domingo, 4 de junho de 2023

Texto Base - O Estado Moderno - Absolutismo

 O estado moderno - absolutismo

            O Estado absoluto da Idade Moderna apresentou um caráter ambíguo, refletindo o sentido de transição do período. De um lado, foi um "Estado feudal transformado" com a burocracia. administrativa, formada em grande parte pelos senhores feudais; que mantinham valores e privilégios seculares; e outro, um dinâmico agente mercantil, unificando mercados, eliminando barreiras internas que entravavam o comércio, uniformizando moedas, pesos e leis, além de empreender conquistas de novos mercados.

            Entretanto, nascido da aliança rei-burguesia na Baixa Idade Média, da necessidade socioeconômica e da política da época, acabou se tornando parasitário e aristocrático, necessitando cada vez mais de uma crescente tributação. Em fins da Idade Moderna, o poderio e esplendor dos reis absolutistas opunham-se ao empreendimento burguês, à lucratividade e à capitalização em curso, levando ao processo das revoluções burguesas que, ao derrubar os monarcas absolutistas, inaugurariam o mundo contemporâneo.

 

Teóricos do absolutismo

            No início da Idade Moderna, mudanças culturais expressas pelo Renascimento, que reestruturou a ideologia política europeia permitiram desbancar a supremacia da mentalidade escolástica. Com uma ideologia política livre das amarras da Igreja, puderam surgir teorias justificadoras do Estado absolutista.

            Para Tomás de Aquino, o criador da escolástica, a política possuía um conteúdo ético, estando subordinada a valores ditados pela Igreja. Segundo a concepção tomista, o imperativo da moral, do bem comum e o respeito aos direitos naturais do homem compunham os fundamentos limitadores do poder político.

            Na Idade Moderna, os intelectuais, sobrepujando a mentalidade medieval, criaram uma -ideologia política típica do período, legitimando o absolutismo. Alguns, como Maquiavel, defendiam a teoria de que a política, representada pelo soberano, deveria atender ao "interesse nacional". Outros, como Hobbes, partiam da concepção de um "contrato entre governados e Estado". Vários foram os pensadores que se destacaram na teoria política do período absolutista.

            O mais importante deles foi Nicolau Maquiavel (1469-1527), membro do governo dos Médicis, de Florença. Em suas obras (Mandrágora, Discursos sobre a década de Tito Lívio, O príncipe), expressa revolta quanto à situação da Itália, devastada pela divisão em repúblicas rivais. Aponta como solução para o país o despertar do interesse nacional, abrangente, postura que deveria ser assumida pelo "príncipe", a fim de restaurar a unidade da República italiana.

 

O príncipe, de Maquiavel

"O príncipe atormentou a humanidade durante quatro séculos. E continuará a atormentá-la...". A frase refere-se à obra de Maquiavel que serviu de instrumento teórico a muitos governantes autoritários e totalitários, do século XVI ao século XX: àqueles que fizeram da "razão de Estado" o pretexto para sufocar liberdades individuais de toda a sociedade.

Sobressaem-se em sua obra outras frases, que isoladamente, fora de contexto, têm servido a ditadores diversos: "O triunfo do mais forte é o fato essencial da história humana". "Todos os profetas armados venceram, desarmados arruinaram-se." "Desprezar a arte da guerra é o primeiro passo para a ruína, possuí-la perfeitamente, eis o meio de elevar-se ao poder."

Assim, "Maquiavel — nome próprio universalmente conhecido, que teria de formar um substantivo, 'maquiavelismo', e um adjetivo, 'maquiavélico' — evoca uma época, a Renascença; uma nação, a Itália; uma cidade, Florença; enfim, o próprio homem, o bom funcionário florentino que, na maior ingenuidade, na total ignorância do estranho futuro, trazia o nome de Maquiavel, votado à reputação mais ruidosa e equívoca".

CHEVALIER, Jean-Jacques, As grandes obras políticas — de Maquiavel a nossos dias. Rio de Janeiro, Agir, 1960. p. 48.

 

            Maquiavel, no livro O príncipe, aconselha o soberano florentino a que fique acima das considerações morais, mantendo a autonomia política. Para ele, "os fins justificam os meios" e a razão de Estado deve sobrepor-se a tudo, ou seja, o soberano tudo pode fazer quando busca o bem-estar do país. Quando está em jogo o interesse do Estado — sentencia Maquiavel — até a "força é justa quando necessária".

            Preocupado com o estabelecimento de um Estado forte, Maquiavel defende que a autoridade do príncipe, embora às vezes brutal e calculista, é vital para o seu sucesso e consequentemente para o do Estado. Num posicionamento contrário à concepção tomista, chega a questionar se seria preferível a um príncipe ser amado ou ser temido, e conclui: "Creio que seriam desejáveis ambas as coisas, mas, como é difícil reuni-las, é mais seguro ser temido do que amado".

            Thomas Hobbes (1588-1619), considerado por muitos o teórico que melhor definiu a ideologia absolutista, articulou um sistema lógico e coerente para apresentar a necessidade do Estado despótico. O próprio título de seu livro, Leviatã (nome do monstro fenício do caos), nos dá a ideia do que para ele seria esse Estado: uma grande entidade todo-poderosa que dominaria todos os cidadãos.

            Hobbes justifica o Estado absoluto apontando-o como a superação do "estado de natureza". Para ele, na sociedade primitiva ninguém estava sujeito a leis, tendo tão-somente de satisfazer sua avidez intrínseca pelo poder, pelo interesse próprio. Levando uma "vida solitária, pobre, grosseira, animalizada e breve", todos estavam permanentemente em guerra entre si — o homem era como "um lobo para o homem" (homo homini lupus).

            Numa fase posterior, os homens dotados da razão, do sentimento de autoconservação e de defesa buscam superar esse estado natural de destruição unindo-se para formar uma sociedade civil, mediante um CONTRATO segundo o qual cada um cede seus direitos ao soberano. Dessa forma, renuncia-se a todo direito de liberdade, nocivo à paz, em benefício do Estado.

            Hobbes conclui que a autoridade do Estado deve ser absoluta, a fim de proteger os cidadãos contra a violência e o caos da sociedade primitiva, motivo pelo qual os homens se unem politicamente, organizando-se num Estado absoluto e vivendo felizes tanto quanto permite a condição humana. Hobbes afirma ainda que "é lícito ao rei governar despoticamente, já que o próprio povo lhe deu o poder absoluto".

            Jacques Bossuet (1627-1704), de 1670 a 1679, cuidou da educação do filho do rei francês Luís XIV, escrevendo Memórias para a educação do delfim e Política segundo a Sagrada Escritura, obras em que estabeleceu o princípio do direito divino dos reis, isto é, do poder real emanado de Deus. Segundo Bossuet, a autoridade do rei é sagrada, pois ele age como ministro de Deus na terra, e rebelar-se contra ele é rebelar-se contra Deus.

            A teoria de Bossuet influenciou sobremaneira os reis franceses da dinastia Bourbon, Luís XIV, Luís XV e Luís XVI, dando-lhes subsídios para incorporar a noção de "direito divino" à autoridade real. "Aquele que deu reis aos homens quis que eles fossem respeitados como Seus representantes", afirmava Luís XIV.

            Outro teórico absolutista de destaque foi Jean Bodin (1530-1596), autor de A República, que defendia a ideia da "soberania não partilhada". Para ele, a soberania real não pode sofrer restrições nem submeter-se a ameaças, pois ela emana das leis de Deus, sendo a primeira característica do príncipe soberano ter o poder de legislar sem precisar do consentimento de quem quer que seja. Hugo Grotius (1583-1645), autor de Do direito da paz e da guerra, trata basicamente do direito internacional, mas defende também o governo despótico, o poder ilimitado do Estado, afirmando que sem ele se estabeleceria o caos, a turbulência política.

 

O absolutismo francês

            O início do processo de centralização política na França remonta ao período dos capetíngeos, na Baixa Idade Média, tendo-se acelerado depois da Guerra dos Cem Anos (1337-1453), com a dinastia seguinte, a dos Valois. O apogeu do absolutismo, entretanto, só se configuraria com a dinastia dos Bourbons.

            Na época dos Valois, o cenário político francês foi dominado pelas "guerras de religião", destacadamente durante o século XVI, dificultando a completa centralização política. Burgueses, nobres e populares, uns sob a bandeira protestante e outros sob a católica, disputavam espaços na sociedade e na política, envolvendo os próprios soberanos Valois. Além das questões religiosas, católicos e protestantes discordavam quanto a limitar ou apoiar as prerrogativas do rei e quanto a manter ou conquistar liberdades.

            Durante o governo de Carlos IX (15601574), acirrou-se a luta entre católicos e huguenotes (na França, os protestantes calvinistas). A facção católica liderada pela família Guise, que tinha o apoio de Catarina de Médicis, mãe do rei, e a huguenote dirigida pelos Bourbons colocaram em confronto a nobreza católica defensora dos antigos privilégios feudais e a burguesia mercantil calvinista. O ponto máximo dessa luta foi a Noite de São Bartolomeu — 24 de agosto de 1572 em que foram massacrados milhares de protestantes. Dentre os líderes huguenotes mortos neste massacre estava o Almirante Coligny, que foi decapitado e seu corpo arrastado pelas ruas de Paris.

 

A Noite de São Bartolomeu

“Catarina de Médicis era aristocrática, católica e ambiciosa e os protestantes vinham adquirindo em seu país influência e riqueza cada vez maiores. Seu filho, o rei Carlos IX, tinha, aliás, entre os que o cercavam alguns huguenotes, como o Almirante Gaspar de Coligny, líder dos protestantes.

Catarina promoveu, então, um atentado contra a vida de Coligny, que, entretanto, acabou apenas ferido no braço. A tensão tornou conta de Paris e Catarina conseguiu envolver todo o governo para uma ação definitiva contra Coligny e os protestantes, preparando a Noite de São Bartolomeu. A cidade foi cercada e cerca de três mil huguenotes foram mortos por hordas de católicos. A matança assumiu feições de uma guerra civil”.

 

            Dois anos depois, com a morte de Carlos IX, subiu ao trono seu irmão Henrique III, que governou até 1589. Durante seu governo, o católico Henrique Guise disputou a hegemonia política com o próprio rei Henrique III, que era apoiado pelo protestante Henrique de Navarra Bourbon. Essas disputas — conhecidas como a Guerra dos Três Henriques – terminariam com o assassinato de Henrique Guise e a vitória do protestante Henrique de Navarra, definido como herdeiro e sucessor de Henrique III. Começava a dinastia Bourbon, durante a qual o absolutismo francês alcançaria seu auge.

 

A dinastia Bourbon

            Henrique de Navarra, protestante, teve de enfrentar a oposição dos católicos para ser coroado rei da França. Os conflitos armados estenderam-se por todo o país e Henrique e seus adeptos conseguiram tomar Paris. Contudo, os católicos obtiveram ajuda militar de Felipe II da Espanha, e Henrique teve de abandonar a capital, sofrendo sucessivas derrotas.

            Buscando compor-se com os católicos e conseguir transformar-se no rei dos franceses, Henrique abandonou o protestantismo, proferindo a frase "Paris bem vale uma missa". As portas de Paris foram abertas a Henrique, e ele subiu ao trono da França, em 1589, com o título de Henrique IV, reinando até 1610.

            Em 1598, para encerrar a quase secular divergência religiosa na França, promulgou o Edito de Nantes, que concedia liberdade de culto aos protestantes. Com a pacificação do país, foi possível a consolidação do absolutismo na França.

            Após a morte de Henrique IV, assume o trono francês, aos nove anos de idade, Luís XIII (1 610-1643), ficando a regência com sua mãe, Maria de Médicis. Em 1612, foi convocado, pela última vez até a Revolução Francesa de 1789, o Parlamento — chamado Estados Gerais o que indicaria que os Bourbons, absolutistas por excelência, dispensavam as interferências dos deputados dos Estados Gerais.

            Durante o reinado de Luís XIII, destacou-se a atuação do ministro de Estado, cardeal Richelieu (1624-1642). Buscando enfraquecer a influência política da nobreza, cassou direitos dos que se opunham ao rei, chegando mesmo a atacar seus castelos. De outro lado, possibilitou o acesso da burguesia a cargos da administração pública e, apesar de garantir a liberdade religiosa, perseguiu protestantes, limitando seu poderio.

            No plano internacional, a ação de Richelieu também foi marcante, tornando a França uma das grandes potências europeias da época. Preocupado com o poderio da dinastia Habsburgo, que nos séculos XVI e XVII reinava na Espanha, no Sacro Império, na Holanda e em alguns reinos italianos, Richelieu levou a França a intervir na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Esse conflito começara com disputas religiosas no Sacro Império Romano-Germânico e acabou por desdobrar-se num confronto entre a dinastia dos Habsburgos e a dos Bourbons, que visava à hegemonia política na Europa. Defrontaram-se católicos Habsburgos (Áustria e Espanha) e protestantes da Boêmia, Dinamarca, Suécia, Holanda e principados alemães. A França interveio na guerra lutando contra os católicos a fim de enfraquecer os Habsburgos.

            A guerra terminou em 1648, já no reinado de Luís XIV, com a vitória da França, que impôs aos Habsburgos a Paz de Vestfália. Com a vitória, a França recebia as províncias da Alsácia e Lorena, além dos bispados de Metz, Toul e Verdun.

            O apogeu do absolutismo francês se deu no reinado de Luís XIV (1643-1715) — o Rei Sol que assumiu o trono ainda criança, tendo como ministro o cardeal Mazzarino. Aplicando uma eficiente política centralizadora, Mazzarino eliminou as frondas, associações de nobres e burgueses, opositoras do absolutismo e especialmente revoltadas com os crescentes tributos baixados pelo Estado para recuperar o tesouro público francês, após a Guerra dos Trinta Anos. A vitória de Mazzarino representou o fim da última ameaça à consolidação do absolutismo, e a partir de 1660, quando Luís XIV assumiu pessoalmente o comando político da França, passou a aplicar a sua máxima "L'Etat c'est moi” ("0 Estado sou eu").

            Após a morte de Mazzarino, em 1664, Luís XIV entregou o ministério das finanças a Jean Baptiste Colbert, que desenvolveu a base mercantilista do absolutismo francês. O mercantilismo de Colbert, além de fazer prosperar a burguesia, dotou o governo de recursos que garantiam seu poderio. Promoveu-se, assim, o desenvolvimento das manufaturas e da navegação, além de conquistas territoriais na Asia e América, criando-se companhias de comércio incentivadas pela Coroa.

            Espelhando a grandiosidade econômica e política do Estado, Luís XIV transferiu sua corte (perto de seis mil pessoas) para Versalhes, um grande conjunto arquitetônico construído entre 1661 e 1674, que atraiu as atenções de toda a Europa.

            O século XVII, época de Luís XIV, foi um período de grande efervescência cultural na França, destacando-se importantes pensadores e artistas como Descartes, Pascal, La Fontaine, Racine e Moliàre.

            Na política externa, buscando garantir sua hegemonia territorial, Luís XIV envolveu a França em confrontos militares que abalaram as finanças do Estado. Para solucionar suas dificuldades financeiras, mantinha a política de aumento de impostos, descontentando a burguesia e atraindo críticas e oposição.

            Em 1685, fiel ao seu caráter despótico e fundamento no princípio “um rei, uma lei, uma fé”, Luís XIV reformulou a política religiosa nacional, revogando o Edito de Nantes. A perseguição religiosa desencadeada levou milhares de huguenotes, em geral burgueses, a emigrar, arruinando a economia mercantil e abrindo espaço às primeiras críticas ao regime absolutista.

            A supremacia francesa na Europa começava a se fragmentar, dando lugar à hegemonia inglesa. Esse processo acelerou-se durante os governos de Luís XV (1715-1774) e de Luís XVI (1774-1792), nos quais a asfixia financeira do Estado e da Nação agravou-se, devido aos gastos excessivos da Corte, aos ilimitados impostos sobre a burguesia e a população e aos fracassos militares.

            A Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e a Guerra de Independência dos Estados Unidos (1776-1781) ajudaram a acelerar a decadência do Estado absoluto francês. Na Guerra dos Sete anos, a França enfrentou a Inglaterra disputando o mercado europeu e áreas coloniais; derrotada, perdeu o Canadá e a Índia. Mais tarde, o dispendioso apoio à vitoriosa Guerra de Independência dos Estados Unidos contra a Inglaterra aprofundou as dificuldades econômicas do Estado francês. Assim, após Luís XIV, o absolutismo francês foi perdendo sua força e, pouco a pouco, surgiram as condições para a eclosão da Revolução Francesa de 1789, que demoliria o Antigo Regime na França.

 

A monarquia absoluta na Inglaterra

            O início da centralização política na Inglaterra só ocorreu após as guerras dos Cem Anos (1337-1453) e das Duas Rosas (1455-1485), que arruinaram a nobreza inglesa, possibilitando a ascensão da dinastia Tudor (1485-1603). Foi essa dinastia que, com o apoio da burguesia e do Parlamento, instalou o absolutismo no país.

            Henrique VII (1485-1509), o primeiro governante Tudor, pacificou o país e consolidou o Estado nacional inglês. Mas foi Henrique VIII (1509-1547) que, sujeitando o Parlamento, deu as características absolutistas à monarquia inglesa. Realizou a Reforma protestante na Inglaterra, fundando, com o Ato de Supremacia de 1534, a Igreja anglicana, da qual se tornou a maior autoridade. Seu filho e sucessor, Eduardo VI (15471553), garantiu em seu curto reinado a reforma religiosa, mas sua irmã e sucessora Maria I (1553-1558), casada com o rei católico da Espanha, Felipe II, restabeleceu o catolicismo, perseguindo ferozmente os protestantes ingleses.

            Elizabeth I (1558-1603), outra filha de Henrique VIII, assumiu o trono com a morte de Maria I e retomou a política do pai, consolidando o anglicanismo. Desenvolveu também agressiva política mercantilista, buscando aumentar o poderio da Inglaterra nos mares.

            Em seu reinado, iniciou-se efetivamente a colonização da América do Norte, com a fundação, em 1584, da colônia de Virgínia, por Sir Walter Raleigh. Ao mesmo tempo, como meio de enfraquecer os poderosos impérios espanhol e português, Elizabeth I apoiou a atividade corsária, na qual se destacou Francis Drake, que seria consagrado nobre pela rainha devido aos serviços prestados ao reino.

            Em 1588, Felipe II da Espanha armou uma expedição naval para atacar a Inglaterra e confirmar a hegemonia espanhola em todo o mundo. A chamada Invencível Armada, entretanto, foi destruída pelas forças inglesas, levando à ruína o poderio espanhol, que entrou em acelerada decadência econômica. Portugal, que nessa época estava unido à Espanha, formando a União Ibérica (15801 640), devido a razões sucessórias, sofreu os reflexos dessa ruína.

            Em 1603, encerrou-se a dinastia Tudor com a morte de Elizabeth l, que não deixara herdeiros. Por razões de parentesco, o trono passou para o rei da Escócia, Jaime l, que iniciou a dinastia Stuart.

            Contudo, os Tudors deixavam um país com a autoridade real consolidada, só que em acordo com o Parlamento, especialmente fortalecido com os favorecimentos realizados para com a pequena nobreza e os comerciantes.

            Muitos dos novos grupos emergentes da sociedade inglesa, dinamizada pela política mercantilista, pelo comércio, pelos cercamentos (terras de onde os camponeses foram expulsos, trocando a produção agrícola nos moldes feudais pela produção rural comercial, inicialmente prevalecendo a criação de ovelhas), e até pela pirataria patrocinada pelo próprio Estado, foram elevados aos altos postos governamentais (Conselho Privado, tribunais e outros cargos), iniciando um processo de ampliação de prestígio e busca de maiores espaços políticos no Estado inglês. Não raramente, tais grupos sociais emergentes abraçavam o puritanismo, imbuído de uma visão religiosa e política mais sintonizada com seus anseios.

            Ao contrário, no final do período Tudor, a tradicional aristocracia, muito mais comercial, empreendedora e ciosa de autonomia que a aristocracia feudal do continente, apegava-se fortemente ao anglicanismo e até ao catolicismo desbancado pelo Ato de Supremacia de Henrique VIII. Essas forças sociopolíticas iriam criar sérias turbulências no governo dos Stuarts.

 

Os governantes Stuart

            Jaime I (1603-1625) uniu a Inglaterra à Escócia, sua terra natal, ao mesmo tempo que se aliou aos grandes nobres, desencadeando a insatisfação da burguesia e do Parlamento, que o consideravam estrangeiro. Para garantir-se no trono, Jaime I vendeu inúmeros títulos de nobreza e promoveu a adoção rigorosa do anglicanismo, o que resultou em violentas perseguições a católicos e puritanos calvinistas.

            Muitos puritanos, avessos ao absolutismo anglicano do monarca, dirigiram-se para o Novo Mundo, dando início, de fato, à colonização da América inglesa. Os primeiros embarcaram no navio Mayflower e fundaram Plymouth, a primeira colônia de povoamento puritana da região que seria conhecida como Nova Inglaterra, no nordeste da América do Norte.

            Carlos I (1625-1648), sucessor de Jaime l, tentou reforçar o absolutismo estabelecendo novos impostos sem a aprovação do Parlamento, o que agravou a tensão entre a Coroa e os deputados. Em 1628, o Parlamento sujeitou o rei ao juramento da "Petição dos Direitos" — também chamada de Segunda Carta Magna inglesa —, que garantia a população contra tributos e detenções ilegais. Obtendo em troca a aprovação dos impostos que queria em 1629, Carlos I dissolveu o Parlamento. Reconvocou-o apenas em 1 640, quando necessitou de fundos para conter uma rebelião iniciada na Escócia; mas, diante da insistência dos deputados em limitar os poderes reais, Carlos I tentou dissolvê-lo novamente. Esse confronto desencadeou uma violenta guerra civil na Inglaterra.

 

A guerra civil (1641-1649) e a República puritana (1649-1658)

            As forças inglesas dividiram-se em dois partidos: os Cavaleiros, partidários do rei, que contavam com o apoio dos latifundiários, dos católicos e dos anglicanos; e os Cabeças Redondas, defensores do Parlamento. Liderados por Oliver Cromwell, os Cabeças Redondas derrotaram os Cavaleiros em Naseby, aprisionando e executando o rei e instaurando o regime republicano, denominado Commonwealth.

            A execução de Carlos I marcou um fato inédito na história europeia, pois, pela primeira vez, um monarca foi executado por ordem do Parlamento e não por intrigas palacianas. Ao tomar essa decisão, a sociedade, representada pelo Parlamento, sepultava um princípio político central do Estado moderno: a ideia da origem divina do rei e de sua incontestável autoridade. A guerra civil inglesa fomentou novas ideias, que prenunciavam os acontecimentos do século seguinte, o "Século das Luzes", lançando as bases políticas do mundo contemporâneo.

            Inicialmente, Cromwell governou a Inglaterra com o apoio do Parlamento, composto em sua maioria de puritanos — os calvinistas ingleses. Em 1653, Cromwell dissolveu o Parlamento e impôs uma ditadura pessoal, assumindo o título de Lorde Protetor da República. A ditadura inglesa perdurou até sua morte, em 1658.

            Durante o governo de Cromwell, a Inglaterra foi adquirindo os contornos da potência mundial que se tornaria nos séculos seguintes. Para tanto, priorizou-se o desenvolvimento da indústria naval, lançando-se, a partir de 1650, os Atos de Navegação, decretos que protegiam os mercadores ingleses e suprimiam a participação holandesa no comércio britânico, muito forte até então. Essa situação levou a uma guerra entre Holanda e Inglaterra (16521 654), da qual esta saiu vitoriosa, consolidando sua hegemonia marítima.

            Após a morte de Cromwell (1 658), iniciou-se um período de instabilidade e de lutas internas, até que o Parlamento voltou a reunir-se, decidindo pelo restabelecimento da monarquia, com o retorno da dinastia Stuart.

 

A volta dos Stuart e a Revolução Gloriosa (1688-1689)

            Carlos II (1660-1685), filho de Carlos I e educado na corte de Luís XIV, era simpatizante do catolicismo e tentou restabelecer o absolutismo na Inglaterra. Diante das pretensões do monarca, o Parlamento dividiu-se em dois partidos: Whig, composto de burgueses liberais, adversários dos Stuart e partidários de um governo controlado pelo Parlamento; e Tory, conservadores, absolutistas, pró-Stuart e adeptos do anglicanismo.

            Com a morte de Carlos II, tomou o poder Jaime II, que deu continuidade à política de restauração do absolutismo, sofrendo por isso oposição dos Whigs. Entretanto, em 1 688, um acontecimento desfez toda a base política de Jaime II, fortalecendo decisivamente a oposição e precipitando uma revolução que derrubaria o absolutismo inglês. Depois do casamento com uma esposa protestante, do qual nasceram duas filhas, Jaime II, já idoso, casou-se novamente, dessa vez com uma católica. Em 1688, ocorreu o inesperado nascimento de um herdeiro, um filho católico. Whigs e Tories, contrários à sucessão de um governante católico que seria suspeito de reinstaurar o catolicismo e definitivamente o absolutismo —, aliaram-se contra Jaime II, oferecendo o trono a Guilherme de Orange, protestante, casado com uma das filhas do primeiro casamento de Jaime II e chefe de Estado da Holanda.

            Guilherme III invadiu a Inglaterra, expulsou Jaime II e, vitorioso, jurou o Bill of Rights (Declaração de Direitos), que estabelecia as bases da monarquia parlamentar, ou seja, a superioridade da autoridade do Parlamento sobre a do rei. Determinou-se também a criação de um exército permanente, a garantia da liberdade de imprensa e da liberdade individual, a proteção à propriedade privada e a autonomia de atuação do poder judiciário. Definiu-se ainda que novas taxações teriam de ser aprovadas pelo Parlamento e, segundo o Ato de Tolerância, que haveria liberdade religiosa a todos os protestantes.

            Assim, as decisões tomadas com a Revolução Gloriosa, nome que se deu à queda de Jaime II, firmavam a substituição da monarquia absolutista pela monarquia parlamentar constitucional. Essa Revolução teve, para a Inglaterra, o mesmo papel que, para a França, teve a Revolução Francesa de 1789, no que se refere à derrubada do Estado absoluto e ao surgimento das condições políticas essenciais à burguesia, como a edificação de um Estado burguês, favorável à posterior eclosão da Revolução Industrial.

 

O absolutismo no restante da Europa

            Embora tenha sido a política dominante da Idade Moderna em toda a Europa, o absolutismo apresentou peculiaridades em cada região em que se instaurou.

            Na Prússia parte da Germânia O Estado absolutista formou-se somente a partir do século XVII, com Frederico Guilherme Hohenzollern de Brandemburgo (16401688). Com a Reforma luterana do século anterior, a região se fragmentara em diversos principados, controlados pelos nobres.

            Compondo-se com os senhores locais – junkers – Frederico Guilherme tomou medidas que levaram à criação do Estado nacional prussiano, como a ampliação dos tributos nacionais e do exército e o estímulo ao desenvolvimento comercial e à criação de companhias de comércio.

            Frederico I (1688-1713) continuou o processo de centralização e seu sucessor, Frederico Guilherme I (1 713-1740), fortaleceu o Estado, incentivando a militarização (serviço militar obrigatório) e o serviço público. Frederico II (1740-1786) incentivou o desenvolvimento comercial e manufatureiro, fazendo da Prússia um dos mais importantes Estados da Europa.

            Na Rússia, o grão-ducado de Moscou desenvolveu-se na Baixa Idade Média como um centro aglutinador do Império Russo. Desde então, os príncipes foram estendendo seus domínios, culminando com Ivan, o Grande (1462-1505), que se proclamou czar (= César) de toda a Rússia, ampliando seu domínio até o oceano Glacial Ártico e os montes Urais. Foi nesse período que se construiu a sede governamental, o Kremlin. Com Ivan, o Terrível (1533-1584), a expansão russa fez-se em direção ao sul e ao oriente, ao mesmo tempo que se colonizou a Sibéria.

            Entretanto, foi com Pedro, o Grande (1672-1725) que a Rússia buscou a europeização, através do desenvolvimento econômico e da implantação de instituições típicas do Estado moderno europeu. Instaurou-se um eficiente intervencionismo estatal nos moldes do mercantilismo, desenvolveu-se exército e marinha regulares e modernizados, fez-se a estruturação financeira do Estado, implantando-se uma administração pública eficiente. Promoveu-se também o comércio, atenuando laços feudais e garantindo, inclusive, autonomia às cidades frente aos senhores rurais (boiardos). Como decorrência, também os costumes se ocidentalizaram, com a obrigatoriedade de uso da indumentária europeia e a absorção de alguns hábitos das cortes, como o tabagismo.

            Catarina II (1762-1796) reforçou a política modernizadora e centralizadora de seus antecessores, transformando a Rússia numa importante potência europeia, através de incentivos culturais, como a fundação da Universidade de Moscou e de inúmeras escolas primárias, além da correspondência com importantes pensadores ocidentais

            Na Áustria, Estado agrícola e feudal, o despotismo foi exercido pela dinastia dos Habsburgos, destacando-se Maria Teresa (1740-1780), que organizou um exército nacional, e José II (1780-1790), que buscou centralizar a administração e a cultura, inspirando-se em Estados ocidentais.


Vicentino, Cláudio. História Geral. ed. atual. e ampl.. São Paulo. Scipione, 1997.