sexta-feira, 24 de maio de 2019

Globalização e Integração Regional


Por Me. Rodolfo Alves Pena 

A globalização é um dos termos mais frequentemente empregados para descrever a atual conjuntura do sistema capitalista e sua consolidação no mundo. Na prática, ela é vista como a total ou parcial integração entre as diferentes localidades do planeta e a maior instrumentalização proporcionada pelos sistemas de comunicação e transporte.

Mas o que é globalização exatamente?
O conceito de globalização é dado por diferentes maneiras conforme os mais diversos autores em Geografia, Ciências Sociais, Economia, Filosofia e História que se pautaram em seu estudo. Em uma tentativa de síntese, podemos dizer que a globalização é entendida como a integração com maior intensidade das relações socioespaciais em escala mundial, instrumentalizada pela conexão entre as diferentes partes do globo terrestre.

Vale lembrar, no entanto, que esse conceito não se refere simplesmente a uma ocasião ou acontecimento, mas a um processo. Isso significa dizer que a principal característica da globalização é o fato de ela estar em constante evolução e transformação, de modo que a integração mundial por ela gerada é cada vez maior ao longo do tempo.

Há um século, por exemplo, a velocidade da comunicação entre diferentes partes do planeta até existia, porém ela era muito menos rápida e eficiente que a dos dias atuais, que, por sua vez, poderá ser considerada menos eficiente em comparação com as prováveis evoluções técnicas que ocorrerão nas próximas décadas. Podemos dizer, então, que o mundo encontra-se cada dia mais globalizado.

O avanço realizado nos sistemas de comunicação e transporte, responsável pelo avanço e consolidação da globalização atual, propiciou uma integração que aconteceu de tal forma que tornou comum a expressão “aldeia global”. O termo “aldeia” faz referência a algo pequeno, onde todas as coisas estão próximas umas das outras, o que remete à ideia de que a integração mundial no meio técnico-informacional tornou o planeta metaforicamente menor.

A origem da Globalização
Não existe um total consenso sobre qual é a origem do processo de globalização. O termo em si só veio a ser elaborado a partir da década de 1980, tendo uma maior difusão após a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria. No entanto, são muitos os autores que defendem que a globalização tenha se iniciado a partir da expansão marítimo-comercial europeia, no final do século XV e início do século XVI, momento no qual o sistema capitalista iniciou sua expansão pelo mundo.

De toda forma, como já dissemos, ela foi gradativamente apresentando evoluções, recebendo incrementos substanciais com as transformações tecnológicas proporcionadas pelas três revoluções industriais. Nesse caso, cabe um destaque especial para a última delas, também chamada de Revolução Técnico-Científica-Informacional, iniciada a partir de meados do século XX e que ainda se encontra em fase de ocorrência. Nesse processo, intensificaram-se os avanços técnicos no contexto dos sistemas de informação, com destaque para a difusão dos aparelhos eletrônicos e da internet, além de uma maior evolução nos meios de transporte.

Portanto, a título de síntese, podemos considerar que, se a globalização iniciou-se há cerca de cinco séculos aproximadamente, ela consolidou-se de forma mais elaborada e desenvolvida ao longo dos últimos 50 anos, a partir da segunda metade do século XX em diante.

Características da globalização / aspectos positivos e negativos
Uma das características da globalização é o fato de ela se manifestar nos mais diversos campos que sustentam e compõem a sociedade: cultura, espaço geográfico, educação, política, direitos humanos, saúde e, principalmente, a economia. Dessa forma, quando uma prática cultural chinesa é vivenciada nos Estados Unidos ou quando uma manifestação tradicional africana é revivida no Brasil, temos a evidência de como as sociedades integram suas culturas, influenciando-se mutuamente.

Existem muitos autores que apontam os problemas e os aspectos negativos da globalização, embora existam muitas polêmicas e discordâncias no cerne desse debate. De toda forma, considera-se que o principal entre os problemas da globalização é uma eventual desigualdade social por ela proporcionada, em que o poder e a renda encontram-se em maior parte concentrados nas mãos de uma minoria, o que atrela a questão às contradições do capitalismo.

Além disso, acusa-se a globalização de proporcionar uma desigual forma de comunicação entre os diferentes territórios, em que culturas, valores morais, princípios educacionais e outros são reproduzidos obedecendo a uma ideologia dominante. Nesse sentido, forma-se, segundo essas opiniões, uma hegemonia em que os principais centros de poder exercem um controle ou uma maior influência sobre as regiões economicamente menos favorecidas, obliterando, assim, suas matrizes tradicionais.

Entre os aspectos positivos da globalização, é comum citar os avanços proporcionados pela evolução dos meios tecnológicos, bem como a maior difusão de conhecimento. Assim, por exemplo, se a cura para uma doença grave é descoberta no Japão, ela é rapidamente difundida (a depender do contexto social e econômico) para as diferentes partes do planeta. Outros pontos considerados vantajosos da globalização é a maior difusão comercial e também de investimentos, entre diversos outros fatores.

É claro que o que pode ser considerado como vantagem ou desvantagem da globalização depende da abordagem realizada e também, de certa forma, da ideologia empregada em sua análise. Não é objetivo, portanto, deste texto entrar no mérito da discussão em dizer se esse processo é benéfico ou prejudicial para a sociedade e para o planeta.

Efeitos da Globalização
Existem vários elementos que podem ser considerados como consequências da globalização no mundo. Uma das evidências mais emblemáticas é a configuração do espaço geográfico internacional em redes, sejam elas de transporte, de comunicação, de cidades, de trocas comerciais ou de capitais especulativos. Elas formam-se por pontos fixos – sendo algumas mais preponderantes que outras – e pelos fluxos desenvolvidos entre esses diferentes pontos.

Outro aspecto que merece destaque é a expansão das empresas multinacionais, também chamadas de transnacionais ou empresas globais. Muitas delas abandonam seus países de origem ou, simplesmente, expandem suas atividades em direção aos mais diversos locais em busca de um maior mercado consumidor, de isenção de impostos, de evitar tarifas alfandegárias e de angariar um menor custo com mão de obra e matérias-primas. O processo de expansão dessas empresas globais e suas indústrias reverberou no avanço da industrialização e da urbanização em diversos países subdesenvolvidos e emergentes, incluindo o Brasil.

Outra dinâmica propiciada pelo avanço da globalização é a formação dos acordos regionais ou dos blocos econômicos. Embora essa ocorrência possa ser inicialmente considerada como um entrave à globalização, pois acordos regionais poderiam impedir uma global interação econômica, ela é fundamental no sentido de permitir uma maior troca comercial entre os diferentes países e também propiciar ações conjunturais em grupos.

Por fim, cabe ressaltar que o avanço da globalização culminou também na expansão e consolidação do sistema capitalista, além de permitir sua rápida transformação. Assim, com a maior integração mundial, o sistema liberal – ou neoliberal – ampliou-se consideravelmente na maior parte das políticas econômicas nacionais, difundindo-se a ideia de que o Estado deve apresentar uma mínima intervenção na economia.

A globalização é, portanto, um tema complexo, com incontáveis aspectos e características. Sua manifestação não pode ser considerada linear, de forma a ser mais ou menos intensa a depender da região onde ela se estabelece, ganhando novos contornos e características. Podemos dizer, assim, que o mundo vive uma ampla e caótica inter-relação entre o local e o global.



DEMOCRACIA, CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS: A CONJUNTURA ATUAL DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITOS


Janaína Machado Sturza, Renata Maciel

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A democracia no Estado atual apresenta-se como uma forma “universal” de promover a cidadania e consagrar os direitos humanos. Todavia, essa cidadania democrática tem algumas peculiaridades, pois se por um lado entende-se o modelo de democracia como sendo aquele que está fundado na representatividade de governos, no desenvolvimento de eleições multipartidárias e livres, na igualdade do voto, no direito das minorias, no reconhecimento de liberdades individuais e coletivas; por outro lado vê-se que esta forma de exercício da cidadania ainda não é pleno, mas é um processo complexo que necessita ser constantemente aprimorado, criado e recriado, no sentido de buscar, de forma eficiente, a consolidação dos direitos humanos e o pleno exercício da cidadania por TODOS os sujeitos pertencentes ao chamado Estado democrático de direitos.

Neste sentido, então, verificou-se que durante séculos a sociedade e o Estado eram compreendidos a partir de um mesmo processo de organização, sendo, até mesmo, entendidos como um “único ser”, não existindo formas associativas humanas diferentes do Estado e dentro do Estado. Todavia, o homem evoluiu e junto com ele a sua dinâmica de organização social e política. Logo, a sociedade também evoluiu, no sentido de tornar- -se uma instituição autônoma e capaz de auxiliar, entre outras demandas, na tomada de decisões, com o objetivo de fiscalizar e escolher as prioridades nas quais o Estado deveria atuar.

Seguindo este ideário, parece que o Estado é uma invenção do ser humano para atender suas demandas, de forma a propiciar o desenvolvimento harmônico com os demais sujeitos, devido a sua individualidade e singularidade. Desta forma, a ideia de Estado parte do pressuposto teórico de que os homens precisam viver em sociedade e, assim, carecem, igualmente, ser regrados por uma instância externa a eles, dotada de coerção, que só poderá ser desencadeada em nome da ética e do bem comum.

A partir da formação das estruturas sociais e do nascimento do Estado de direito, mais especificadamente, da elaboração teórica de Maquiavel, nasce o interesse do Estado em administrar os ideais públicos, com o objetivo primordial de evitar a ocorrência de abusos por parte daqueles que possuíam o poder. Desta forma, então, o Estado era visto como uma estrutura organizada e equilibrada, capaz de promover e proteger direitos, dando origem, mais adiante, ao que hoje chama-se de Estado democrático de direitos.

Hoje, com o modelo de Estado democrático vivenciado pelo ator-cidadão, torna-se imprescindível demonstrar o poder da democracia neste contexto evolutivo de sociedade e de Estado, à partir de uma relação direta com a promoção e proteção dos direitos humanos, através do esforço do próprio Estado, que se buscará efetivar os direitos dos cidadãos e consequentemente a concretização da cidadania, em um processo de democracia participativa, a qual, em primeira instância, garantirá também a eficácia dos direitos humanos.

O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS: TRAJETÓRIA EVOLUTIVA
Os direitos humanos são decorrentes da construção jurídica histórica da civilização. Ao contrário de representarem um acontecimento natural decorrente de uma vontade única, divina ou mitológica, os direitos humanos se estabelecem através do desenvolvimento do indivíduo, na imposição de limite ao poder soberano.

Ao considerar essa evolução histórica como fundamental na construção dos direitos humanos, Norberto Bobbio afirma que “os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas” (2004, p. 5).

Dessa forma, por buscarem um aprimoramento sobre a convivência humana, e sendo decorrentes desses fatores históricos e culturais, Bobbio defende que não é possível a busca por um único fundamento absoluto, inquestionável, irreversível para os direitos humanos. No entanto, existem fundamentações variadas e válidas para os direitos humanos (Bobbio, 2004, p. 23). O autor destaca que a busca de um único fundamento absoluto para os direitos humanos passa por quatro dificuldades: A consideração de que direitos humanos é uma expressão muito vaga; o fato de os direitos do homem constituírem uma classe variável de acordo com o momento histórico; ser a classe dos direitos do homem heterogênea; e, os direitos humanos apresentam uma antinomia entre os direitos invocados pelas mesmas pessoas.

Já Comparato (1997) discorda da ideia de Bobbio de que não exista um fundamento absoluto e válido para os direitos humanos e destaca que:

Uma das tendências marcantes do pensamento moderno é a convicção generalizada de que o verdadeiro fundamento de validade - do direito em geral e dos direitos humanos em particular - já não deve ser procurado na esfera sobrenatural da revelação religiosa, nem tampouco numa abstração metafísica - a natureza - como essência imutável de todos os entes no mundo. Se o direito é uma criação humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que significa que esse fundamento não é outro, senão o próprio homem, considerado em sua dignidade substancial de pessoa, diante da qual as especificações individuais e grupais são sempre secundárias (Comparato, 1997, p. 7).

A discussão inicial sobre os direitos humanos começa com os direitos naturais, que foram os direitos que conseguiram conceber, ainda que ínfimas, concepções de que existem direitos mínimos que são inerentes a pessoa humana independentemente do Estado. Esses direitos naturais, proclamados no século XVIII se transformaram em direitos humanos, em um movimento que se expandiu através da França (Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão - 1789) e dos Estados Unidos (Declaração de Independência Norte Americana – 1776, e, Bill of Rights – 1791) para toda a humanidade.

O marco histórico para os direitos humanos é o início da modernidade, bem como a promulgação de documentos legais que conseguiram distinguir o Homem, do Estado e soberano. Nesse sentido, Costas Douzinas refere que “Se a modernidade é a época do sujeito, os direitos humanos coloriram o mundo à imagem e semelhança do indivíduo” (2009, p. 99).

Assim, a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a Declaração de Independência Norte Americana (1776) são os dois documentos fundamentais que marcam a passagem dos direitos naturais para sua transformação em direitos humanos, uma vez que a Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadãos, de 1789, proclamou, em seu primeiro artigo, que os homens nascem e permanecem livres e iguais no direito. Ademais, a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) foi fundamental como essência e a forma adotadas na redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

A natureza pública e política da Revolução Francesa é evidente para os direitos humanos, a partir da redação de tal declaração os direitos pertencem ao homem e ao cidadão. Douzinas (2009, p. 103) destaca que a diferença entre os direitos naturais do homem e os direitos políticos do cidadão não fica clara, os direitos proclamados não eram um fim em si mesmos, mas os meios usados pela Assembleia para reconstruir o Estado.

Nesse sentido, se inicia a ideia de Iluminismo, na qual se buscava a emancipação do indivíduo de todas as formas de opressão política, mas, genericamente, essa emancipação era o abandono progressivo do mito e do preconceito em todas as áreas da vida e a sua substituição pela razão. “Em termos políticos, a liberação significa a sujeição do poder à razão da lei” (Douzinas, 2009, p. 103-104).

Para a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão os direitos humanos eram uma forma política que se comprometia com o senso moral de história e com uma crença de que a ação do coletivo deve vencer a dominação, opressão e sofrimento. A declaração anunciava os direitos naturais e imprescritíveis do homem: a liberdade, a propriedade e a igualdade perante a lei.

Ocorre que, essas declarações do século XVIII afirmam que os direitos humanos pertencem ao homem, com a pressuposição de que existe um substratum ou subjectum, ou seja, um homem específico para quem esses direitos são postos (Douzinas, 2009, p. 106). Isso porque, havia uma nítida separação entre proprietários e não-proprietários, só os proprietários é que tinham direito à plena liberdade e à plena cidadania estabelecidas na Declaração.

A natureza do homem moderno significa que a realidade empírica é construída a partir de direitos que são apresentados como sendo prerrogativas eternas do homem, o homem passa a possuir uma personalidade jurídica abstrata, e se baseia nas afirmativas exageradas de que os direitos humanos são prerrogativas inerentes a própria natureza para que possa superar a ideia do divino e passe a ser o sucessor de Deus como base do ser e do significado. Nesse sentido, a natureza humana foi inventada como uma justificativa a esses direitos sem precedentes, enunciados nas Declarações. Quando o homem passa a substituir Deus como fundamento do significado e da ação, a proteção dada aos direitos desse homem contra o poder do Estado, torna-se a essência jurídica da modernidade (Douzinas, 2009, p. 109).

Sabe-se que os direitos humanos são indeterminados e se tornam reais no momento em que o ato que os declara apresenta os efeitos desses direitos nos mais variados cenários, os quais somente por serem legitimados na declaração podem estabelecer na prática tais direitos. Assim, pode-se falar em uma declaração de prerrogativas, que cria direitos abstratos bem como uma possibilidade de ação e aplicação de tais direitos. No entanto as “suas aplicações geralmente diferem do sentido sempre contestado de suas sentenças” (Douzinas, 2009, p. 108). Os direitos humanos sempre envolvem reivindicações específicas como, por exemplo, liberdade de expressão, segurança das pessoas, ou seja, os direitos humanos se inauguram a partir da sua previsão em acordos legais.

Isso leva a crer que a natureza humana é abstrata e universal, que a essência da espécie humana é distribuída a todos no nascimento e em partes iguais. No entanto, sabe-se que isso é uma falácia uma vez que as pessoas não nascem iguais, mas, totalmente desiguais (Douzinas, 2009).

Os direitos que constam nas declarações como sendo, em tese, universais e abstratos são, em verdade, os direitos que são dirigidos a um homem concreto: um indivíduo individual, homem, burguês, branco. Nesse sentido, Costas Douzinas destaca que “para Burke e Marx, o sujeito dos direitos não existe. Ou é muito abstrato para ser real, ou muito concreto para ser universal” (2009, p. 113).

Muito embora os direitos sejam declarados para o homem universal, o ato que os enuncia (declarações, acordos) estabelece o poder de um topo particular de associação política, a nação e seu Estado, para tornar-se o soberano legislador e, depois, de um homem em particular torna-se o beneficiário desses direito, Este é o cidadão nacional Assim, as declarações anunciaram a era do indivíduo e com ela também, a era do Estado, o qual é o espelho do indivíduo. Destaca-se que os direitos humanos e a soberania nacional nasceram juntos.

A Declaração dos Direitos Humanos é a precondição da soberania e está inescapavelmente entrelaçada com a legislação. O soberano moderno chega à sua vida onipotente ao proclamar os direitos dos cidadãos. Assim, os direitos humanos são tentativas de construir um princípio protetor contra o Leviatã, com base no reconhecimento do desejo e na sua instituição como um contra princípio ao desejo do Estado. Se o direito público moderno é a legislação da política, os direitos humanos são a legislação do desejo, e seus componentes principais refletem profundamente as características do Leviatã. (Costas Douzinas, p. 119)

Sob um ponto de vista, pode se perceber que a modificação do direito natural para direito humano e a fixação do Direito Moderno passa pelo assentamento do humano como ator principal da sociedade, estando o Estado obrigado a adaptar-se aos novos preceitos e submeter-se, em muitas oportunidades, a imposições ou limites da sua soberania perante a comunidade internacional.

Assim, foi no século XVIII que se “descobriu” definitivamente os direitos fundamentais, pois nesse contexto houveram a vitória da revolução liberal na França e a independência das colônias inglesas nos Estados Unidos da América –Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a Declaração do Bom Homem de Virgínia (1976), respectivamente. Inclusive, a Declaração de 1789 encabeçou a primeira Constituição francesa de 1791. Logo após, numa forma de aperfeiçoamento, houve a promulgação da Constituição de 1793, conhecida como Jacobina, na qual foram reconhecidos direito ao trabalho, à proteção contra a pobreza e à educação.

O caminho entre o desaparecimento dos direitos naturais, no século XIX e o início do século XX, e os recentes pronunciamentos do triunfo final dos direitos humanos passa por duas guerras mundiais, um imenso número de conflitos locais e inumeráveis atrocidades e desastres humanitários.

Uma evidente transformação dos direitos naturais para os direitos humanos se encontra na substituição de sua base filosófica e origens institucionais. A humanidade, ou civilização, do naturalismo, foi substituída pela natureza humana, os franceses da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão foram ampliados para abranger toda a humanidade. Um processo sem fim de elaboração de leis internacionais e humanitárias foi desencadeado, com o objetivo de proteger as pessoas das supostas afirmações de sua soberania. (Douzinas, 2009, p. 128)

A Convenção de Genebra de 1864 foi o primeiro documento relacionado ao direito humanitário em matéria internacional, que reconhece um direito idêntico a todos. É um conjunto de leis e costumes da guerra, visando a minorar o sofrimento dos soldados doentes e feridos, bem como de populações civis atingidas por um conflito bélico. (Comparato, 2008).

Os direitos inerentes aos seres humanos, segundo Comparato, surgem na história da humanidade na medida em que os povos em suas respectivas épocas vivenciam dores, perdas e sofrimentos, oriundos da falta de limitação ao poder do rei ou do Estado. Dessa forma, percebe-se que a dor foi basicamente a condutora da evolução na luta pelos direitos humanos.

Possivelmente como resultado dessa afirmação é que os direitos humanos surgem no cenário mundial após a Segunda Guerra Mundial. A partir de então centenas de tratados, declarações e acordos foram negociados e adotados pelas Nações Unidas, na busca pela pacificação da convivência entre os povos de todo o mundo, entre os momentos marcantes da inauguração dos direitos humanos estão os Tribunais de Nuremberg e Tóquio, a assinatura da Carta das Nações Unidas (1945) e a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Nesse momento se inicia a internacionalização dos direitos humanos, uma vez que tais documentos são assinados por diversos países, que firmam compromissos na busca pela solução dos conflitos humanitários, sociais, econômicos, culturais, e, em especial, o respeito aos direitos humanos e fundamentais, sem distinção de raça, religião, sexo, idioma.

A Carta das Nações Unidas descreve o cidadão como um sujeito de direitos e deveres, súdito e soberano em relação ao Estado, onde todos os homens são considerados iguais perante a lei, sem discriminação de qualquer natureza. Esse documento se inspira, assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Já na Declaração Universal dos Direitos Humanos a afirmação dos direitos fundamentais é, simultaneamente, universal e positiva: universal, no sentido de que os destinatários dos direitos são todos os homens, não especificamente de um ou de outro Estado, como ocorria na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão; positiva, no sentido de que os direitos que se busca a proteção deverão ser não apenas proclamados, mas efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado. Assim, os direitos do cidadão terão se transformado, real e positivamente, em direitos do homem, ou, minimamente, serão direitos do homem enquanto direitos do cidadão do mundo (Bobbio, 2004).

Os direitos que foram elencados na Declaração Universal dos Direitos Humanos não são os únicos e possíveis direitos dos homens, mas sim, são os direitos do homem histórico, no momento em que foi redigida a declaração, que condizia com o abalo deixado pela Segunda Guerra Mundial. “A Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma aspiração para o futuro” (Bobbio, 2004, p. 33).

Com um pouco mais de meio século de vigência, a Declaração Universal dos Direitos Humanos reacendeu a esperança dos oprimidos ao proporcionar bases legislativas nas lutas pelas políticas de liberdade, e, ao inspirar a maioria das constituições na positivação dos direitos da cidadania. Assim, a Declaração cumpriu com um papel fundamental na história da humanidade, uma vez que lançou a pedra fundamental aos alicerces de uma nova disciplina jurídica, o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Ainda, estabeleceu diretrizes para conferir a legitimidade de qualquer governo, em substituição da força bruta pela força ética.

Ao serem proclamados direitos universais e inalienáveis, todo o sistema sócio-político existente tem de ser modificado, sob pena de infringir os novos limites postos. Sendo proclamado pelos cidadãos e em sendo esses os detentores do poder de criar leis, não havendo a figura do soberano e estando a racionalidade posta em plano de destaque, consequentemente, vem a surgir o debate sobre governabilidade e formas de governo, havendo debates sobre todas as formas até então conhecidas, inclusive a Democracia.

O homem possuidor de conteúdo e racionalidade possui a autonomia de promover política e de legislar tendo vínculo apenas para com si mesmo, e não para com ser ou entidade superior. O homem moderno reconhece, afirma e se estabelece como portador de um livre-arbítrio natural. Esse livre arbítrio é o meio pelo qual se reconhece os direitos naturais, agora humanos. Contudo, a sociedade demanda organização, sendo essa determinada pelo respeito à legislação posta, permitindo a contraposição à mesma.

No século passado a “estatização” dos direitos humanos tomou corpo após a Segunda Grande Guerra. Inúmeras instituições, também podendo ser consideradas como símbolos, foram fundadas após a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948. A sociedade internacional moveu-se para fixar esses direitos dentro de suas soberanias, haja vista que inúmeros Estados estavam desfigurados e o rumo legal que esses Estados poderiam tomar viria ser um problema permanente no futuro. Classes de direitos, como negativos ou positivos foram fixadas assim como conceitos de geração foram postos para explicar os mesmos. A aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Declaração Universal de Direitos Humanos em 10 de dezembro de 1948 constitui o principal feito no desenvolvimento da ideia contemporânea de direitos humanos, bem como a Convenção Internacional sobre a prevenção e punição do crime de genocídio aprovada um dia antes, também no quadro da ONU; logo, ambas formam os marcos inaugurais da nova fase histórica dos direitos humanos que se encontra em pleno desenvolvimento.
Costas Douzinas defende que:

Direitos positivados preenchem a lacuna entre a realidade empírica e a ideal deixada aberta pela separação francesa entre homem e cidadão, apesar de seus problemas evidentes. Um Estado que assina e aceita convenções e declarações de direitos humanos pode alegar ser um Estado de direitos humanos. Direitos humanos são, então, vistos como um discurso indeterminado de legitimação do Estado, ou como uma retórica vazia da rebelião, discurso este que pode ser facilmente co-optado por todos os tipos de oposição, minoria ou líderes religiosos, cujo projeto político não é humanizar Estados repressivos, mas substituí-los por seus próprios regimes igualmente homicidas (2009, p. 129).

Nesse sentido, os direitos humanos foram um instrumento central para legitimar, nacional e internacionalmente, a ordem do pós-guerra, num momento em que todos os princípios do Estado e da organização internacional haviam emergido da guerra seriamente enfraquecidos.

Assim, importante lembrar que “os direitos humanos são o produto não da natureza, mas da civilização humana; enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e de ampliação” (Bobbio, 2004, p. 32). Apesar de já se ter evoluído muito, os direitos humanos ainda são algo desejável, que merecem ser perseguidos para que possam ser reconhecidos, por toda a parte e igual medida.


O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITOS E OS DIREITOS HUMANOS
A democracia é o regime político que melhor promove e protege os direitos humanos, uma vez que é um regime fundado na soberania popular, no sentido de que todo poder emana do povo, e na separação e desconcentração dos poderes. Norberto Bobbio destaca a democracia como “um conjunto de regras [...] para a solução dos conflitos sem derramamento de sangue” sendo “o bom governo democrático” aquele que respeita rigorosamente as regras, donde se conclui, “tranquilamente, que a democracia é o governo das leis por excelência” (Bobbio, 1986ª, p. 170-1).

A democracia reúne liberdades civis, alternância no poder, igualdade jurídica e busca pela igualdade social, participação popular na esfera pública, solidariedade, respeito à diversidade e tolerância. Norberto Bobbio (2000) destaca seis universais procedimentais característicos da forma de governo democrática:

1) todos os cidadãos que tenham alcançado a maioridade etária sem distinção de raça, religião, condição econômica, sexo, devem gozar de direitos políticos, isto é, cada um deles deve gozar do direito de expressar sua própria opinião ou de escolher quem a expresse por ele; 2) o voto de todos os cidadãos deve ter igual peso; 3) todos aqueles que gozam dos direitos políticos devem ser livres para poder votar segundo sua própria opinião formada, ao máximo possível, livremente, isto é, em uma livre disputa entre grupos políticos organizados em concorrência entre si; 4) devem ser livres também no sentido em que devem ser colocados em condições de escolher entre diferentes soluções, isto é, entre partidos que tenham programas distintos e alternativos; 5) seja para as eleições, seja para as decisões coletivas, deve valer a regra da maioria numérica, no sentido de que será considerado eleito o candidato ou será considerada válida a decisão que obtiver o maior número de votos; 6) nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, particularmente o direito de se tornar por sua vez maioria em igualdade de condições (BOBBIO, 2000, p. 426-427).

Nesse sentido, cada indivíduo pertencente ao Estado pode participar das decisões políticas que afetem sua vida privada ou a coletividade. Assim, importante destacar que “o cidadão é o sujeito que tem liberdade e autonomia para legislar para a coletividade e, em última instância, para si mesmo. Em tese, cada cidadão, como membro da soberania popular, é livre para legislar – ou para escolher seus representantes legislativos – e só deve obediência às leis (votadas democraticamente)3 ” (Alves, 2005, p. 15).

Percebe-se que o cidadão constitui-se como elemento essencial para a democracia, uma vez que é ele quem escolhe os representantes legais que irão formular as leis, em nome deste cidadão. Assim, quanto maior o número de atores (cidadãos) participando da tomada das decisões políticas, mais democrática será a sociedade. A democracia marca a subordinação do poder ao Direito bem como pressupõe a proteção aos Direitos Humanos, já que a democracia sem proteção aos direitos fundamentais deixa de existir.

A proteção aos direitos fundamentais busca limitar o poder do Estado, da religião e de outras instituições. Implica o reconhecimento dos indivíduos como sujeitos de direitos, isto é, a possibilidade de serem atores de sua própria história. Nesse sentido, o indivíduo recusa a dominação e elege a liberdade como condição de felicidade central, percebe a si e ao outro como sujeitos de direitos.

O teórico Alain Touraine (1996a) ensina que a “A democracia é o conjunto das garantias institucionais que permitem combinar a unidade da razão instrumental com a diversidade das memórias, a permuta com a liberdade” (1996ª, p.11). Em outras palavras do mesmo autor, a democracia “é a forma de vida política que dá maior liberdade ao maior número de pessoas, que protege e reconhece a maior diversidade possível” (1996ª, p. 25).

Apesar das diversas concepções de democracia, todas permitem constatar que o Estado democrático busca a proteção dos cidadãos, que apesar de suas diferenças, devem ser reconhecidos como portadores de direitos fundamentais. Destaque, ainda, para a necessidade de proteção às minorias excluídas como forma de garantia da igualdade desses grupos sociais.

Flávia Piovesan destaca que a democracia é um conceito em constante modificação, aberto, plural e dinâmico. A autora destaca duas acepções para o termo democracia, uma no sentido formal e a outra no sentido material:

Na acepção formal, pode-se afirmar que a democracia compreende o respeito à legalidade, constituindo o chamado Governo das Leis, marcado pela subordinação do poder ao Direito. Essa concepção acentua a dimensão política do conceito de Democracia, na medida que enfatiza a legitimidade e o exercício do poder político, avaliando quem governa e como se governa. As regras do jogo democrático representam a civilidade da passagem do reino da violência para o da não violência.
Por outro lado, na acepção material, pode-se sustentar que a democracia não se restringe ao primado da legalidade, mas também pressupõe o respeito aos direitos humanos. Isto é, além da instauração do Estado de Direito e das instituições democráticas, a democratização requer o aprofundamento da democracia no cotidiano, por meio do exercício da cidadania e da efetiva apropriação dos direitos humanos. Nesse sentido, não há democracia sem o exercício dos direitos e liberdades fundamentais. A Democracia exige, a igualdade no exercício de direitos civil, políticos, sociais, econômicos e culturais (2000, p. 228).

A soberania popular é o eixo central da ideia de democracia, uma vez que é uma ordem política produzida pela ação humana que não pode ser explicada por um Estado específico, já que a realização da democracia transcende o Estado. A democracia não se restringe somente ao zelo pela legalidade, mas também pela proteção aos direitos humanos. Nesse sentido, é possível assegurar que a igualdade política é condição para a democracia, mas esta não significa tão somente a atribuição de direitos iguais; implica compensar as desigualdades, tarefa do Estado democrático.

Todorov (2012) destaca que a democracia se caracteriza não só por um modo de instituição do poder ou pela finalidade de sua ação, mas também pela maneira como o poder é exercido. A palavra-chave aqui é pluralismo, pois se considera que os poderes, por mais legítimos que sejam, não devem ser todos confiados às mesmas pessoas nem concentrados nas mesmas instituições. Assim, o Poder Judiciário deve ser independente do poder político (Legislativo e Executivo) para realizar seus julgamentos sem qualquer intervenção. Da mesma forma que a economia não pode se submeter ao poder político, assim como não podem determinados grupos sociais específicos serem privilegiados em relação aos demais, sob a consequência de, caso assim não o seja, aumentarem ainda mais as desigualdades e se estar infringindo os direitos humanos.

A vontade do povo também defronta com um limite de outra natureza: para evitar sofrer os efeitos de uma emoção passageira ou de uma manipulação hábil da opinião pública, ela deve manter-se conforme aos grandes princípios definidos após uma reflexão madura e inscritos na Constituição do país, ou simplesmente herdados da sabedoria dos povos.

Deve-se observar a existência de direitos humanos dentro dos ordenamentos jurídicos e, principalmente, dentro das ações tomadas pelos Estados, uma vez que os Direitos Humanos não são limitados a uma parcela populacional, mas se pressupõe que são entendidos na sua (quase) essência, em maior número, em Estados democráticos.

A democracia advém da necessidade de diminuição das desigualdades entre classes dominadas e classes dominantes e estabelece uma tentativa de equilíbrio entre as decisões políticas e jurídicas, bem como na relação moral entre tais classes. Nesse sistema político o legislador é uma extensão do próprio homem, visto a figura da representação democrática. As minorias devem ser reconhecidas como portadoras de direitos universais, assim como, devem afirmar sua identidade, este comportamento decorre de um espírito democrático, uma vez que estabelece além de um reconhecimento em si, um reconhecimento no outro, com suas diferenças e semelhanças, assim como preceituam os direitos universais do homem. Isto porque “os direitos existem somente em relação a outros direitos, e as reivindicações de direitos envolvem o reconhecimento de outros e de seus direitos de redes trans-sociais de reconhecimento mútuo e de compromisso” (Douzinas, 2009, p. 349).

Cada indivíduo deve ser protegido com suas próprias características, bem como estas devem ser respeitadas pelo restante da coletividade. O Estado democrático pressupõe o respeito e aceitação às diferenças, uma vez que a proteção à identidade também é um dos objetivos da democracia.

A aceitação e respeito pelo Outro na sua singularidade (individual e social), a interdependência significante, a importância da emoção ou dos atos interlocutórios (retórica), o direito do Outro contar a sua história ou de dar o seu testemunho com a mesma autoridade e o mesmo valor do ponto de vista da situação comunicativa, tornam-se elementos-chave ou os modos essenciais da democracia comunicativa, possibilitando, deste modo, uma maior atenção à ética do cuidado assim como aos direitos humanos enquanto expressão suprema do cuidado e da solidariedade para com o Outro (Quinet, 2012).

Apesar de a democracia já ser reconhecida desde a Grécia Antiga (séculos IX e VIII a.C.), nas cidades-estados, chamadas de polis4 , como forma de governo, foi a partir do século XIX que a massa popular passou a ter maior participação nos sistemas políticos, em especial decorrente da Revolução Industrial que ampliou significativamente o contingente de trabalhadores urbanos. Até esse momento histórico, o sufrágio era limitado aos homens, com idade pré-estabelecida, nacionais, proprietários. A ideia de democracia como governo do povo era rechaçada pela burguesia. O sistema político democrático foi estabelecido como padrão somente a partir da segunda metade do século XIX, momento em que o sufrágio passou a ser praticamente universal.

Com o sufrágio estabelecido, agora em um número maior de participantes, estes passam a tomar consciência que o Estado é o “administrador” de muitos de seus direitos e por tal, deve provê-los. Com isso, após a fixação do Estado Democrático, em uma ordem crescente entendida como evolutiva, surge a figura do Estado Democrático de Direito, que é o Estado reconhecedor e provedor de direitos fundamentais aos seus cidadãos. O Estado deixa de ser apenas omissivo e passa a ser agente ativo constante na garantia de direitos universais.

No Estado de Direito desaparece o caráter assistencial da prestação de serviços e os direitos passam a ser vistos como inerentes à cidadania, ao pressuposto da dignidade da pessoa humana, ou seja, os direitos passam a constituir um patrimônio do cidadão. O Welfare State constitui o Estado no qual o cidadão é protegido por mecanismos e prestações públicas estatais que visam a igualdade e o bem-estar, independentemente de sua situação social (Morais, 2011).

Pelo Estado de Bem-Estar Social devem ser garantidos aos cidadãos os direitos mínimos, quais sejam, renda, alimentação, saúde, habitação educação. Tais direitos devem ser garantidos não como uma caridade por parte do Estado, mas sim como um direito político dos cidadãos. Há uma garantia de bem-estar aos cidadãos por meio de prestações positivas do Estado, que aparece como promotor da qualidade de vida, tanto dos indivíduos quanto de toda a coletividade. Nesse contexto emerge o denominado Estado Democrático de Direito.

Ademais, em tal modelo de Estado as decisões deixam de serem tomadas pela simples vontade do soberano para serem reguladas e limitadas por normas gerais e abstratas que estabelecem “quando”, “como” e “em que medida” que a força pode ser utilizada. Assim, o uso da força passa a ser definido como legítimo e ilegítimo, bem como, entre legal e ilegal; o Estado de direito busca apresentar uma possibilidade de resolução de conflitos sem que seja necessário o uso da força, ou, que esta seja utilizada somente como último recurso.

Nesse sentido, Bobbio destaca que o Estado de direito celebra o triunfo da democracia, uma vez que a natureza do Estado de direito e da democracia estão intimamente relacionadas. O mesmo autor destaca que a universalidade do sufrágio é um elemento fundamental da democracia, pois, a regra da escolha da maioria pode ocorrer também em regimes autoritários. Nesse sentido refere que para se caracterizar a democracia é preciso que exista o sufrágio universal combinado com a decisão pela maioria.

Resta claro que a democracia pressupõe que as decisões sejam tomadas pela maioria dos cidadãos, e que, por cidadãos devem ser entendidos todos aqueles, capazes, que compõem a coletividade do Estado, sem qualquer tipo de discriminação, seja por cor, raça, sexo, orientação religiosa (a universalidade do sufrágio se dá a partir de tal concepção). Na democracia a figura do soberano desaparece; as decisões não mais se dão pela vontade de um só ser, mas sim, são aplicadas a partir de normas legais, caracterizando, claramente, que o poder pertence ao povo.

Nesse sentido, Bobbio (1986ª) destaca duas situações que é preciso levar em consideração para a conceituação do Estado de direito. A primeira refere-se à superioridade do governo das leis sobre o governo dos Homens, no qual as leis fundamentais ou constitucionais é que regulam o exercício dos poderes públicos, com exceção da possibilidade de os cidadãos se socorrerem do Poder Judiciário em caso de abuso ou excesso de poder. A segunda é a consideração do impacto trazido pela constitucionalização dos direitos naturais ao conceito de Estado de Direito:

Na doutrina liberal, Estado de direito significa não só subordinação dos poderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que é puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente, e portanto em linha de princípio ‘invioláveis’ - esse adjetivo se encontra no art. 2º da constituição italiana (BOBBIO, 1986ª, p. 170-171).

Assim, o Estado de Direito impõe à ordem jurídica e à atividade estatal um conteúdo utópico, uma vez que o Estado Democrático de Direito emerge como um aprofundamento/transformação da fórmula, de um lado, do Estado de Direito e, de outro, do Welfare State. “Pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que se tem a permanência em voga da já tradicional questão social, há como que a sua qualificação pelo caráter transformador que agora se incorpora” (MORAIS, 2011, p. 41).

Apesar de alguns Estados não democráticos proclamem-se respeitadores dos direitos humanos, a gama de direitos contemplados por tal proteção é ínfima, uma vez que, conforme afirma Beetham (2003, p. 93), a garantia das liberdades básicas é uma condição necessária para a voz das pessoas serem ativas nas questões públicas e para o controle popular sobre os governos ficar assegurado.

O Estado de direito oferece especial atenção ao cidadão, seja quanto aos direitos fundamentais que devem ser garantidos e protegidos, seja no campo do uso da força por parte do Estado, que passa a ser regulada por normas gerais, e não mais caso a caso. Sabe-se que os direitos humanos não existem em um sistema que não seja o democrático; direitos humanos e Estado democrático são inerentes um ao outro, em sua essência conceitual.


A GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS ATRAVÉS DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA
O termo cidadania, como atualmente é conhecido, resulta de uma evolução histórica, sendo que surgiu no momento em que o homem começou a viver em comunidade. Aristóteles (384 a.C.), um dos discípulos de Platão, foi quem melhor definiu cidadania e quem era cidadão em sua época ao afirmar que:

(...) a cidade (pólis) é algo complexo assim como qualquer outro sistema composto de elementos ou de partes, por isso, sendo necessário, antes de tudo, examinar o que é um cidadão e a quem se deve dar este nome, visto que a cidade era composta de cidadãos, mas nem todos assim poderiam ser considerados (ARISTÓTELES, 1996, p. 52).

Nesse sentido, o cidadão grego definido por Aristóteles vivia na pólis, onde a democracia era exercida diretamente, através da participação na vida política que se dava através de discussão, deliberações e votações diretas. Nesse sentido, Aristóteles (1996) destaca que “aquele que não pode viver em sociedade, ou que de nada precisa por bastar-se a si próprio, não faz parte do Estado: é um bruto ou um Deus. A natureza compele os homens a se associarem”.

Cidadão em tal concepção histórica era aquele que possuía o status privilegiado de participar das deliberações de interesse público, aquele que, no país em que vive, era admitido na jurisdição (ARISTÓTELES, 1977, p. 33). Importante destacar que somente se consideravam cidadãos os homens livres, dos quais se excluíam os escravos (utilizados como força de trabalho), bem como as mulheres e as crianças (hierarquicamente subordinadas ao chefe da família) e, finalmente, os estrangeiros (que não tinham o direito de opinar sobre uma sociedade a qual não pertenciam).

Muito embora a participação fosse restrita a poucos homens, a cidadania da Grécia antiga contribuiu para o desenvolvimento dos princípios modernos desse conceito, uma vez que os direitos eram bem delineados e consolidaram o poder de governo nas cidades-estado voltado para o interesse público, onde nos conflitos entre o indivíduo e a coletividade não havia dúvida de que a última seria resguardada.

Pertencer à comunidade grega era um privilégio de tamanha valoração que o banimento e a condenação ao ostracismo5 era a pena mais severa que poderia ser aplicada a um cidadão, sendo considerada ainda mais grave que a pena de morte, uma vez que a ação de ser retirado da convivência existente entre os cidadãos correspondia a exclusão da possibilidade de participação na política. Ao considerar que a cidadania grega se exercia pela efetiva convivência política, percebe-se que tal ação (participação política) realizava o homem e o auxiliava no alcance de sua plenitude, diz-se isto, pois, a felicidade era atingida pela possibilidade de participação nas decisões da polis, o que somente era permitido aos cidadãos. Em contraponto, a aquisição de bens materiais e do conforto, por exemplo, não eram fatores de plenitude, uma vez que o bem-estar relativo às posses não dependia da interação entre cidadãos para se concretizar. Nesse sentido, os bens materiais eram menos valorizados do que a participação política na Grécia antiga.

O significado moderno do termo cidadania surge a partir da Revolução Americana de 1776 e da Revolução Francesa (1789), uma vez que esta última representou uma reação da comunidade contra o sistema de produção e de governo dominantes. Sobre o lema “liberdade, igualdade e fraternidade” buscava fazer prevalecer o interesse dos cidadãos, sobre o do Estado (monarca).

A ideia de que os homens podem viver pelo acordo de suas próprias vontades e pela razão advém do contratualismo. Nesse sentido, aos homens existe a possibilidade de organizar um Estado de Direitos com fundamento na valorização dos direitos individuais, da liberdade de pensamento e expressão, no laicismo, no direito propriedade privada, acenando com a possibilidade de restaurar a condição de cidadão àqueles que eram tão somente súditos fiéis, tal ideia foi difundida por Tomas Hobbes (Do Cidadão), Jean-Jacques Rousseau (O Contrato Social), (O Espírito das Leis) Montesquieu, entre outros.

Entre os autores acima destacados, cada um deles possuía um entendimento sobre o significado de cidadania. Para a teoria hobbesiana, o Estado seria fruto de um contrato social com a sociedade, sendo que o Estado é contra a natureza do homem, pelo que vive em constante estado de guerra. Daí surge a necessidade das convenções, a fim de que seja possibilitada a convivência em sociedade. Assim, Hobbes (1992) defende que o cidadão é necessário, no entanto, deve existir um soberano que evite o Estado de guerra entre os homens. Ou seja, o que existe para Hobbes é um pacto de submissão do cidadão ao Estado.

Rousseau (1996) faz defesa à liberdade como sendo a exigência ética fundamental para a realização humana e o contrato social como sendo a base legítima para a preservação da mesma, que se efetiva por meio da vontade geral. Para o autor é preferível a liberdade perigosa à servidão tranquila. Jean-Jacques Rousseau (1996) ainda defende uma maior igualdade entre os que são considerados cidadãos, o que é possível a partir da elevação da dimensão política.

Já na concepção de Montesquieu (1995) as diferentes formas de governo formam diferentes cidadãos. Destaca que no Estado democrático o poder soberano se encontra nas mãos do povo, enquanto que no Estado aristocrático o poder está apenas nas mãos de parte do povo, finaliza com o Estado despótico, no qual o poder se encontra nas mãos de apenas um homem. Ademais, realiza uma exaltação maior aos deveres da cidadania, com efeito, apenas da dimensão política da cidadania do cidadão e afirma que “Os cidadãos não podem todos prestar-lhes iguais serviços, porém devemos igualmente. Em nascendo, contrai-se para com a Pátria (Estado) uma dívida imensa, que não pode quitar-se jamais (MONTESQUIEU, 1005, p. 116).

Conforme já posto, a Revolução Americana de 1776 e a Revolução Francesa de 1789 marcam o início da modernidade, e, juntamente com elas dos Direitos Humanos. Oswaldo Giacoia Junior destaca que “à formação histórica da modernidade entendida como realização do princípio da liberdade subjetiva pertence à fragmentação e a autonomização das esferas da vida civil (burguês), política (cidadão) e ético moral (homem)” (GIACOIA JR., 1991, p. 17). No mesmo sentido Lafer (1991) refere que a Revolução Americana e a Revolução Francesa tiveram o condão de fazer surgirem os direitos do homem com o propósito de se afirmarem historicamente como direitos do indivíduo em face ao poder do soberano e do Estado absolutista.

Os documentos histórico-jurídicos da época (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e Declaração de Direitos Americana) ampliaram os direitos políticos relativos à cidadania ao possibilitarem a abertura para a participação na vida política por mais cidadãos. Soma-se a isso o fato de que tais documentos reconheceram alguns direitos civis a todos, perante a lei.

Nesse mesmo momento histórico, inicia-se também a decadência da cidadania política defendida pelos iluministas, uma vez que este conceito se reduz ao princípio da nacionalidade, isto por que a Constituição Francesa de 1789 retirou quase por completo o conteúdo político do conceito de cidadania. A aquisição da cidadania passa a ocorrer pelo nascimento ou pela residência em território francês, destaca, ainda, que o estrangeiro precisa de dez anos de residência no país para poder ser cidadão. Os direitos políticos, anteriormente intimamente ligados à concepção de cidadania, passam a ser limitados pela Constituição. Assim, se consolida o conceito de nacionalidade, o qual se fundamenta na ligação do indivíduo com o território de onde se origina (JÚNIOR, 2002, p. 73).

O efeito da transição no conceito de cidadania foi sentido durante o século XX, momento em que se iniciou uma exaltação às coletividades humanas, conhecidas como Nações. Surgiu, aqui, uma nova ideologia unificadora na qual o povo, a nação, com toda a sua individualidade, passou a constituir o sujeito jurídico. No entanto, o instituto da cidadania continua aprisionado e politicamente neutralizado, agora sob o fundamento do princípio da nacionalidade, uma vez que este admite a igualdade apenas perante a lei.

Os direitos individuais do cidadão foram consagrados no Estado Moderno, uma vez que as declarações protegem os direitos da cidadania como direitos do homem ou direitos humanos. Ocorre que, quando tais direitos são consagrados nos ordenamentos jurídicos nacionais, deixam de serem denominados como direitos humanos, e passam a constituir os direitos da cidadania dos membros daquela nação. Percebe-se que a Declaração Francesa de Direitos de 1789, reconhece e consagra os direitos fundamentais do indivíduo, como direitos do homem e do cidadão, apesar de deixá-los restritos a uma dimensão civil e política, ou seja, após tais direitos serem consagrados no ordenamento jurídico interno daquela nação passam a serem considerados como direitos da cidadania, independentemente de sua natureza.

Nesse contexto, diversos países refletiram as Declarações de Direito ao consagrar em suas constituições os Direitos do Homem como direitos de seus cidadãos. Já os países que refletiam a teoria liberal, preferiram consagrar apenas como direitos fundamentais individuais e coletivos. Predominava, ainda, a concepção de cidadania ligada à dimensão política, na qual a igualdade civil e política eram admitidas somente perante a lei. O cidadão é aquele individuo nacional que possui direitos individuais igual, como as obrigações de acordo com a lei.

No final do século XIX os movimentos sociais passaram a alterar a concepção moderna do direito da cidadania, cidadão, bem como de seus direitos, deveres e instrumentos de defesa. Dentre os acontecimentos que tiveram influência direta com a alteração do significado de proteção da cidadania destacam-se as duas grandes Guerras Mundiais, que consistiram em enormes violações aos direitos humanos, e, consequentemente, fizeram surgir a Organização das Nações Unidas (ONU). Através da ONU novos direitos do homem cidadão foram conquistados, reconhecidos e declarados em documentos internacionais, destacando a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, que repercutiu nas principais Constituições Modernas, fazendo surgir uma nova concepção de Direito da Cidadania, uma vez que descreve o cidadão como sujeito de direitos e deveres, súdito e soberano em relação ao Estado, onde todos os homens são considerados iguais perante a lei, sem discriminação de raça, credo ou cor.

Para o autor T. H. Marshall (1967) a plena expressão da cidadania compreende a existência de um Estado de Bem-Estar Social Liberal-Democrático, no qual a cidadania seria um “status concedido àqueles que são membros de uma comunidade”. Assim, Marshall destaca que a cidadania constitui-se de uma dimensão civil, uma política e outra social, respectivamente composta dos direitos civis, direitos políticos e direitos sociais. Os direitos civis compreendem os direitos individuais de liberdade, igualdade, propriedade, liberdade de ir e vir, direito à vida, segurança individual etc. Os direitos políticos referem-se ao direito de participação, bem como à liberdade de associação e reunião, de organização política e sindical, à participação política e eleitoral, direito ao sufrágio universal. Os direitos sociais dizem respeito aos direitos ao trabalho, saúde, educação, aposentadoria, seguro-desemprego, enfim, a garantia de acesso aos meios de vida e bem-estar social.

Em outra concepção, Norberto Bobbio (2004) destaca que os direitos da cidadania não são necessariamente ascendentes, uma vez que são históricos, não tendo um fim. Por serem históricos, os direitos de cidadania são direitos que expressam as lutas entre diferentes atores sociais. O mesmo autor trata dos direitos humanos, não apenas dos direitos da cidadania, e destaca que tais direitos sem a garantia institucional do Estado não se materializam, não tem efetividade e não podem ser garantidos.

Percebe-se que a noção moderna de cidadania é indiscutivelmente ligada à liberdade de escolha, ao sufrágio universal e à democracia representativa. Atualmente, o exercício da cidadania não se resume ao direito ao voto que elege um representante, Bobbio (2000), ressalta que:

O ideal democrático supõe cidadãos atentos à evolução da coisa pública, informados dos acontecimentos políticos, ao corrente dos principais problemas, capazes de escolher entre as diversas alternativas apresentadas pela forças políticas e fortemente interessados em formas diretas ou indiretas de participação. Numerosas pesquisas levadas a cabo nos últimos decênios demonstram claramente que a realidade é bem diferente (BOBBIO, 2000, p.889).

Nesse sentido, a ausência do exercício da cidadania expõe toda a fragilidade do ser humano, como indivíduo que renunciou a sua condição de agente capaz de modificar a própria história. Atualmente, é aceito que a cidadania inclua universalmente o direito a um nível de bem estar cultural, econômico e social, para além dos direitos à igualdade perante a lei, o homem deve aprender que viver no espaço público demanda prática e esse mesmo deve se educar, expressar, desenvolver e incorporar a tolerância, a solidariedade e a generosidade.

Hannah Arendt (1992) destaca a cidadania como o direito a ter direitos, discordando da nomeação de Bobbio dos direitos do cidadão como direitos do homem ou humanos. Arendt pensa que ao denominar os direitos do cidadão como direitos do homem ou humanos, a expressão fica sem uma dimensão prática de aplicação, permanecendo somente numa concepção filosófica. A afirmação da autora independe de grande esforço para a sua comprovação, uma vez que, apesar do desenvolvimento da teoria dos direitos humanos em todo o mundo, os direitos de todos continuam a ser violentados.

Ao conceituar os direitos humanos como o direito a ter direitos, “isto significa pertencer, pelo vínculo da cidadania, a algum tipo de comunidade juridicamente organizada e viver numa estrutura onde se é julgado por ações e opiniões, por obra do princípio da legalidade” (LAFER, 1991, p. 154). Nesse sentido, Arendt (1989) refere que a declaração dos direitos humanos carrega em si um paradoxo: são os direitos mais relevantes já conquistados, pois se preocupam com a preservação da espécie humana, mas não podem ser exigidos senão pelo vínculo da cidadania e aqueles que não os possuem ficam desprotegidos:

Os Direitos do Homem, afinal, haviam sido definidos como ‘inalienáveis’ porque se supunha serem independentes de todos os governos; mas sucedia que no momento em que os seres humanos deixavam de ter um governo próprio, não restava nenhuma autoridade pare protegê-los e nenhuma instituição disposta a garantí-los (ARENDT, 1989, p. 325).

Em âmbito brasileiro, Pedro Demo (1991) destaca que:

(...) uma das conquistas mais importantes do fim do século passado é o reconhecimento de que a cidadania perfaz o componente mais fundamental do desenvolvimento social, reservando-se para o mercado a função indispensável de meio. Este avanço está na esteira das lutas pelos direitos humanos e pela emancipação das pessoas e dos povos, bem como reflete o progresso democrático possível (DEMO, 1991, p. 1).

O mesmo autor acredita que a cidadania é a raiz dos direitos humanos “pois estes somente medram onde a sociedade se faz sujeito histórico capaz de discernir seu próprio projeto de desenvolvimento” (1991, p. 3), e conceitua cidadania como a “qualidade social de uma sociedade organizada sob a forma de direitos e deveres maioritariamente reconhecidos” (DEMO, 1988, p. 70).

Percebe-se uma variação no uso e compreensão da palavra cidadania entre os autores apresentados, no entanto, pode-se concluir que é uma palavra que ainda apresenta diversos significados, que, inicialmente, foi concebida para significar status. No entanto, com a evolução da sociedade a cidadania passa a significar uma qualidade de associado do Estado, que tem direito igual a ter direitos civis, políticos e sociais, em contrapartida a iguais deveres, conforme democraticamente estabelecido em lei. Cidadania, subjetivamente, é o conjunto de cidadãos natos ou naturalizados, que têm iguais deveres e direitos civis, políticos e sociais. Por exemplo, Cidadania Brasileira, a Cidadania Francesa, a Cidadania Romana. Nesse sentido, de acordo com Piovesan (1996) cidadania está como substantivo coletivo de cidadãos, conforme de domínio público, consagrado pelo uso, malgrado ainda não conste dos dicionários da língua portuguesa nem dos jurídicos.

Assim, a participação ativa do cidadão na comunidade garante-lhe a proteção estatal. No entanto, atualmente, o homem preocupa-se em como seus direitos individuais, sociais e políticos serão respeitados quando fora da nação, à qual se vincula sua cidadania. Nesse sentido, tem-se que os direitos fundamentais da pessoa humana (direitos humanos) são dirigidos a todas as pessoas, independentemente de onde se encontrem, bem como devem proteger a dignidade da pessoa humana em todos os sentidos, uma vez que são caracterizados por serem inalienáveis, imprescritíveis, irrenunciáveis, indivisíveis e universais, e devem ser respeitados.


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da história a humanidade vivenciou uma intensa luta pela promoção e reconhecimento dos direitos humanos. Nesse sentido, os direitos humanos são o resultado de uma evolução social dos seres humanos, ou seja, uma evolução do indivíduo que percorre cada um dos períodos históricos buscando sempre o reconhecimento de seus direitos. Atualmente, os direitos humanos são entendidos como direitos que são inerentes a qualquer pessoa, caracterizados pelos direitos individuais, sociais e políticos, que buscam a efetivação da dignidade dos indivíduos enquanto seres pertencentes à um Estado democrático de direitos. Logo, os direitos humanos devem ser consagrados e protegidos pelo Estado, sendo fundamentais ao homem. Neste contexto, a democracia é, sem dúvidas, uma forma efetiva de promover a cidadania e concretizar os direitos humanos. Ademais, ao longo da evolução histórica se percebe que tal constatação torna-se cada vez mais intensa, uma vez que os direitos políticos atingem progressivamente os sujeitos nas sociedades, e que esses direitos (políticos), como demonstrado, figuram com destaque na construção do conceito de cidadania.

Desta forma, considerando que a democracia reúne liberdades civis, alternância no poder, igualdade jurídica e busca pela igualdade social e econômica, participação popular na esfera pública, solidariedade, respeito à diversidade e tolerância e que no Estado democrático cada indivíduo pode participar das decisões políticas que afetem sua vida privada ou a coletividade, tem-se que o cidadão constitui-se como o sujeito que tem liberdade e autonomia para legislar para a coletividade e, em última instância, para si mesmo.

Neste ínterim, o cidadão representa elemento essencial para a democracia, uma vez que é ele quem escolhe os representantes legais que irão formular as leis, em nome deste cidadão. Quanto maior o número de atores-cidadãos participando da tomada das decisões políticas, mais democrática será a sociedade. A democracia marca a subordinação do poder ao Direito bem como pressupõe a proteção aos direitos humanos, já que a democracia sem proteção aos direitos tem sua existência ameaçada dentro do Estado.

Por fim, tem-se que a cidadania é essencial para a concretização dos direitos humanos, uma vez que estes são os direitos mais relevantes já conquistados pelo homem, pois além de se preocuparem com a preservação e proteção da espécie humana, também podem ser exigidos através da cidadania, que se caracteriza como a raiz dos direitos humanos. Percebe-se que ambos os conceitos estão entrelaçados, já que a cidadania é um componente fundamental para o desenvolvimento social do Estado democrático de direitos.

Assim, portanto, é possível verificar-se que a cidadania é indissociável do processo de desenvolvimento e consagração dos direitos humanos. Aliás, são facetas de uma mesma história da humanidade em busca de aperfeiçoamento das instituições jurídicas e políticas que garantam liberdade e dignidade, ou então, em outros termos, em busca da democracia. Destarte, os direitos humanos são dirigidos à todos e para todos. São direitos que independem da posição econômica, social, cultural, política e até mesmo jurídica dos sujeitos, pois devem proteger, acima de tudo, a dignidade da pessoa humana na sua mais abrangente amplitude, de forma a legitimar a efetividade e eficácia dos pressupostos que delimitam as interfaces do “verdadeiro” Estado democrático de direitos.