terça-feira, 28 de abril de 2020

O dinheiro que não existia reaparece

Nada como um trágico banho de realidade para que alguns dogmatismos passem a ser abandonados, mesmo por aqueles que os defendiam ferrenhamente até anteontem. Antes da eclosão da pandemia do novo coronavírus, 9 entre 10 economistas do financismo e ligados ao Paulo Guedes diziam que o Brasil estava quebrado e o que o governo não tinha recursos para mais nada.
Na verdade, essa narrativa demolidora vinha se impondo desde 2015, quando Dilma Rousseff chamou Joaquim Levy para o comando da economia de seu governo. Ao fazer essa opção, patrocinava um claro estelionato contra os resultados das eleições presidenciais de outubro de 2014. Ali tem início a caminhada rumo à desgraça que nos acompanha até os dias de hoje.
O diagnóstico que prevalecia nos meios de comunicação, nas rodinhas dos dirigentes do sistema financeiro e na alta tecnocracia enclausurada nos órgãos da política econômica em Brasília se aproximava, na verdade, de uma chantagem. Ou fazemos as chamadas “reformas estruturais” ou o Brasil quebra. Logo no início, o combo ainda vinha acompanhado de uma política monetária agressiva, de juros oficiais na estratosfera. Quando combinada com uma política fiscal de cortes e mais cortes nos gastos não-financeiros, o resultado já apontava para a desgraça que veio na sequência desses cinco penosos anos.
Afinal, não nos esqueçamos que vivemos dois anos seguidos (2015 e 2016) de uma recessão pesada, com queda acumulada de quase 7% no PIB. Em seguida, foram três anos (2017 a 2019) com crescimento pífio, os chamados “pibinhos” de Henrique Meirelles e Paulo Guedes. Ou seja, a economia cresceu em média 1,2% ao ano. Se contarmos as opções de redução das despesas em programas governamentais como saúde, previdência social, educação, assistência social e outros, aí então podemos compreender o agravamento da crise social para a maioria da nossa população. O Brasil voltou ao mapa da fome e a miséria cresceu de forma significativa em nossas terras.
A austeridade baseada na falta de recursos
No entanto, tudo era implementado sem aparente controvérsia. O discurso hegemônico esmagava qualquer espaço para o contraditório, para que os economistas não alinhados com a ortodoxia pudéssemos apresentar ao grande público nossas propostas. Em nome de uma neutralidade derivada de um suposto “tecnicismo”, a corrente do financismo deitava e rolava sozinha e sem contraponto. E vieram a reforma trabalhista, a Emenda Constitucional 95 (mais conhecida como PEC do fim do mundo), a reforma trabalhista, a reforma previdenciária, as privatizações e otras cositas más.
Além disso, passaram a ser multiplicados pela grande imprensa as grandes mentiras a respeito da real situação de nossa economia e de nossas contas orçamentárias. Enfim, falácias que operavam como argumento para pressionar o Congresso Nacional a ser mais dócil às propostas apresentadas pelo Executivo, em sua cruzada a favor da destruição do Estado e de desmonte das políticas públicas.
“Se não aprovarmos a Reforma Trabalhista, as empresas quebram. Será o único modo de reduzir o desemprego”.
“Os direitos previstos na Constituição de 1988 não cabem mais no Orçamento da União”.
“Se não for aprovada Reforma da Previdência, o Brasil quebra”.
“O governo não tem mais recursos. A política de corte de gastos em políticas sociais é inevitável”.
Um breve corte para o momento atual e para a gravidade da crise provocada pela covid-19. Pois o fato é que até mesmo os neoliberais mais empedernidos passaram a concordar e a recomendar que a saída para todos nós passa pelo aumento imediato e vigoroso dos gastos públicos. Peraí, mas como assim? Se antes não havia recursos para que fossem desenvolvidas as diretrizes constitucionais, como agora o governo pode voltar a gastar de uma hora para outra? Oh, santa heresia!
Recursos para o financeiro abundam
Pois a verdade é que nunca houve falta de recursos para o desenvolvimento de políticas sociais e mesmo para as necessidades de investimento em áreas essenciais e estratégicas. O principal problema sempre foi a falta de vontade política de utilizar o instrumento da administração pública para levar a cabo esses projetos. E dá-lhe cortar despesas no orçamento na área social, ao passo que seguia leve, livre e solto o gasto com a dimensão financeira – pagamento de juros da dívida pública.
Guedes e seus asseclas não se cansavam de encher a boca para mentir que o governo funciona como a economia doméstica: senão tem receita, paciência, não dá para realizar despesas. Mentira! Está mais do que demonstrado que o governo de um país não funciona como um indivíduo ou uma empresa. Ele tem os meios de gerar recursos. Ele é o responsável e monopolista pela emissão da moeda. Ele centraliza a política cambial e acumula reserva internacionais. Ele arrecada impostos. Ele pode criar dívida pública e antecipar recursos futuros para uso no momento presente.
Nossos dirigentes sempre souberam disso, mas praticam o oposto. Algumas informações aqui, apenas para registro. O mesmo governo que dizia não ter recursos, gastou ao longo dos últimos 12 meses (todos sob a responsabilidade do superministro Paulo Guedes) o valor de R$ 382 bilhões na rubrica financeira, para o pagamento de juros da dívida. Para ser mais exato, desde que o Chicago old boy chegou na Esplanada, em janeiro de 2019, ele promoveu a transferência de R$ 433 bi para o povo do outro lado balcão. O seu financismo querido, universo de onde ele veio e que nunca abandonou – ainda mais nessas horas tão difíceis. Sempre esteve aí o dinheiro que os papagaios de pirata da banca diziam que não existia.
R$ 1,3 trilhão na Conta Única do Tesouro
Os recursos do governo federal são centralizados e administrados pelo Banco Central (BC). Ali estão registrados os valores disponíveis para sua utilização a qualquer momento e para todos os fins. Existe uma rubrica famosa no financês da Esplanada, a conhecida e poderosa Conta Única do Tesouro Nacional junto ao BC. Pois essa conta, ao contrário das inverdades do discurso oficialista, sempre se apresentou de forma trilionária ao longo desse período todo da austeridade assassina. No momento atual, por exemplo, ela apresenta um saldo credor de R$ 1,3 trilhão para uso do governo federal.
Pois agora – oh, grande surpresa! – o dinheiro apareceu. Aqueles mesmos recursos que boa parte dos “especialistas” vociferavam e asseguravam não existir está sendo utilizado pelo governo, em seu tímido programa emergencial para combater a crise da covid-19. O problema é que Paulo Guedes e seu séquito ainda não se convenceram de que sua análise é equivocada. Por mais que a grande maioria dos países já tenham abandonado a austeridade fiscal, por aqui a equipe do Ministério da Economia ainda opera na base da rigidez orçamentária e opõe todo o tipo de dificuldade para fazer o dinheiro chegar na ponta, nas mãos dos mais necessitados.
Comportamento oposto ocorre, aliás, quando se trata de oferecer centenas de bilhões de reais e outras benesses aos grandes bancos privados e demais outras instituições do sistema financeiro. Nesses casos, o dinheiro abunda e as facilidades são amplas, gerais e irrestritas.
Não tem jeito mesmo. A realidade é dura e temos de encontrar alternativas. Enquanto o País contar com Bolsonaro no Planalto e Guedes na Economia, as perspectivas são cada vez mais sombrias. O primeiro acha que tudo não passa de uma gripezinha e faz campanha aberta contra o isolamento, uma vez que o Brasil não pode parar. Já o outro, não se convence de que as vidas de mais de 200 milhões de pessoas são mais importantes do que os lucros dos bancos.

*Paulo Kliass é Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

Pandemia de coronavírus, neoliberalismo e saídas para a crise

O dia em que a terra parou
No ano de 1951, o mundo conheceu um filme magnífico de ficção científica produzido nos EUA, no início da guerra fria. Ele conta a história de um ser de outro planeta – Klattu –, que aterriza em Washington (claro) com seu disco voador e pede para falar com o líder da Terra (claro, o presidente dos EUA). Ele é atacado por um guarda qualquer (de esquina), que o fere e vai preso. Seu ajudante e grande robô chama-se Got. Klattu, de alguma forma, sai da cadeia e encontra-se com um grande físico – uma alusão provável ao Einstein que morava nos EUA nessa época – e pede a ele marcar uma conferência com outros cientistas. Depois disso ele indaga aos o que podería ser feito em termos de demonstração de seu poder extraterrestre para que os seres humanos acreditassem e ouvissem a sua mensagem de paz que ele trazia de seu planeta. Pois bem. No dia seguinte a isso, toda a Terra parou. Literalmente. Tudo que se movia, à eletricidade ou à combustível, parou de funcionar, à exceção, claro, de hospitais e aviões em voo. Foi uma demonstração imensa de poder. Não contarei o final, claro, mas teve uma refilmagem em 2008, que não se compara nem de longe com o filme original em preto e branco.
Por que começo minha reflexão hoje com essa alusão a um filme de 69 anos atrás, que, aliás, marcou muito minha vida? Simples. Porque, de meu ponto de vista pessoal – sou sociólogo e não médico e nem economista – se a Terra literalmente não parar, a pandemia vai matar milhões de pessoas, no Brasil e em todo o mundo. Por uma razão sanitária e médica: não há cura para a doença decorrente do coronavírus, chamada de COVID-19! E por tudo que li e acompanho, a única forma de controla-la é evitar que o vírus se espalhe, que se propague e contamine uma imensa maioria dos povos dos países! E para isso, não há outra saída, senão o confinamento praticamente total, das pessoas em suas casas e lares! Devem funcionar apenas o pessoal que cuida da segurança (polícias e guardas), saúde (hospitais, postos de saúde e farmácias), a área de abastecimento (mercados e padarias) e setor de serviços públicos (geração de energia, fornecimento de água, gás, coleta de lixo, telefonia, Internet etc.). E algum transporte para que os trabalhadores desses setores cheguem aos seus locais de trabalho. Intensa campanha em todos os meios de comunicação devem ser feitas, de forma educativas e preventivas. E deve-se limitar a quantidade de produtos de primeira necessidade que se pode comprar, para não ocorrer desabastecimento.
Um panorama geral no mundo hoje
Independente da epidemia que começou no final de 2019 (hoje há muitas dúvidas se tería sido mesmo na China). Desde essa época, o mundo já vivia uma crise econômica de difícil recuperação. Nunca tivemos tanto capital fictício girando em torno do planeta (estima-se que 300 trilhões de dólares para um PIB mundial de 80 trilhões). O dólar já vinha gradativamente perdendo a sua importância, fruto de acordos bilaterais que muitos países fazem entre si para realizarem seus comércios com suas próprias moedas. No início deste ano, o petróleo teve uma queda brutal, chegando hoje a valores próximos de 20 dólares, praticamente o mesmo de quando ocorreu a primeira crise do petróleo em 1973 (em valores atualizados). 
Aliados a isso, e a própria pandemia, decretada pela OMS – as bolsas iniciam um processo de queda vertiginosa, tendo que realizar em vários locais o chamado circuit bracker, instrumento utilizado para interromper o pregão em função de quedas muito aceleradas em um mesmo dia. No caso da Bolsa de SP, já ocorreram seis dessas interrupções. As perdas acumuladas no Brasil e no mundo já ultrapassam os 40%, maior até do que caiu a bolsa de Nova York entre 1929 e 1932. As taxas de desemprego já vinham seguindo altas e agora devem disparar em todos os países. Não há como não imaginarmos uma retração brutal na economia de todo o planeta.
É exatamente nesse cenário – de pandemia e de crise – que arrisco a dizer que atravessamos uma situação inusitada na história da humanidade: podemos ter que atravessar uma crise muito maior que a de 1929 (já não tenho mais dúvidas que ela é maior que a crise de 2008) e enfrentar ao mesmo tempo uma pandemia muito maior do que a gripe Espanhola (de 1918/1919) ou a Peste Bubônica (ou Negra como dizem os historiadores, cujo auge foi entre 1343-1353, no século XIV; ambas epidemias supõem-se que teríam matado até cem milhões de pessoas em todo o mundo). Ou seja, uma verdadeira hecatombe nuclear que pode parar a economia do planeta e matar mais de cem milhões de pessoas (esses números não são meus mas de muitos especialistas que a calculam com base na disseminação do vírus e seu percentual de letalidade).
Duas visões de como devemos enfrentar essa nova peste
Já está mais do que claro para todo mundo que gosta de ler (e não de assistir TV), que o mundo está presenciando duas visões absolutamente distintas de como enfrentar essa nova peste mundial (decorrente da nova mutação do vírus da família Corona, conhecida desde a década de 1960). Ainda que sua letalidade seja aparentando baixa (3 a 6%), se aplicarmos índices baixos em populações infectadas que podem chegar a casa de milhões ou mesmo mais que um bilhão, o número de mortos começa a parecer assustador.
Como já dissemos, a doença não tem cura e nem mesmo um tratamento adequado. Nossos organismos produzem anticorpos que matam esse novo vírus dentro de um determinado período – 12 a 15 dias. Ocorre que nem todo mundo consegue produzir esses anticorpos em tempo hábil para escapar das infecções oportunistas, em especial nos pulmões. Aí, o vírus – que entra pelas narinas e olhos e vem de gotículas de pessoas infectadas ou de superfícies que tocamos o tempo todo – fica um pequeno tempo na garganta e depois vai aos pulmões, acarretado uma pneumonia violenta que é preciso internar o paciente e justamente em leito de UTI, onde estão sempre disponíveis aparelhos que ventilam os pulmões artificialmente, dando chance para o paciente resistir mais algum tempo e vencer a guerra contra o vírus. Mas, mesmo com a adoção de alguns medicamentos paliativos – não há nenhum ainda seguro de que cure e menos ainda vacinas que devem demorar até um ano para chegar ao mundo – alguns pacientes morrem (asfixiados). Ou morrem simplesmente porque os hospitais onde são atendidos já não dispõe desses equipamentos vitais para salvar vidas.
Nesse cenário, a esmagadora maioria dos especialistas, infectologistas, sanitaristas, a Organização Mundial da Saúde, mais de 160 países da Terra, orientam de forma inequívoca que é preciso modificar a curva de infectados, deixando em níveis abaixo da linha limite que pode suportar nossos serviços de saúde, públicos ou privados (na maioria dos países não existe um sistema público de saúde como o nosso SUS). E, para que essa curva seja achatada e alongada, só há uma forma: evitar novos contágios, contendo a propagação do vírus. Assim, a recomendação de restrições profundas de circulação de pessoas e seu total isolamento em suas casas na forma de “quarentena” voluntária é a melhor forma para debelarmos a doença.
Pois bem. Liderado pelos EUA, governado pelo direitista e sionista cristão Donald Trump, logo no início não se deu a devida atenção ao problema. Esse descaso foi adotado pelo nosso país, governado por um serviçal dos EUA. Com um discurso de que a economia não pode parar, pois isso prejudicaría ainda mais a população, acarretaria desemprego, esses governantes têm evitado e até criticado quem recomenda confinamentos dentro de nossas próprias casas, bem como criticam o fechamento de escolas e comércio em geral. O exemplo de Trump, guardadas as proporções, foi seguido por Bolsonaro aqui em nosso país, pelo Boris Johnson na Inglaterra e Narendra Modi na Índia (ainda que estes dois últimos também tenham recomendado algumas formas de restrição de circulação). 
Pode-se dizer que essa gente tem uma concepção malthusiana de sociedade, onde não importa que morram alguns milhões, mas o importante é salvar a economia da catástrofe financeira que se avizinha. Como talvez a maioria saiba, Thomas Malthus (1766-1834), inglês, foi o fundador da demografia moderna. É dele a famosa assertiva de que a população do planeta cresce em escala geométrica e os alimentos e outros recursos crescem em escala aritmética. De alguma forma, ele defendia o controle da natalidade. Pestes e guerras sempre fizeram isso. Não por acaso, vários empresários “nacionais” fizeram declarações eugênicas e de apoio ao extermínio (abate humano claro). Quem quiser pode ver e estudar a pandemia mundial em um gráfico da Universidade John Hopkins, das mais conceituadas do mundo neste endereço: https://bit.ly/2WMzFKH. Este outro endereço, apesar de menos famoso e visualmente diferente, tem dados um pouquinho mais atualizados: https://bit.ly/39oyTq2. Ambos fornecem dados instantâneos, atualizados minuto a minuto (no momento que escrevo este artigo, às 14h26 do dia 26 de março de 2020, já são 510.528 casos diagnosticados e 22.328 mortes em mais de cem países da Terra).
Em Sociologia, chamamos essa corrente de pensamento de “darwinista social”. Ela surge no final do século XIX, após a publicação do livro Origem das Espécies de Charles Darwin em 1859. Muito erroneamente atribuída a Herbert Spencer, que jamais foi darwinista social, essa corrente distorcia o que Darwin disse sobre a evolução. Eles alegam que ele tería dito que apenas o mais forte sobrevive na natureza e aplicam essa “teoria” às sociedades. Um verdadeiro absurdo. O que Darwin disse sobre isso é que “não sobrevivem as espécies mais fortes ou as mais inteligentes, mas as que melhor respondem às mudanças” (que R. Dawkins prefere chamar de mutações em seu magistral O maior espetáculo da terra: as evidências da evolução entre outras obras suas). Esse pensamento prosperou um pouco no começo do século XX com o surgimento da eugenia, que defendia a “purificação” da raça branca. Nunca é demais lembrar o que o famoso Clube de Bildenberg que muita gente acha que é teoria da conspiração, fundado em 1954, além de promover o que eles chamam de “atlanticismo”, defende sim a despopulação da terra. Por essa linha de atuação, nada de confinamento, nada de parada geral da economia, que deve estar acima da vida das pessoas. 
A segunda forma de governos atuarem no combate à epidemia, pode-se dizer que tem como diretriz que o mais importante é salvarem vidas, ainda que isso possa prejudicar a economia, estagná-la. Isso seguramente ocorrerá pelo isolamento e quarentena que mais de dois bilhões de pessoas estão submetidas hoje na Terra e de forma voluntária (ainda não tem sido preciso usar da força para isso). Os países que se destacam nisso é a grande República Popular da China – que conteve a epidemia, mas também países capitalistas centrais como Alemanha, França, Itália, Coreia do Sul entre outros.
É possível afirmarmos que o modelo neoliberal está ferido de morte?
Com esse confinamento a que estou submetido, leia mais vorazmente do que já lia. Nos últimos dias li em torno de 10 artigos de vários autores que se destacam que quero mencionar aqui (links onde eles podem ser encontrados estarão abaixo ao final do artigo). 
Jonathan Cook, conceituado jornalista e escritor inglês nos diz “tudo que nos ensinaram nos últimos 40 anos que a sociedade capitalista era a melhor forma de nos organizarmos estava errada”. Ou seja o tatcherismo ou reganismo como preferem alguns, que vigora no mundo todo e atende pelo carinhoso nome de “neoliberalismo” faliu. Não há outra interpretação para o que ele nos diz.
Tudo que disseram nesses anos todos que o “estado tería que ser mínimo”, que não se pode ter déficit fiscal e que jamais se podería gastar mais do que se arrecada e que o superávit primário deve ser intocável, porque ele paga os juros da dívida interna (ao final veremos sobre isso). Agora a máscara desses economistas neoliberais cai totalmente. Estão defendendo abertamente que o velho e bom estado nacional westfaliano seja utilizado para debelar ou minimizar a crise e o sofrimento das pessoas. Comentaristas de redes de TVs – as maiores propagadoras de inverdades na economia – falam sem prurido algum que “o governo tem mesmo é que gastar mais, mesmo sem ter recursos... se necessário, imprima-se dinheiro”, dizem eles descaradamente, sem sequer ficarem corados de vergonha. A nós, que passamos esses mesmos 40 anos combatendo esse sistema de capitalismo financeiro – seu verdadeiro nome – só temos que achar graça. 
Aqui ouve-se bobagens também do tipo: “estamos todos no mesmo barco”. Nada disso. Não estamos. O barquinho do povo e dos mais desfavorecidos é uma simples canoa de rio enquanto os ricos viajam de transatlântico ou em seus próprios iates particulares. Agora há uma verdade que precisamos dizer: ou nadamos todos jutos, no sentido de nos unirmos para superar o problema, ou, de fato, afundaremos todos juntos morrendo afogado. Aqui registro um comentário pessoal: incrível que foi preciso um vírus para ter conseguido colocar em cheque todo o arcabouço em que se apoia esse modelo de financeirização do capital (como prefere chamar o francês Alain Chesnais em seu magistral La financeirización du capital). 
O que presenciaremos mais uma vez? Uma verdadeira romaria de banqueiros e industriais pedindo socorro aos governos (e aos tesouros centrais) e a bancos de desenvolvimento. Pedirão dinheiro não a juros baixos, mas a fundo perdido. Doação mesmo. Mas, temos visto que desta vez as coisas acontecem de forma diferente. Não que os governos não sairão em socorro dos empresários. Sairão, claro. Mas, não dá para virar as costas para os trabalhadores e a parcela mais pobre da população, os que vivem na informalidade. Tanto que em 2008, na gestão de Bush Filho nos EUA o pacote de ajuda aprovado foi de 800 bilhões de dólares (o Citibank e a General Motors foram literalmente estatizados, já que o tesouro dos EUA comprou a maioria das ações dessas empresas). Agora, o senado dos EUA, a pedido de Donald Trump – que sabe que está com o risco de não ser reeleito – acabou de aprovar um pacote de ajuda de dois trilhões de dólares, praticamente o PIB do nosso pais (dez trilhões de reais). Nesse pacote está uma concessão de uma espécie de “bolsa família” para as pessoas mais pobres e trabalhadores no valor de mil dólares ou equivalente em nossa moeda a cinco mil reais. É muito dinheiro. Aqui e lá. Esse é um valor próximo ao salário mínimo estadunidense. 
O inglês David Harvey, talvez o mais conceituado geógrafo marxista na atualidade, nos diz que esse modelo capitalista atual vive cada dia mais da expansão da oferta de crédito e da criação de dívidas pelas pessoas. Mas, se estas não têm renda para arcar com as dívidas, tornam-se inadimplentes e viram páreas na sociedade. Ainda segundo ele, o mundo foi pego de surpresa com essa pandemia e pegou os sistemas de saúde em situação muito precária. Sem recursos, sem equipamentos e sem o número de pessoal habilitado necessário. E por ironia do destino, a Inglaterra é hoje governada pelo mesmo Partido Conservador que venceu em 1979 com Margareth Thatcher, iniciando um processo selvagem de privatizações do patrimônio público. Aquele que talvez fosse o melhor serviço de saúde pública de toda a Europa, foi sucateado, quase que privatizado, sendo que muitos dos seus serviços foram terceirizados. E hoje estão tendo que atender a um contingente imenso de doentes muito acima das suas condições. 
Quando dissemos acima que não existe cura para essa doença ainda, devemos nos lembrar de como atuam as Big Pharma, modo como alguns economistas chamam a grande e paquidérmica indústria farmacêutica. Hoje ela fatura no mundo mais que a indústria do petróleo! As empresas farmacêuticas jamais investiram em pesquisas sobre prevenção de doenças ou em pesquisas sobre doenças infecciosas. Eles querem mesmo é a “cura”, de forma a comercializarem um fármaco (o bendito remédio) que lhes rendam bilhões de dólares. Por isso, quanto mais nós nos adoecemos mais essa gente enriquece. Não por acaso Trump tentou comprar os pesquisadores alemães, subornando-os com um bilhão de dólares, para a produção de uma vacina que sería usada apenas pelos estadunidenses. Sim, essa gente é capaz disso. Felizmente, a Alemanha recusou a “oferta”.
Se medíssemos uma pessoa pelo que ela recebe, seu valor, então isso significaria que os CEO das grandes corporações seríam as “melhores pessoas” de uma sociedade, pois são os que mais ganham, além dos artistas e jogadores de futebol. Mas não, como nos diz Jonathan Cook. As melhores pessoas, as que deveriam ganhar mais são exatamente os profissionais da saúde que, neste momento, doam suas vidas para salvar as nossas. Que sociedade de valores invertidos em que vivemos. Será que passando essa imensa crise isso será modificado?
Tudo isso nos remete a uma pergunta que tenho feito nas minhas redes sociais: esse modelo quarentão, chamado neoliberal, de capitalismo financeiro, que produz “riqueza” sem passar pela produção de mercadorias, está com seus dias contados? Ele foi ferido de morte? Aqui ainda não formei uma opinião. Inicialmente, tenho certeza de que tudo não será mais como antes. Mas não tenho convicção que a economia-cassino, a ciranda financeira, será interrompida e que todo o dinheiro aplicado em papeis especulativos voltará rapidamente para o processo produtivo, gerando milhões de emprego e retornando o sistema capitalista como um sistema produtivo, ainda que explorador e mesmo assim com seus dias contados. 
Antes de passar à parte final de artigo, recolho de meu colega italiano, Domenico di Mais (autor do famoso Ócio criativo), uma passagem interessante. Ele cita o conceituado livro de Albert Camus, A peste (La plague, de 1947, que estou relendo inclusive). O livro defende a ciência, ao contrário de muitos hoje em dia, criacionistas e terraplanistas. O protagonista principal é um médico, Dr. Bernard Rioux, que faz de tudo para ajudar e atender as pessoas, como os da atualidade. Mas, ao final o autor menciona: “a peste pode vir e ir embora, sem que o coração das pessoas seja modificado”. É tudo que eu espero que não aconteça. 
Propostas para sairmos da crise no Brasil
Sou plenamente favorável ao isolamento, confinamento, quarentena ou seja lá o nome que queiram dar à orientação de que só temos como debelar essa pandemia permanecendo em nossas casas até que passe a fase mais aguda da contaminação. Ocorre que essa parada geral das pessoas para que fiquem em casa – bancos, comércio, indústria e serviços – vai acarretar uma completa estagnação da economia. 
Mas tem que ser assim. Não tem outro jeito. A vida das pessoas tem que estar acima do lucro e da acumulação de dinheiro. Mas, como fazer isso? Como empresários, especialmente pequenos e médios, conseguiriam arcar com todos os seus custos mensais – aluguéis, funcionários, luz, água, gás, telefone, Internet, impostos? Simplesmente não conseguiriam. Com as portas fechadas e sem faturamento isso é impossível. Ninguém tem capital de giro para aguentar dias, semanas que quiçá meses para sobreviver. Isso poderá acarretar demissões aos milhões e grande sofrimento para nosso povo. Por isso, não basta a um governo recomendar que as pessoas fiquem em casa. É preciso adotar medidas duras, mas que podem minimizar o sacrifício geral e evitar milhões de mortes. Aqui, mais uma vez, entra em cena o velho e bom estado nacional
De meu modesto ponto de vista, pelo menos as seguintes medidas precisaríam ser adotadas de imediato:
1. Suspensão de todos os vencimentos de boletos, impostos, encargos, cartões de crédito (e seus famigerados juros de 250% ao ano!), sem limite de data – até que a pandemia dê sinais que vai arrefecer, sendo os valores pactuados e colocados para pagamento posterior;
2. Suspender todos os pagamentos de todos os tipos de alugueis de todos os estabelecimentos empresariais e residenciais (governo tería que arcar com parte desses valores pelo menos para proprietários de imóveis que sirvam como renda familiar);
3. Suspender os pagamentos de todas as contas dos serviços públicos (água, luz, gás, lixo, telefone, Internet etc.), sem data para retornar e sem que elas sejam interrompidas em seu fornecimento – e ao retornar, não cobrar os atrasados; dure o tempo que durar (sem renda ou com renda diminuída, não tería como as pessoas e famílias arcarem com os custos retroativos, que devería ficar a cargo do governo, que garantiria o funcionamento das empresas que fornecem esses serviços, subsidiando-as);
4. Todos os/as trabalhadores registrados (CLT e servidores públicos), passam a ser assumidos como folha de pagamento geral da União, sem exceção (alguns países adotaram 100% ou 80% do valor bruto dos salários nominais) e terão estabilidade no emprego;
5. Fornecimento de uma renda básica cidadão (ideia genial que tomo de meu amigo Célio Turino) para todos os/as cidadãs, sejam trabalhadores autônomos ou formais, com valor de pelo menos um salário mínimo nacional;
6. Pagamento a todos os pequenos e médios empresários de uma ajuda mensal pró-labore, no mesmo valor da referência da contribuição básica que ele recolhe ao INSS, bem como abertura de linhas de créditos sem juros e a longo prazo para a retomada de seus negócios;
7. Suspensão de atividades de todos os bancos e em especial, a Bolsa de Valores (que sentido negociar ações quando a economia parou?).
Essas são ideias gerais que venho pensando. No entanto, a pergunta que vem imediato é a seguinte: com que dinheiro o governo iria fazer tudo isso? Só vejo uma saída – sem causar inflação, pois imprimir dinheiro não sería a solução: suspenção imediatamente do pagamento dos juros, serviços e encargos da dívida pública no Brasil! (alguns autores que li defendem sim a impressão de mais dinheiro pelo Banco Central, mas esse é outro debate). 
O Brasil paga de juros todos os anos (estimativas, pois esses números nunca são precisos) – dívidas municipais, estaduais e da União – em torno de um trilhão de reais (sem que a dívida jamais diminua). Esse dinheiro – é sabido há tempos – vai para as 10 mil famílias mais ricas da burguesia brasileira que detém mais de 80% dos títulos do tesouro nacional. Qual o sentido de continuar carreando quase três bilhões de reais todos os dias para essa gente que integra o 0,5% mais rica da Nação? Não faz nenhum sentido! Eles terão que se sacrificar para que contenhamos a doença sem penalizar os pobres, sem demitir trabalhadores/as. 
Qual a outra saída? Há uma antiga proposta e nunca concretizada em nosso país, em especial nos 13 anos que o Brasil teve governos populares (2003 a 2015), que é a taxação das grandes fortunas, como ocorre em todo o mundo capitalista. E esse (des)governo de turno em nosso país – além de um pacote falso, mentiroso de "liberação" de 150 bilhões de reais (US$30 bilhões de dólares, enquanto os EUA liberaram dois trilhões de dólares, e a França e a Inglaterra liberaram equivalente a um trilhão de reais cada) – o que propôs? Reduzir a jornada de trabalho com corte de metade dos salários. Pior que isso. Editou uma medida provisória – que depois voltou atrás – que suspendia o salários de todos os e as trabalhadoras por quatro meses seguidos, beneficiando diretamente apenas e unicamente os empresários. Há estudos que indicam que essa taxação podería render de imediato aos cofres do tesouro em torno de 300 bilhões de reais imediatamente. 
É claro que sei que esses que tomaram de assalto o governo – pela fraude de 2018 – não farão jamais isso que proponho (outros partidos de nosso campo de esquerda como o PCdoB, PT e PSOL também apresentaram propostas semelhantes e até mais detalhadas; aqui eu apenas as complemento). Eles adotarão o que é de praxe em todas as crises: arrebentar no lombo dos/as trabalhadores todo o custo da crise, salvando os bancos e as empresas em geral. Mas, o mundo de hoje não é mais o de 2008. Já não será possível ajudar apenas os de cima, sem apresentar nenhum auxílio aos de baixo. 
Não tenho dúvida alguma: o sistema capitalista só gerou pobreza, concentração de renda para os ricos e miséria para os trabalhadores. Apenas o socialismo poderá modificar isso tudo. E, mais do que nunca, agora é o momento de levantarmos bem alto essa bandeira. 
Em tempo: vejam que não apresentei nada relacionados com as medidas de prevenção e tratamento da doença, por não ser da área e pelo fato que isso demandaria mais textos pelos quais não tenho domínio e não é tema deste trabalho.

Coronavírus anuncia revolução no modo de vida que conhecemos, de Domenico di Masi (https://bit.ly/3dvaWRh); 
Anti-capitalist politics in the time of COVID-19, de David Harvey (https://bit.ly/2WH2ubH);
A lesson coronavirus is about teach the world, de Jonathan Cook (https://bit.ly/3aonUhF). 

LEJEUNE MIRHAN*
* Sociólogo, professor universitário (aposentado), autor e coautor de 13 livros, atualmente exerce a função de analista internacional, sendo comentaristas em canais de TV por streaming. 

segunda-feira, 13 de abril de 2020

O que é subdesenvolvimento?


Subdesenvolvimento é um termo elaborado após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) para definir a situação econômica e social dos países pobres. Esse termo é, portanto, designado para classificar os territórios nacionais que dispõem de níveis de desenvolvimento econômico limitado, com baixos índices de qualidade de vida, de consumo, de produtividade e elevadas taxas de miséria e concentração de renda.

Não é correto afirmar que o subdesenvolvimento seja uma ausência de desenvolvimento, mas sim a incompletude deste. Dessa forma, existem alguns critérios que definem se um país é ou não é subdesenvolvido, a saber: dependência econômica e tecnológica, problemas sociais (como desemprego, desigualdades, fome, miséria), baixos índices de industrialização, problemas em infraestrutura, entre outros.

Dependência econômica
O principal problema que envolve os países subdesenvolvidos é de ordem econômica, em que se observa uma elevada dependência desses para com outras nações, sobretudo aquelas consideradas desenvolvidas.

Essa dependência se expressa, primeiramente, pela elevada dívida externa existente nos países periféricos. Em geral, parte das receitas adquiridas por esses países são destinadas ao pagamento de dívidas para instituições financeiras – como o FMI e o Banco Mundial –, o que atrapalha na hora do uso da verba pública para investimentos sociais.

Em segundo lugar, a dependência econômica encontra-se no fato de que, historicamente, as nações mais pobres vivem da exportação de commodities, isto é, de produtos primários que, em regra, possuem menor valor agregado que os produtos industrializados. Tal fator propicia uma queda de produtividade, pois muitos investimentos são direcionados a uma atividade menos rentável economicamente. Associam-se a isso os problemas relacionados à concentração fundiária, que direcionam os ganhos das exportações para os grandes latifundiários, propiciando a elevação da concentração de renda.

Dependência tecnológica
Os baixos índices de industrialização e a excessiva dependência econômica na exportação de produtos primários propiciam também a elevação da dependência tecnológica. Essa questão é recorrente aos problemas relacionados à Divisão Internacional do Trabalho, em que os países periféricos exportam matérias-primas e produtos industrializados de baixa tecnologia e importam produtos tecnológicos ou sistemas de tecnologia, geralmente vinculados à instalação de grandes empresas multinacionais.

Assim, boa parte dos países subdesenvolvidos é pouco ou quase nada industrializada. E aqueles que possuem um relativo índice de industrialização – como o Brasil – a conhecem através da instalação de empresas estrangeiras, ou seja, as grandes empresas dos países pobres são, na verdade, apenas filiais ou montadoras de produtos e direcionam seus ganhos majoritariamente a seus países de origem.

Problemas sociais
Os problemas sociais existentes nos países subdesenvolvidos estão diretamente relacionados às questões acima elencadas, pois os elevados índices de dependência econômica e tecnológica geram graves convulsões e disparidades sociais.

Em primeiro lugar, é preciso considerar que os processos de industrialização e urbanização são tardios, ou seja, ocorreram apenas recentemente e fazem com que os países pobres sofram com problemas urbanos que os países desenvolvidos tiverem de enfrentar nos séculos XVIII, XIX e XX. A diferença é que, diferentemente destes, os subdesenvolvidos não possuem grandes capacidades financeiras para emancipar suas realidades.

Outra questão a ser colocada é a grande disparidade econômica atualmente existente. Os países subdesenvolvidos, por questões principalmente políticas, não promovem uma distribuição de renda em suas economias internas. Assim, observa-se que há cada vez mais capital sendo acumulado por cada vez menos pessoas, tanto em termos de finanças quanto em termos de posses urbanas e rurais. Tal fator é um agravo a condições de miséria, fome e baixa capacidade produtiva de uma dada região ou território.

Fatores históricos
Além de haver graves problemas internos, somados a perspectivas conservadoras das economias – como a preferência em centrar a economia na exportação de matéria-prima –, existem também fatores históricos que se tornaram o grande cerne para a condição de subdesenvolvimento pela qual a maior parte dos países do mundo passa. Dentre esses fatores, podemos destacar o colonialismo e o imperialismo.

Durante o processo de expansão marítimo-comercial europeu, o capitalismo expandiu-se e a Divisão Internacional do Trabalho estabeleceu-se. As colônias forneciam produtos primários, como especiarias e materiais agropecuários, e as metrópoles produziam e exportavam produtos manufaturados e, posteriormente, industrializados. Além disso, a exploração dos recursos e as grandes dívidas que as antigas colônias herdaram de suas metrópoles também estão na origem das condições de dependência econômica e de subdesenvolvimento.

Quanto ao imperialismo, trata-se de uma continuação do colonialismo – ou do neocolonialismo, no caso dos países africanos –, em que territórios foram disputados e divididos e áreas de influência até hoje são requisitadas. Essas ações, como as realizadas pelos Estados Unidos durante a Guerra Fria e em outros períodos históricos, serviram para garantir que não houvesse uma emancipação econômica dos países pobres a fim de evitar um aumento da concorrência no mercado internacional.

Países subdesenvolvidos e emergentes
Assim, ao compreender os fatores externos e internos que propiciaram a origem do subdesenvolvimento no mundo, podemos nos perguntar: quais países hoje são considerados subdesenvolvidos? Nações como Brasil e China são também consideradas subdesenvolvidas?

Existe, atualmente, uma divisão regional do mundo que estabelece uma distinção entre dois principais polos de desenvolvimento. Ao sul de um uma linha imaginária, traçada justamente para expressar essa separação, existem os países subdesenvolvidos e, ao norte, os países desenvolvidos. Observe a figura abaixo:



Mapa-múndi separando o norte desenvolvido do sul subdesenvolvido

Assim, podemos notar que essa divisão estabelece a formação de dois grandes grupos, aqueles com economias historicamente dominantes e mais desenvolvidas de um lado e, de outro, aqueles com economias historicamente dependentes. Nota-se também que a linha imaginária para distinguir o norte do sul não obedece totalmente às delimitações cartográficas, uma vez que países que se encontram no sul geográfico, a exemplo da Austrália, são classificados como sendo do “norte”.

E quanto aos países emergentes? Por que eles não estão representados no mapa?

Os países emergentes, por definição, são aqueles caracterizados por apresentarem economias subdesenvolvidas, mas que, ao longo das últimas décadas, vêm apresentando avanços econômicos e sociais. Esses países costumam ter economias muito industrializadas – apesar de, como já frisamos mais acima – essa industrialização ser realizada majoritariamente por empresas estrangeiras – e por registrarem sucessivos aumentos em seus Produtos Internos Brutos.

Mesmo assim, esses países não romperam com a condição de subdesenvolvimento que os envolve, de tal modo que eles ainda são considerados como subdesenvolvidos. Em outras palavras, podemos dizer os países emergentes fazem parte do grupo dos países periféricos.

Citam-se como exemplos de países emergentes: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul (esses cinco primeiros compõem o chamado BRICS), México, Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan e alguns outros.

O que se pode ter certeza é que, para subverter a ordem de subdesenvolvimento, os países pobres no mundo precisarão buscar formas que romper com a dependência econômica que os atinge. Além do mais, será necessário rever o ritmo de consumo do sistema capitalista atual, pois, conforme apontam inúmeros especialistas, o planeta não conseguiria fornecer recursos naturais suficientes para abastecer um grande número de países com padrões de consumo iguais aos que os países desenvolvidos possuem atualmente.


Favela paulista: uma expressão do subdesenvolvimento no espaço geográfico

Publicado por: Rodolfo F. Alves Pena



quarta-feira, 8 de abril de 2020

Kátia Souto: Saúde pública é estratégica para construção da cidadania

A Política de Saúde Brasileira passou por mudanças profundas nos últimos 30 anos, desde a instituição do Sistema Único de Saúde nos anos 1990 até os dias atuais. É importante que resgatemos o papel do Estado brasileiro nesse período e os modelos de saúde para que possamos compreender e analisar o papel estratégico da saúde na construção da cidadania e dos direitos sociais no Brasil.
Por Kátia Souto*
No processo de redemocratização do país, no final dos anos 1980, o movimento pela Reforma Sanitária Brasileira (RSB) propôs a constituição de um Sistema Único de Saúde (SUS), de caráter universal e com participação social, cujo debate aconteceu de forma intensa e rica durante a 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, com grande participação popular. Nessa Conferência foram consolidadas as bases para os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), expressos na Carta Magna, em 1988.
Vale destacar que a Constituição define a “saúde como direito de todos e dever do Estado”. Incorpora ainda uma concepção de seguridade social como expressão dos direitos sociais inerentes à cidadania, integrando saúde, previdência e assistência social. Define ainda, que os princípios do SUS, universalidade, integralidade, equidade e participação social, devem ser descentralizado, hierarquizado e regionalizado, fortalecendo assim a articulação federativa para implementação do sistema no país. Ou seja, reconhece o papel do Estado, nas suas três esferas, respeitando a autonomia de cada ente federado, na sua ação complementar e articulada. Eis o desafio!
Debater a saúde no âmbito de uma agenda de governo, exige compreendermos os limites do Estado enquanto poder político e administrativo. Reconhecer a saúde como direito humano e social, universal, equânime e integral, dentro de uma sociedade capitalista, onde saúde é vista como mercadoria, é reconhecer que desde o nascedouro, o SUS, se contrapõe ao modelo de Estado Mínimo e coloca na roda o debate do Estado Social.
Importante destacar que a agenda de saúde, expressa pelo Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, já trazia o debate de que tipo de Estado é necessário para implementar o Sistema Único de Saúde (SUS) e garantir a saúde como direito universal e integral para todos. Não será possível aprofundar esse tema aqui, mas a pergunta que fica é: qual modelo de Estado é capaz de garantir direitos sociais e gerar cidadania? Como um sistema de serviços de saúde pode contribuir para a superação das desigualdades sociais? Como a redistribuição da oferta de ações e serviços e a redefinição do perfil dessa oferta, na dimensão dos grupos sociais que serão contemplados na oferta, e a capacidade de atenção de atender e dar acolhimento, de forma universal e integral para todos, podem de fato contribuir para diminuir as desigualdades sociais? Como destacam Machado & Viana:
“A implementação do SUS revela esforços de fortalecer uma política de caráter nacional em um cenário federativo e democrático, expressos na configuração institucional do sistema e na regulação do processo de descentralização político-administrativa”. (MACHADO e VIANA, 2009, 23).
Um breve relato da linha do tempo, na luta pelo SUS, resgata na 3a. Conferência Nacional de Saúde, em 1963, o debate da municipalização da saúde, reconhecendo o território das vidas humanas, nas cidades, e compondo o elenco das chamadas Reformas de Base do Governo João Goulart:
“ A 3a. Conferência revestiu-se de especial significado na medida em que propôs reforma profunda na estrutura sanitária do país e, pela primeira vez, fixou com clareza, uma Política Nacional de Saúde capaz de atender às necessidades do nosso povo a custos suportáveis pela Nação. Sob esse aspecto, ela se constituiu num marco importante da história do pensamento dos sanitaristas brasileiros. No processo de elaboração desse pensamento, sobretudo, a partir de 1940, foi tomando corpo a ideia de que saúde é inseparável do processo nacional de desenvolvimento, apresentando-se os indicadores dos níveis de saúde estreitamente relacionados ao grau de desenvolvimento econômico, social, politico e cultural da comunidade.” Wilson Fadul (Introdução ao relatório da 3a. Conferência Nacional de Saúde).
Este breve relato aponta o reconhecimento do Estado federativo e sua responsabilidade em reconhecer e conduzir o processo de uma Política Nacional de Saúde. Luta interrompida pelo golpe de 1964. E retomada de forma contundente na defesa pela saúde como direito social e de todos, na 8a. Conferência Nacional de Saúde e inscrita e na Constituição de 1988.
Ou seja, o papel da articulação das três esferas de governo sob o comando nacional é fundamental para garantir o SUS integral e universal. Mas vale aqui também destacar o papel imprescindível nessa construção da participação social e da gestão participativa. Os mecanismos de controle social do SUS, os conselhos e conferências de saúde, os conselhos nacionais de secretários estaduais de saúde (CONASS), e secretarias municipais de saúde (CONASEMS), as comissões gestoras bipartites (CIB) e tripartite (CIT), são espaços consolidados do SUS. São espaços de democracia participativa, legitimados pelas leis do SUS, como são conhecidas, Lei 8080 e 8142/1990 que versam, respectivamente, sobre a organização do SUS e sobre o controle social e financiamento do SUS. Essa é uma agenda estratégica da saúde na construção da cidadania e do direito humano à vida e à saúde de todos.
Todas essa trajetória do SUS na luta por garantir a universalidade e integralidade da atenção à saúde com equidade, contou com o protagonismo da participação social como elemento estruturante de todo processo. Entretanto, mesmo assim, não se conseguiu tocar corações e mentes de toda a população para o sentimento de pertencimento e defesa desse SUS, para o reconhecimento de que o SUS é a maior política de inclusão social que o Brasil tem em toda sua história republicana, e que todos, independente de sua classe social, em algum momento faz uso de sua estrutura e organização. Talvez agora, em tempos tão árduos, quando travamos a batalha do coronavirus – Covid 19 –, em meio a tantas adversidades, políticas e econômicas, do subfinanciamento do SUS ao longo dos seus 30 anos, agravado nos últimos três anos, reconheçamos que sem o SUS, articulado nas suas três esferas de gestão, valorizado pelos seus trabalhadores e trabalhadoras da saúde, incansáveis na sua dedicação e responsabilidade profissional e humanitária, não conseguiremos vencer essa guerra.
Nesse momento, a nossa participação cidadã se expressa em ficar em casa, em proteger os que amamos, mas também proteger os outros, e em especial, os profissionais de saúde, de segurança, de limpeza, que estão na linha de frente, na trincheira mais decisiva dessa batalha. Os cientistas e epidemiologistas que estão diurtunamente analisando e buscando evidências para encontrar respostas mais ágeis e precisas para evitar mortes e indicar tratamentos para a cura.
Sem dúvida nenhuma, a saúde é uma estratégia importante de construção cidadã e os comunistas estão dando sua contribuição, em gestões estaduais e municipais do SUS, no controle social, no parlamento, entre os diversos trabalhadores e trabalhadoras da saúde. e em casa promovendo o distanciamento social necessário para contribuir com essa batalha, promovendo saúde e cidadania. Que nessa pandemia que estamos vivendo, o SUS saia fortalecido e reconhecido por todos, como um direito humano e como dever do Estado.
 7 de Abril, 2020
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Este artigo não reflete necessariamente a opinião do Portal PCdoB