NOGUEIRA, 2001). Percebe-se, por exemplo, que, apesar de a mulher ter ingressado no mercado de trabalho, e das revoltas sociais buscando a igualdade social, continua existindo na sociedade a discriminação sexual da mulher. Para Amâncio (1989), citado por Nogueira (2001), a entrada de mulheres de diferentes classes sociais em diversos setores do mundo do trabalho, embora represente mudanças estruturais, não garantiu mudanças significativas na função feminina no seio da família, nem possibilitou necessariamente uma alteração de seu status social.

Além disso, embora tenham obtido importantes conquistas como resultado dos movimentos feministas, na segunda metade do século XX as mulheres ainda sofriam preconceitos e discriminações. Era comum a mulher ver-se diante do dilema, imposto pelo parceiro, da escolha entre a carreira profissional e o casamento. (FRAZÃO E ROCHA, s/d). O mundo está em constante mudança, e as relações entre homens e mulheres acompanham essa mudança. Daí a necessidade de se estudar as relações de gênero sob o enfoque de novas abordagens, fundamentadas em novas idéias, e a partir de novas perspectivas teóricas. Atualmente, portanto, homens e mulheres veem diante da necessidade de re-configurar de maneiras totalmente novas suas relações, tanto objetiva quanto subjetivamente. (FRAZÃO E ROCHA, s/d)

Segundo diversos autores, a análise do discurso apresenta-se como uma nova perspectiva para a abordagem dos temas relacionados com a psicologia social. Llombart (1995, apud NOGUEIRA, 2001, p. 89), “a análise do discurso permite introduzir de uma forma aberta e explícita a dimensão política, quer na definição e interpretação dos fenômenos estudados quer na forma como são abordados”. Potter e Wetherell (1987, apud NOGUEIRA, 2001) entendem que não se pode considerar a linguagem apenas como um código necessário para a comunicação humana. Ela é muito mais do que isso, um elemento completamente envolvido na elaboração do pensamento e na interpretação da mensagem comunicada. Esses estudiosos afirmam que os autores da análise do discurso ressaltam a importância da linguagem para o estudo dos fenômenos sociais, uma vez que é ela que possibilita de forma penetrante a interação entre os indivíduos, e dela depende a maior parte das atividades humanas. Coulthard (1997, apud NOGUEIRA, 2001, p. 89) afirma, por sua vez, que a linguagem “parece dirigir as percepções dos indivíduos e „faz coisas‟ acontecerem, construindo e criando as interações sociais e os diversos mundos sociais”.

Sobre a linguagem, Parker (1992, apud NOGUEIRA, 2001) considera que os diversos textos sociais têm um papel fundamental na construção da própria vida, sejam eles escritos ou falados, spots publicitários ou comunicações não verbais. A linguagem revela, ainda, as relações de poder, compreendendo-se poder como atributo de quem têm maior valor. As palavras também remetem à posição valorativa do homem ou da mulher. Utiliza-se, por exemplo, a concordância no masculino plural sempre que houver na frase um elemento masculino e um feminino. Termos como pais servem para designar ambos os genitores, ou seja, o pai e a mãe. (OLIVEIRA e KNÖNEN, 2005). Molon (1999), citado por Oliveira e Knönen (2005), concorda com Vygotsky sobre a função de contato social desempenhada pela palavra, que é, ao mesmo tempo, constituinte do comportamento social e da consciência. A identidade pessoal é construída na relação com o outro. Assim, o ser humano social se constrói pela palavra, pelo discurso dos outros. Ele constrói sua subjetividade a partir do que lhe é dito em suas relações com o outro. É a distinção orgânica que define a diferença entre o masculino e o feminino. Mas essa distinção se completa num sistema de relações sociais, dentro de contextos históricos, tendo como elemento fundamental a palavra, pois tudo o que é dito inscreve-se no sujeito.

Considerações finais

O emprego do termo gênero para designar as diferenças entre homens e mulheres é recente. Sua introdução nas pesquisas de diversas áreas, inclusive a psicologia, remonta à segunda metade do século XX, quando eclodiram os movimentos feministas. Desde então, tem sido utilizado distintamente do conceito de sexo. O reconhecimento da diferença de concepção entre sexo e gênero é importante porquanto representa uma ruptura com os modelos utilizados anteriormente nos estudos científicos. Enquanto o estudo se limitava às diferenças anatômicas entre os sexos, os estereótipos de masculinidade e de feminilidade ressaltavam sempre a primazia do homem sobre a mulher, e o caráter eminentemente domiciliar e familiar das funções femininas. A partir do momento em que se reconhece a categoria gênero, ela se torna fundamental para compreender a igualdade entre homens e mulheres no que diz respeito a direitos políticos, econômicos, sociais, familiares, trabalhistas... Há também o reconhecimento do direito de emancipação da mulher na sociedade. No entanto, a simples utilização do termo gênero ainda não é suficiente para explicitar as formas como se constrói em sociedade a dominação masculina, nem as razões que legitimam as diferenças entre o papel social de homens e mulheres. Também não é suficiente para explicitar as razões nem as formas como as relações são construídas, como funciona como se alteram. Por outro lado, a categoria sexo também se mostra incapaz de justificar as diferenças entre homens e mulheres, porque a identidade se constrói a partir dos relacionamentos. As concepções de masculinidade e feminilidade dependem do momento histórico, das leis, das religiões, da organização familiar e política, de diferentes circunstâncias. São esses fatores que levam a sociedade a construir, em determinado momento histórico, a concepção de gênero. As concepções de sexo e de gênero são construídas socialmente nas inter-relações humanas, nas quais a palavra tem importância fundamental. É por meio da palavra que se estabelecem e se mantêm as relações sociais e de poder. No discurso vigente na segunda metade do Século XX ainda prevaleciam à discriminação e o preconceito contra as mulheres. E, atualmente, embora a mulher tenha obtido avanços em suas reivindicações, e tenha inclusive ingressado no mercado de trabalho, continua existindo a discriminação sexual da mulher. Essa discriminação transparece em textos sociais falados e escritos. Daí a importância de se estudar as questões de sexo e de gênero também a partir de novas abordagens e de novas perspectivas teóricas, como a análise do discurso. O gênero é resultado de diferentes aprendizagens que o indivíduo acumula, a partir de suas relações interpessoais, ao longo de suas experiências de vida dentro de um contexto histórico, político e social. É marca que o indivíduo carrega indelevelmente, de tal forma que se torna mais fácil modificar a configuração anatômica (sexo) de alguém do que sua configuração psicológica (gênero).

REFERÊNCIAS
FRAZÃO, Lílian Meyer; ROCHA, Sérgio Lizias C. de O. Gestalt e Gênero. Livro Pleno, s/d.
HEBERLE, Viviane Maria; Ostermann, Ana Cristina; FIGUEIREDO, Débora de Carvalho. Linguagem e gênero no trabalho, na mídia e em outros contextos. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2006.
LAGO, Mara Coelho de Souza; TONELI, Maria Juraci Filgueiras; BEIRAS, Adriano; VAVASSORI, Maria Barreto; MÜLLER, Rita de Cássia Flores. Gênero e pesquisa em psicologia social. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.
NOGUEIRA, Conceição. Um novo olhar sobre as relações sociais de gênero: feminismo e perspectivas críticas na psicologia social. Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
OLIVEIRA, Anay Stela; KNÖNER, Salete Farinon. A construção do conceito de gênero: uma reflexão sob o prisma da psicologia. Trabalho de Conclusão de Curso. Blumenau: FURB, 2005.
PEREIRA, Erik Giuseppe Barbosa; FERNANDES FILHO, José. Ciência e Motricidade humana: um novo espaço para o debate das relações de gênero. Buenos Aires: Revista Digital, ano 13, n. 124, setembro de 2008.
  

Revista Húmus - ISSN: 2236-4358 Jan/Fev/Mar/Abr. 2011. N° 1

Indivíduo e sociedade


DIFERENÇAS ENTRE INDIVÍDUO E SOCIEDADE

A visão dicotômica entre indivíduo e sociedade é fundamental nas Ciências Sociais, e faz parte dos primórdios do desenvolvimento da Sociologia, que surgiu em meio a um crescente processo de industrialização iniciado ainda no século XVIII e que levou ao surgimento de inúmeros problemas sociais no início do século seguinte, quando surgiu a disciplina. Podemos dizer que as transformações ocorreram pela transição de uma realidade rural para um ambiente urbano e industrial. O advento de estruturas sociais mais complexas fez com que os homens se vissem na necessidade de compreendê-las. Brota uma nova ciência que, partindo do instrumental das ciências naturais e exatas, tenta explicar a realidade, estudando sistematicamente o comportamento social dos grupos e as interações humanas. 

Chineses cruzando a rua na cidade de Nanjing. (Foto: Stougard/Wikimedia Commons)

Basicamente buscou-se compreender que todas as relações sociais estão conectadas, formando um todo social, que chamamos de sociedade. A passagem de uma sociedade rural para uma sociedade urbana, com a formação de grandes cidades, abriu novos espaços de sociabilidade, em que conviveram pessoas diferentes e estranhas umas às outras, com objetivos e motivações distintas. Esses novos espaços substituíram os espaços tradicionais de relações. Essa transição é essencial para compreender a sociologia. O rápido processo de urbanização provocou a degradação do espaço urbano anterior, do meio ambiente, e a destruição dos valores tradicionais. As indústrias atraíram as populações rurais para as cidades.

CONCEITOS DE SOCIEDADE

A sociedade, tal como passou a ser compreendida no início do século XIX, pressupunha um grupo relativamente autônomo de pessoas que ocupavam um território comum, sendo, de certa forma, constituintes de uma cultura comum. Além disso, predominava a ideia de que as pessoas compartilhavam uma identidade. As relações sociais, não só referentes às pessoas, mas, inclusive, às instituições (família, escola, religião, política, economia, mídia), moldavam as diversas sociedades. Assim, havendo uma enorme conexão entre essas relações, a mudança em uma acarretaria numa transformação em outra. 

A sociedade é entendida, portanto, como algo dinâmico, em permanente processo de mudança, já que as relações e instituições sociais acabam por dar continuidade à própria vida social. Torna-se claro, ademais, que existe uma profunda e inevitável relação entre os indivíduos e a sociedade. As Ciências Sociais lidaram com essa relação de diferentes modos, ora enfatizando a prevalência da sociedade sobre os indivíduos, ora considerando certa autonomia nas ações individuais. Para o antropólogo Ralph Linton, por exemplo, a sociedade, em vez do indivíduo, é a unidade principal, aquela onde os seres humanos vivem como membros de grupos mais ou menos organizados.

OBJETO DE ESTUDO

A sociologia é o estudo científico da sociedade. Parte de métodos científicos (observação, análise, comparação) e possui objetos de estudo específicos. Traz para o campo das ciências a figura do cientista social. Assim, diferentes de outras ciências, a sociologia tem como parte integrante de seu objeto de estudo o próprio observador. Este, ao mesmo tempo em que observa o fenômeno, sofre influência e influencia seu objeto de estudo. 

Essa realidade leva a uma discussão sobre a objetividade do trabalho científico e sobre a (im)possível neutralidade do cientista social. Fato que não ocorre nas ciências físicas, por exemplo, o homem desempenha um duplo papel nas ciências sociais: é ao mesmo tempo objeto e sujeito do conhecimento. Aquele que desempenha as ações sociais e as interpreta. Por isso se busca tanto a objetividade nos casos estudados.

WEBER X DURKHEIM

Dois dos principais mestres da sociologia clássica compreenderam de maneira diversa a relação entre indivíduos e sociedade.



Índios Pay Tavera, parte da tribo Panambi'y, no Paraguai (Foto: Wikimedia Commons)

Enquanto Emile Durkheim priorizou a sociedade na análise dos fenômenos sociais, considerando-a externa aos indivíduos e determinadora de suas ações, Max Weber entendia ser preponderante o papel dos atores sociais e as suas ações. Weber entendia a sociedade como o conjunto das interações sociais. A “ação social”, objeto de estudo weberiano, toma este significado quando seu sentido é orientado pelo conjunto de pessoas que constituem a sociedade. 


Para Durkheim, os fatos sociais são anteriores e exteriores aos indivíduos, exercendo sobre eles um poder coercitivo que se impõe sobre as vontades individuais. Num sentido oposto, Weber priorizou as ações individuais para compreender a sociedade, considerando-as como um componente universal e particular da vida social, fundamental para se conhecer o funcionamento das sociedades humanas, em que vigoram as interações entre indivíduos e grupos sociais.

http://educacao.globo.com/sociologia/assunto/conflitos-e-vida-em-sociedade/individuo-e-sociedade.html, 21/10/2017, 21:33

AS RELAÇÕES ENTRE INDIVÍDUO E SOCIEDADE SOB O OLHAR DE PIERRE BOURDIEU


Publicado em 27 de February de 2013 por Salete Monteiro


RESUMO

         Este trabalho procura mostrar as influências que sociedade exerce no indivíduo e como esta acaba por legitimar sua ideologia dominante e desta forma, resulta na exclusão dos mais desfavorecidos.

         As vertentes utilizadas, neste estudo, são baseadas nos pressupostos de Pierre Bourdieu, que em sua trajetória desenvolveu teorias que explicitam a complexa relação entre indivíduo e sociedade.

         Outros autores, com a mesma importância de Bourdieu serão utilizados e  estes, compartilham das mesmas ideias dele, descrevendo uma sociedade que determina uma simbologia reprodutiva.

         Assim, preconceitos, discriminações são imputadas nos indivíduos que não conseguem os atributos impostos por esta mesma sociedade dominante.

         Convivência oculta de uma dominação, que causa a falta de percepção de sua influência e que leva seus indivíduos a agirem sem  a percepção de  fazerem o que ela impõe.

As Relações entre Indivíduo e Sociedade

         Pierre Bourdieu foi um dos sociólogos mais marcantes do século XX, com grande reconhecimento mundial. Seus trabalhos são considerados inovadores e possuem influências de autores como Karl Marx, em que seus conceitos são baseados na ideologia econômica dominante que explora o proletariado, usurpando a mais valia (BONNEWITZ, 2003).

         De acordo com Patrice Bonnewitz (2003), Bourdieu herdou de Max Weber o conceito de legitimidade, ao qual os membros da sociedade dominante, reconhecem e aceitam aquilo que são de seu interesse maior e o torna legal, isto é, o processo de funcionamento dessa legitimação faz com que à parte dominada aceite, se una aos dominantes, concordando da mesma opinião sob uma ordem estabelecida.

         De Emile Durkheim, Bonnewitz (2003) escreve que Pierre Bourdieu sofreu influências, com relação a compreensão da sociologia como uma ciência, caracterizando-a em pesquisadora dos fatos sociais e estes desempenham poder coercitivo externo no indivíduo.

         Amparado por estes autores, Bourdieu relacionou o indivíduo com a sociedade. Essa relação não é verdadeiramente dicotômica, pelo fato desse sujeito não ser completamente mecanizado, sem vontade própria. Ele possui autodeterminação na construção de sua visão de mundo, mas esta é operada sob a influência de classes dominantes, fazendo-o agir segundo sua legitimidade, consciente dela ou não (PIOTTO, 2009).

         Essa interação de indivíduo com sociedade e da sociedade com indivíduo, para Bourdieu, gera o senso comum, com valores organizados pela parte dominante, influenciando a realidade vigente, o que resulta numa ideologia aceitável e justa, levando esse sujeito a compreender o mundo em que está inserido, tornando-a imprescindível para sua vida em sociedade (BONNEWITZ, 2003).
         Nesse sentido  autor destaca em seu livro:

"... o sentido das ações mais pessoais e mais "transparentes" não pertencem ao sujeito as realiza, mas ao sistema completo de relações nas quais e pelas quais  elas se realizam (1)".

         O movimento de vai e vem dessas relações entre indivíduo e sociedade, perpassa a uma concepção ilusória de mundo, em que percepções, gestos, ações e falas estão diretamente ligadas com estruturas sociais dominantes, que constroem-na e acabem por alienar esse mesmo indivíduo (NOGUEIRA E NOGUEIRA, 2004).

         Bourdieu nomeia esse movimento de senso comum e precisa haver uma ruptura dele, pois este, não apresenta argumentos científicos que expliquem determinados fenômenos sociais, que são criados e legitimados por categorias pertencentes à sociedade, em que os sujeitos inseridos são capazes de justificarem suas ações, por meio das "boas razões", com significações próprias de sua conduta, o que as tornam incompletas e não totalmente falsas (BONNEWITZ, 2003).

         Essa teoria de classes bourdieusiana é agonística e dialética, por ser seletiva e classificatória, em que seus agentes atuam para ascenderem a uma posição social mais destacável e que corresponda a seus interesses mais profundos adquirindo o prestígio sonhado (MENDES & SEIXAS, 2003).

         Os estudos de Bourdieu oportunizam uma reflexão mais profunda das relações sociais entre o indivíduo e sociedade, captando o real sentido da função ideológica, torna legal e arbitrária um sistema vigente e dominante, impondo implicitamente valores que cumpram seus objetivos maiores, validando e reproduzindo com grandiosidade, as desigualdades (FORTUNATO & STIVAL, 2008).

         A sociedade é analisada, pelo autor francês, sendo um conjunto de campos sociais, com determinada autonomia e grandes lutas de classes, englobando um processo de diferenciação que acaba distinguindo uma classe da outra, tendo como principal objetivo a acumulação de capital que garanta a dominação do campo (BONNEWITZ, 2003).

         Esse processo pode ser visto na citação do autor sobre a análise de Bourdieu:

 "Em termos analíticos, um campo pode ser definido como uma rede ou uma configuração de relações objetivas entre posições. Essas posições são definidas objetivamente em sua existência e nas determinações que elas impõem aos seus ocupantes, agentes ou instituições, por sua situação (situs) atual e potencial na estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder (ou de capital) cuja posse comanda o acesso aos lucros específicos que estão em jogo no campo e, ao mesmo tempo, por suas relações objetivas com as outras posições (dominação, subordinação, homologia, etc). Nas sociedades altamente diferenciadas, o cosmo social é constituído do conjunto destes microcosmos sociais relativamente autônomos, espaços de relações objetivas que são o lugar de uma lógica e de uma necessidade específica e irredutíveis às que regem os outros campos. Por exemplo, o campo artístico, o campo religioso ou o campo econômico obedecem a lógicas diferentes (2)."

            Esse trecho explicita que as relações de força são resultados das lutas entre as classes sociais por maior acumulação de capital, pois assim garantirão a dominação do campo, tornando-se espaço de forças opostas, em que os indivíduos dominantes elaborarão estratégias para resguardar a dominação que possuem e conquistar outras mais, de seus interesses (BONNEWITZ, 2003).

         Para Nogueira e Nogueira(2004), Bourdieu escreve que essas ideologias são olhares distorcidos de uma realidade legitimada por uma classe social dominante, com preocupação em seus interesses específicos, conspirando para as desigualdades entre as classes sociais, o que resulta na exclusão dos indivíduos que fazem parte dela.

         Em seu livro "A Reprodução", escrito com Jean Claude Passeron (2011), Pierre Bourdieu, embasado em Marx, Durkheim e Weber escreve que as relações entre indivíduo e sociedade, são influenciadas polo poder de dominação de um sobre o outro e este poder é apresentado por diferentes formas, seja ela política, econômica, religiosa ou até mesmo escolar.

         Essa ordem social torna visível à imagem da ideologia dominante e seus efeitos, que provocam o reconhecimento dos dominados, resultando na legitimação da dominação, perpetuando o poder como relações de força (BOURDIEU E PASSERON , 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

         Pierre Bourdieu é um contribuinte notório, para o entendimento das relações existentes entre indivíduo e sociedade.

         Uma relação dialética, pois ao mesmo tempo que este indivíduo se deixa influenciar pela sociedade dominante, ele possui livre arbítrio para agir conforme suas próprias vontade.

         Essa interação é somada por uma ideologia dominante, em que engloba grandes lutas entre classes sociais diferenciadas, que acaba na distinção de uma da outra, por meio das relações de poder existentes na realidade vigente de cada uma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BOURDIEU, Pierre, PASSERON. Jean Claude: A reprodução: elementos para um teoria do sistema de ensino. Tradução de Reynaldo Bairão; revisão de Pedro Benjamin Garcia e Ana Maria Baeta. 4 ed. - Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de Pierre Bourdieu. Tradução de Lucy Magalhães - Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
MENDES. José Manoel, SEIXAS. Ana Maria. Escola, desigualdades sociais e democracia: As classes sociais e a questão educativa em Pierre Bourdieu.
www.fpce.up.pt/revistaesc/ESC19/19-4pdf. Disponível em 28/11/2011 às 9h15min.
NOGUEIRA, Maria Alice, NOGUEIRA, Claudio M. Martins. Bourdieu & a Educação, 3 ed. Belo Horizonte, Autêntica, 2009.
PIOTTO. Debora Cristina. A Escola e o sucesso escolar: Algumas reflexões à luz de Pierre Bourdieu.
www.ufsedu.br/portal-repositorio/file/...resumoabstract_debora_piottopdfDisponível em 28/11/2011 às 9h30min.
STIVAL, Maria Cristina Elias Esper., FORTUNATO, sarita Aparecidade Oliveira. Dominação e Reprodução na Escola: Visão de Pierre Bourdieu.
www.pucpr,br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf676-92pdf, Disponível em 28/11/2011 às 10h00.


http://www.webartigos.com/artigos/as-relacoes-entre-individuo-e-sociedade-sob-o-olhar-de-pierre-bourdieu/104550/

A discussão sobre a relação entre os indivíduos e a sociedade


Neste texto, através de Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber, examinaremos as diferentes perspectivas adotadas por esses para analisar o processo de constituição da sociedade e a maneira como os indivíduos se relacionam
Entre os estudiosos que se preocuparam em analisar a relação do indivíduo com a sociedade, destacam-se autores clássicos da Sociologia, como Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber, Nobert Elias e Pierre Bourdieu. Neste texto examinaremos as diferentes perspectivas adotadas por esses assuntos para analisar o processo de constituição da sociedade e a maneira como os indivíduos se relacionavam.

Karl Marx: os indivíduos e as classes sociais

            Para o alemão Karl Marx (1818 — 1883), os indivíduos devem ser analisados de acordo com o contexto de suas condições e situações sociais, já que produzem sua existência em grupo. O homem primitivo, segundo ele, diferenciava-se dos outros animais não apenas pelas características biológicas, mas também por aquilo que realizavam no espaço e na época em que vivia. Caçando, defendendo-se e criando instrumentos, os indivíduos construíram sua história e sua existência de grupo social.
Ainda segundo Marx, o indivíduo isolado só apareceu efetivamente na sociedade de livre concorrência, ou seja, no momento em que as condições históricas criaram os princípios da sociedade capitalista. Tomemos um exemplo simples dessa sociedade. Quando um operário é aceito numa empresa, assina um contrato do qual consta que deve tantas horas por dia e por semana e que tem determinados deveres e direitos, além de um salário mensal. Nesse exemplo, existem dois indivíduos se relacionando: o operário, que vende sua força de trabalho, e o empresário, que compra essa força de trabalho. Aparentemente se trata de um contrato de compra e venda entre iguais. Mas só aparentemente, pois o “vendedor” não escolhe onde nem como vai trabalhar. As condições já estão impostas pelo empresário e pelo meio social.
           
Essa relação entre os dois, no entanto, não é apenas entre indivíduos, mas também entre classes sociais: a operária e a burguesa. Eles só se relacionam, nesse caso, por causa do trabalho: o empresário precisa de força de trabalho do operário e este precisa de salário. As condições que permitem esse relacionamento são definidas pela luta que se estabelece entre as classes, com a intervenção do Estado, por meio das leis, dos tribunais ou da polícia.
           
Essa luta vem se desenvolvendo há mais de duzentos anos em muitos países e nas mais diversas situações, pois empresários e trabalhadores têm interesses opostos. O Estado aparece aí para tentar reduzir o conflito, criando leis que, segundo Marx, normalmente são a favor dos capitalistas.

            O foco da teoria de Marx está, assim, nas classes sociais, embora a questão do indivíduo também esteja presente. Isso fica claro quando Marx afirma que os seres humanos constroem sua história, mas não da maneira que querem, pois existem situações anteriores que condicionam o modo como ocorrem a construção. Para ele, existem condicionantes estruturais que levam o indivíduo, os grupos e as classes para determinados caminhos; mas todos têm capacidade de reagir a esses condicionamentos e até mesmo de transformá-los.

            Marx se interessou por estudar as condições de existência de homens reais na sociedade. O ponto central de sua análise está nas relações estabelecidas em determinada classe e entre as diversas classes que compõem a sociedade. Para ele, só é possível entender as relações dos indivíduos com base nos antagonismos, nas contradições e na complementaridade entre as classes sociais. Assim, de acordo com Marx, a chave para compreender a vida social contemporânea está na luta de classes, que se desenvolve à medida que homens e mulheres procuram satisfazer suas necessidades, “oriundas do estômago ou da fantasia”.

Émile Durkheim: as instituições e o indivíduo

Para o fundados da escola francesa de Sociologia, Émile Durkheim (1858 — 1917), a sociedade sempre prevalece sobre o indivíduo, dispondo de certas regras, normais, costumes e leis que asseguram sua perpetuação. Essas regras e leis independem do indivíduo e pairam acima de todos, formando uma consciência coletiva que dá o sentido de integração entre os membros da sociedade. Elas se solidificam em instituições, que são a base da sociedade e que correspondem, nas palavras de Durkheim, a “toda crença e todo comportamento instituído pela coletividade”.

A família, a escola, o sistema jurídico e o Estado são exemplos de instituições que congregam os elementos essenciais da sociedade, dando-lhes sustentação e permanência. Durkheim dava tanta importância as instituições que definia a sociologia como “a ciência das instituições sociais, de sua gênese e de seu funcionamento”. Para não haver conflito ou desestruturação das instituições e, consequentemente, da sociedade, a transformação dos costumes e normas nunca é feita individualmente, mas vagarosamente através das gerações e gerações.

A família da sociedade está justamente na herança passado por intermédio da educação às gerações futuras. Essas herança são os costumes, as normas e os valores que nossos pais e antepassados deixaram. Condicionando e controlando pelas instituições, cada membro de uma sociedade sabe como deve agir para não desestabilizar a vida comunitária; sabe também que, se não agir de forma estabelecida, será repreendido ou punido, dependendo da falta cometida.

O sistema penal é um bom exemplo dessa prática. Se algum indivíduo comete determinado crime, deve ser julgado pela instituição competente — o sistema judiciário -, que aplica a penalidade correspondente. O condenado é retirado da sociedade e encerrado em uma prisão, onde deve ser reeducado (na maioria das vezes não é isso que acontece) para ser reintegrado ao convívio social.

Diferentemente de Marx, que vê a contradição e o conflito como elementos essenciais da sociedade, Durkheim coloca a ênfase na coesão, integração e manutenção da sociedade. Para ele, o conflito existe basicamente pela anomia, isto é, pela ausência ou insuficiência da normatização das relações sociais, ou por falta de instituições que regulem essas relações. Ele considera o processo de socialização um fato social amplo, que regulamentem essas relações. Ele considera o processo de socialização um fato social amplo, que dissemina as normas e valores gerais da sociedade — fundamentais para a socialização das crianças — e assegura a difusão de ideias que formam um conjunto homogêneo, fazendo com que a comunidade permaneça integrada e se perpetue no tempo.

Max Weber: o indivíduo e a ação social

O alemão Max Weber (1864 — 1920), diferentemente de Durkheim, tem como preocupação central compreender o indivíduo e suas ações. Por que essas pessoas tomam determinadas decisões? Quais são as razões para seus atos? Segundo esse autor, a sociedade existe concretamente, mas não é algo externo e acima das pessoas, e sim o conjunto de ações dos indivíduos relacionando-se reciprocamente. Assim, Weber, partindo do indivíduo e de suas motivações, pretende compreender a sociedade como um todo.

O conceito básico para Weber é o de ação social, entendida como o ato de se comunicar, de se relacionar, tendo alguma orientação quanto às ações dos outros. “Outro”, no caso, pode significar tanto um indivíduo apenas por vários, indeterminados e até desconhecidos. Como o próprio Weber exemplifica, o dinheiro é um elemento de intercâmbio que alguém aceita no processo de troca de qualquer bem e que outro indivíduo utiliza porque sua ação está orientada pela expectativa de que outros tantos, conhecidos ou não, estejam dispostos a também aceita-la como elemento de troca.

Seguindo esse raciocínio, Weber declara que a ação social não é idêntica a uma ação homogênea de muitos indivíduos. Ela dá um exemplo: quando estão caminhando na rua e começa a chover, muitas pessoas abrem seus guarda-chuvas ao mesmo tempo. A ação de cada indivíduo não está orientada pela dos demais, mas sim pela necessidade de proteger-se da chuva.

Weber também diz que a ação social não é idêntica a uma ação influenciada, que ocorre muito frequentemente nos chamados fenômenos de massa. Quando há uma grande aglomeração, quando se reúnem muitos indivíduos por alguma razão, estes agem influenciados por comportamentos grupais, isto é, fazem determinadas coisas porque todos estão fazendo.

Max Weber, ao analisar o modo como os indivíduos agem e levando em conta a maneira como eles orientam suas ações, agrupou as ações individuais em quatro grandes tipos, a saber: ação tradicional, ação efetiva, ação racional com relação a valores e ação racional com relação a fins.

A ação tradicional tem por base um costume arraigado, a tradição familiar ou um hábito. É um tipo de ação que se adota quase que automaticamente, reagindo a estímulos habituais. Expressões como “Eu sempre fiz assim” ou “Lá em casa sempre se faz desse jeito” exemplificam tais ações.

Ação efetiva tem por fundamentalmente os sentimentos de qualquer ordem. O sentido da ação está nela mesmo. Age efetivamente quem satisfaz suas necessidades, seus desejos, sejam eles de alegria, de gozo, de vingança, não importa. O que importa é dar vazão às paixões momentâneas. Age assim aquele indivíduo que diz “Tudo pelo prazer” ou “O principal é viver o momento “.

Ação racional com relação a valores fundamenta-se em convicções, tais como o dever, a dignidade, a beleza, a sabedoria, a piedade ou a transcendência de uma causa, qualquer que seja seu gênero, sem levar em conta as consequências previsíveis. O indivíduo age baseado naquelas convicções e crê que tem certo “mandado” para fazer aquilo. Se as consequências forem boas ou ruins, prejudiciais ou não, isso não importa, pois ele age de acordo com aquilo em que acredita. Age dessa forma o indivíduo que diz: “Eu acredito que a minha missão aqui na Terra é fazer isso” ou “O fundamental é que nossa causa seja vitoriosa”.

A ação racional com relação a afins fundamenta-se numa avaliação da relação entre meios e fins. Nesse tipo de ação, o indivíduo pensa antes de agir em uma situação dada. Age dessa forma o indivíduo que programa, pesa e mede as consequências, e afirma: “se eu fizer isso ou aquilo, pode acontecer tal coisa; então, vamos ver qual é a melhor alternativa” ou “creio que seja melhor conseguir tais elementos para podermos atingir aquele alvo, pois, do contrário, não conseguiremos nada e só gostaremos energia e recursos”.

Para Weber, esses tipos de ação social não existem em estado puro, pois os indivíduos, quando agem no cotidiano, mesclam alguns ou vários tipos de ação social. São os “tipos ideais”, construções teóricas utilizadas pelo sociólogo para analisar a realidade.

Como se pode perceber, para Weber, ao contrário do que defende Durkheim, as normas, os costumes e as regras sociais não são algo extremo ai indivíduo, mas estão internacionalizadas, e, como base no que traz dentro de si, o indivíduo escolhe condutas e comportamentos, dependendo das situações que se lhe apresentam. Assim, as relações sociais consistem na probabilidade que se aja socialmente com determinado sentido, sempre numa perspectiva de reciprocidade por parte dos outros.


https://jornalggn.com.br/noticia/a-discussao-sobre-a-relacao-entre-os-individuos-e-a-sociedade. 21/10/2017, 20:55