quinta-feira, 4 de junho de 2020

Jandira Feghali: Se não hoje, quando?


Foto: reprodução

O assassinato de George Floyd e as manifestações de maioria negra estadunidense alimentaram o debate sobre a postura da população brasileira frente aos casos semelhantes que acontecem, diariamente, em nosso país. Ao ver o vídeo do crime ocorrido em Minneapolis (EUA), imediatamente, recordei do assassinato do jovem Pedro Henrique Gonzaga, morto asfixiado em frente a sua mãe, após ter sido “imobilizado” por um segurança em um mercado no Rio de Janeiro.
À época, fizemos um ato na porta deste supermercado, exigimos apuração, punição e foram feitas representações ao MP. A mídia acompanhou por alguns dias e, depois, nunca mais ouvimos falar do caso. Todos os dias operações policiais, alinhadas a uma política de segurança predominante em nosso país, levam à morte pessoas negras e jovens nas ruas, periferias e favelas. Assistimos as notícias se multiplicarem, apesar de toda a indignação, denúncias, mobilizações e propostas de mudanças já formuladas. Essas perdas de vidas não ocorrem por imperícia, nem por azar, ou tampouco está relacionado ao fato dos negros serem maioria entre os mais pobres. Este genocídio é consciente, e está em curso por algo grave e permanentemente negado: o racismo estrutural.
É preciso lembrar que o Estado brasileiro, no começo do século XX, estabeleceu estratégias para consolidar a ideia de que vivemos em uma democracia racial. Muitas autoridades e parte da sociedade, até hoje, insistem em ecoar esta falácia como verdade. Ignoram que a escravidão no Brasil, que durou um longo período desde a fase colonial até grande parte do Império, arrancou à força cinco milhões de africanos, de seus países para serem comercializados, explorados, agredidos e violentados, tratados como se constituíssem uma “sub-raça”.
Isso deixou marcas numa elite atrasada e reacionária, que formou gerações e definiu comportamentos, conceitos, políticas, divisão no trabalho, hierarquias, prioridades e definição de acesso a direitos. A cor da pele e a origem passaram a ser a base para esses critérios! As consequências, ao longo das décadas, são conhecidas. Nas estatísticas relacionadas à pobreza, desemprego, níveis salariais, precarização do trabalho, escolaridade, inserção no desenhos urbano, direito à moradia, de representação política, percentual majoritário na população carcerária e, principalmente, dos assassinados, o racismo é escancarado de forma irrefutável.
Números que são assustadores para o conjunto da população negra, e ainda mais dramáticos para as mulheres negras, que enfrentam duplamente a carga que as opressões racial e de gênero lhes impõem.
Não reconhecer esta realidade, é inviabilizar sua transformação. É seguir reforçando o mito da democracia racial e enfraquecendo todas as instituições criadas ao longo das últimas décadas para desenvolver políticas públicas de enfrentamento às mais diversas ramificações do racismo na sociedade.
Os que formulam, dirigem e aplicam as políticas públicas e que minimizam a importância das políticas de promoção da igualdade racial e se mantém atravessados e não libertos do racismo, só veem os negros como seres humanos, quando estes estão com o título de eleitor na mão. Essas autoridades, também, são responsáveis pela manutenção dessa prática racista e, portanto, não podem se sentir confortáveis em seus gabinetes ignorando o que acontece diariamente ou, quando muito, divulgando notas de pesar com promessas que nunca são cumpridas.
Há séculos, os negros e negras brasileiros travam uma luta diária para sobreviver e transformar este país em um lugar sem violência e com igualdade de direitos. Desde os direitos básicos como ter onde morar, acesso à água, ao saneamento básico, ao que comer, acesso à saúde, à educação, ter reconhecida sua cultura, para que as mulheres negras não sejam agredidas, para não morrer, para ter uma sociedade onde a cor da pele não defina privilégio ou discriminação em todas as dimensões da vida.
O que temos visto, dia após dia, nas comunidades de todo o país é inaceitável. A inércia do Estado é inaceitável. A conivência de parcela da sociedade que normaliza (e, por vezes, comemora!) estas mortes é inaceitável. É para estes que as cobranças devem se voltar.
É preciso transformar, mas também punir. Racismo já é crime inafiançável no Brasil, mas muitas vezes é tipificado como injúria racial. Os agentes de segurança precisam ser capacitados para respeitar a vida de todos e todas igualmente, e os que não o fazem, devem ser indiciados, julgados e punidos exemplarmente, como também o Estado, responsável pela política de segurança genocida.
A frase de George Floyd que decretou a razão de sua morte, asfixia, repetida várias vezes – “Eu não consigo respirar” – e friamente ignorada pelos policiais brancos que impassivelmente o matavam, impregnou os ouvidos da humanidade. Junto dela, a repulsa gerada pelas imagens do crime não se diluiu, nem em momento de tantas dores e perdas da pandemia. São, por isso, fortes e positivos os sinais de que, juntamente às mobilizações, cresce a resposta ao racismo.
A luta antirracista faz parte da luta contra a opressão e precisa ser de toda a sociedade. Jamais seremos uma democracia plena enquanto uma parcela do povo for subalternizada, e no Brasil, esta parcela é majoritária! Como bem disse Milton Santos, precisamos parar de tratar este assunto adiando ações efetivas urgentes “para um amanhã que nunca chega”. A hora já passou, mas também é agora.
Vamos utilizar nossas redes, nossa voz e disposição para apoiar e lutar, não cobrar de quem sente na pele o poder devastador do racismo.
* Jandira Feghali (PCdoB-RJ) é deputada federal

Márcio Jerry propõe PEC antigolpe após Aras cogitar ação de militares

Foto: Richard Silva/ PCdoB na Câmara


Na tarde desta terça-feira (2), o vice-líder do PCdoB, deputado federal Márcio Jerry, protocolou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tornar explícita a proibição da participação das Forças Armadas em quaisquer tentativas de limitar ou suprimir um Poder sobre o outro no país.
Em entrevista ao jornalista Pedro Bial na noite desta segunda-feira (1º/6), o Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras, afirmou que um Poder que invade a competência de outro Poder, pode ensejar uma intervenção das Forças Armadas. A declaração causou mal-estar em membros do Supremo Tribunal Federal (STF) e gerou um alerta imediato entre parlamentares.
Artigo 142
Em reação à fala de Aras, o parlamentar justificou que nenhuma interpretação do artigo 142, que respeita o princípio da unidade da Constituição, “autoriza seu emprego para fundamentar qualquer tipo de intervenção militar promovida por um dos poderes contra a independência dos demais poderes constitucionais”.
No texto, o autor também argumenta que “não há, à luz do texto constitucional, fundamento válido para se promover, por parte do Poder Executivo, por exemplo, uma tal intervenção que resulte na limitação ou supressão de competências, prerrogativas e atribuições dos poderes Legislativo e Judiciário”.
Forças Armadas
De acordo com Jerry, a tentativa de intervenção do Poder Executivo aventada pelo procurador é algo grave, sem previsão na Constituição. “Hoje me espantei com a afirmação do Procurador, admitindo a possibilidade requerer a intervenção das Forças Armadas. Isso é inaceitável. Como parece que não está suficientemente claro para autoridades golpistas, estou acrescendo um parágrafo à Constituição”, declarou.
Márcio Jerry, que apelidou o texto de “PEC anti-golpe”, disse também que a proposta é também uma espécie de “vacina” à ordem constitucional , já que apoiadores do governo estão “fazendo uma avaliação golpista do artigo 142”.
“Não estamos em um momento de absoluta normalidade democrática no Brasil, porque temos um presidente da República que não nega a aspiração golpista. Porque temos, no comando da República, ministros que falam abertamente em rasgar a ordem constitucional. Temos um presidente da República que vai a manifestações de rua que pedem o fechamento do Congresso e do Supremo. Não podemos assistir a isso passivamente. Mas o seguro morreu de velho, como diz o dito popular”, sugeriu o deputado.
Independência entre Poderes
Ainda como argumento, o texto cita defende que “com a promulgação da emenda constitucional ora proposta, não haverá́ mais nenhum espaço para as interpretações distorcidas do art. 142 da Lei Maior. Nem tampouco será́ possível buscar nesse dispositivo fundamento para mudanças legislativas que venham a permitir a realização de operações de Garantia da Lei e da Ordem que ultrapassem os limites da Constituição, especialmente aqueles que asseguram separação e independência entre os poderes constitucionais”.
Por Nathália Bignon