sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Apostila Fim do Império e República


O FIM DO IMPÉRIO

A partir dos anos 70 do século XIX teve início a decadência do Segundo Reinado, repleta de crises que desembocaram no movimento republicano de 1889. O desgaste do regime imperial pode ser atribuído a diversos fatores, destacando-se o fim da escravidão, os choques com a Igreja, o avanço do movimento republicano e o conflito com o exército. Vamos levantar cada uma dessas questões para que possamos compreender a queda da monarquia e a proclamação da República no Brasil.


O FIM DA ESCRAVIDÃO

No capítulo anterior vimos que as disputas políticas pelo governo foram quase neutralizadas durante o reinado de D. Pedro II, graças à composição entre os grupos oligárquicos, o que não significou que as diferenças e interesses conflitantes entre eles tivessem desaparecido.

Em meio às grandes transformações socioeconômicas do período, as elites imperiais acabaram adotando posições políticas diferenciadas e que tenderam ao enfraquecimento da monarquia. Um exemplo disso deu-se na questão do fim da escravidão, decorrente da ascensão da economia cafeeira no Centro-Sul, enquanto decaía a economia nordestina. Nesse caso, especialmente depois da Bill Aberdeen, foi intenso o tráfico interprovincial de cativos para a cafeicultura, juntamente com o deslocamento de escravos das cidades para as fazendas de café, levando os cafeicultores a agarrar-se ao escravismo ou ao princípio da abolição com indenização. Os proprietários de terras e escravos chegaram mesmo a advogar a libertação de cativos desde que feita por suas próprias mãos, sem a interferência do governo, que poderia, ao instituir direitos para os negros, acirrar o radicalismo na luta dos escravos.

"Desde 1847, devido a grandes secas no Nordeste e sobretudo no Ceará, os cativos dessas regiões eram vendidos para o Centro-Sul cafeicultor. Antes da publicação da lei, grandes quantidades de cativos foram importados preventivamente. Quando elas se esgotaram, os cafeicultores do Centro-Sul passaram a comprar, a alto preço, cativas das cidades e das províncias de todo o Brasil.
Por décadas, o tráfico interno alimentaria as necessidades da produção cafeicultora. Porém, o novo comércio de trabalhadores escravizados modificaria, de forma revolucionária, a sociedade. Valorizados, cativos empregados em regiões ou em atividades menos produtivas eram vendidos, de todos os pontos do Brasil, aos cafeicultores. Pela mesma razão, os senhores urbanos desfaziam-se de seus negros.
Com a concentração dos cativos no Centro-Sul e importantes regiões despovoando-se de escravos, em poucos anos rompeu-se a unanimidade escravista nacional. Pela primeira vez na história do Brasil, surgiam, nas cidades e nos campos, regiões e grupos sociais que não dependiam do trabalho escravizado. "
(MAESTRI, Mario. O escravismo no Brasil. São Paulo, Atual, 1994. p. 98.)

A opinião abolicionista foi favorecida nos anos 1860, além do quadro internacional antiescravista, pelo fim da Guerra de Secessão nos Estados Unidos e consequente abolição, deixando o Brasil como o último país independente da América a manter a escravidão. (Cuba e Porto Rico eram também escravistas, porém pertenciam, ainda, à Espanha. Em 1870 foi determinada pela Espanha a liberdade dos filhos de escravos e dos anciãos nessas suas colônias.)
O envolvimento governamental na efervescência das pregações abolicionistas e a posição conservadora dos cafeicultores chegaram ao ápice em 1871, quando acabou sendo aprovada a Lei do Ventre Livre, mesmo com os votos contrários das províncias de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Rio Grande do Sul. A lei determinava que os filhos de escravas nascidos a partir daquela data seriam considerados livres, e a sua tramitação na Assembleia afastou o governo das elites mais poderosas do país, fixadas no Centro-Sul do Brasil, que argumentavam que a medida era uma afronta ao direito de propriedade sobre os cativos.

Os efeitos da Lei do Ventre Livre, também conhecida como Rio Branco, foram reduzidos, na medida em que o escravo, livre no momento do seu nascimento, mas considerado "ingênuo", permaneceria sob a tutela do proprietário da mãe até atingir oito anos de idade. Nesse momento, o proprietário escolhia receber uma indenização ou o direito de explorar gratuitamente o trabalho do escravo "livre" até este completar 21 anos.

Em 1885, foi aprovada a Lei dos Sexagenários, que libertava os escravos com mais de 65 anos de idade. Obviamente, apenas um número muito reduzido de escravos foi libertado por meio dessa lei, uma vez que poucos atingiam tal idade. Além disso, um escravo de 65 anos quase sempre não estava mais em condições de trabalhar, representando apenas custo para o proprietário. A legislação abolicionista criada pelo governo imperial, portanto, era estéril na prática, representando apenas uma tentativa de aplacar o movimento abolicionista, particularmente forte na imprensa.

Ao mesmo tempo, multiplicavam-se em todo o Brasil as fugas de escravos e, dada a impossibilidade de mantê-las sob controle, esse fator acelerou o processo de abolição. Lembremos que o exército brasileiro, fortalecido inclusive politicamente após a Guerra do Paraguai (1865-70), tinha fortes tendências abolicionistas, não sendo raros os oficiais que desobedeciam às ordens de caça a escravos fugidos. Algumas províncias, notadamente Ceará e Amazonas, anteciparam-se ao governo imperial, abolindo a escravidão em seus territórios já em 1884, sendo seguidas por algumas cidades do Rio Grande do Sul no ano seguinte.

Observa-se que o movimento abolicionista se confundia com o crescente republicanismo. Na verdade, criticava-se o Império, taxando-o de politicamente atrasado por manter a escravidão.

Grande parte da agitação abolicionista resumia-se a atividades panfletárias e jornalísticas nos grandes centros urbanos, notadamente no Rio de Janeiro. Tal agitação teve sua importância em pressionar o governo a tomar medidas abolicionistas, muito embora, como observamos, as iniciativas imperiais no campo das leis eram praticamente inúteis.

Enquanto isso, surgia em São Paulo o grupo dos caifazes, voltados ao combate à escravidão através de medidas práticas, em alguns casos, até revolucionárias. Infiltravam-se nos alojamentos dos escravos planejando e ajudando a realizar fugas em massa de cativos, criando rotas de fuga e áreas de concentração de negros fugidos, muitas vezes dentro de grandes cidades.

"Eram liderados por Antônio Bento de Souza e Castro, proveniente de uma família abastada, advogado, promotor e juiz de direito. Antônio Bento era uma figura insólita: seu abolicionismo intransigente era baseado num profundo fanatismo cristão, que o fazia considerar-se, bem como a seus seguidores, os porta-vozes da redenção da Pátria, manchada pelo estigma da escravidão.
Andava sempre com um chapeirão de abas largas e uma enorme capa preta. Dele conta-se que uma vez levou um negro que havia sido torturado pelo seu senhor a uma procissão, 'expondo teatralmente os mais implacáveis aspectos da escravidão e identificando, ao mesmo tempo, o destino do homem torturado e os escravos da nação com o martírio de Cristo. ”
(MENDES JR., Antônio & MARANHÃO, Ricardo. Brasil história: Texto e consulta. São Paula, Brasiliense, 1981. v. 1, pp. 126-7.)

No ano de 1888, a princesa Isabel, governando interinamente o país em lugar de seu pai, D. Pedro II, então em viagem, assinou a Lei Áurea, decretando a libertação de todos os escravos no Brasil. Tal Iei apenas completou o processo de libertação dos escravos, na medida em que a imigração europeia (ampliando a porcentagem de trabalhadores livres no país), o fim do tráfico em 1850, as fugas de escravos e a simples expansão demográfica, mais intensa entre homens livres do que entre cativos, enfim, um conjunto de fatores ajudou a diminuir radicalmente a proporção de escravos no país, que atingia em 1888 no máximo 5% da população brasileira. Assim, a Lei Áurea pode ser considerada mais uma consequência do lento processo de decadência da escravidão do que propriamente uma causa, um fecho do gradual e lento processo abolicionista.


A QUESTÃO RELIGIOSA

Outro fator de desgaste do governo imperial no final do século XIX foi o atrito com a Igreja católica. Durante o século XIX, a Igreja foi um dos tradicionais pilares de sustentação do governo monárquico brasileiro, tendo em vista que grande parte do alto clero era composto por indivíduos provenientes das camadas mais abastadas, justamente aquelas beneficiadas pelo Estado. Além disso, a Constituição imperial de 1824 havia instaurado no Brasil a união entre Igreja e Estado. Tal união se processava através do regime do padroado, ou seja, o poder do imperador de nomear os bispos, controlando, assim, o conjunto do clero.

Portanto, o clero brasileiro não estava subordinado diretamente à autoridade do papa em Roma, cujas decisões só seriam adotadas no Brasil se contassem com o "beneplácito", ou seja, a autorização imperial. O clero aceitava essa situação, na medida em que o Estado passava a se responsabilizar pelo sustento dos religiosos, construção de igrejas, etc.; e principalmente porque, na prática, o imperador jamais contrariava as decisões papais. No entanto, em 1864 ocorreu um rompimento: o papa Pio IX, através da bula Syllabus proibiu a permanência de membros da maçonaria dentro dos quadros da Igreja. Tratava-se de uma tentativa de extinguir o poder alternativo que essa sociedade secreta representava dentro da Igreja católica. O imperador, ele mesmo pertencente à maçonaria e cercado de políticos da mesma linha, rejeitou a bula de 1864, criando uma situação difícil para os membros do clero. Afinal, a quem obedecer? A maior parte do clero permaneceu fiel ao imperador, porém, dois bispos preferiram acatar o papa e expulsaram de suas dioceses párocos ligados, à maçonaria. Foram eles os bispos de Olinda, D. Vidal de Oliveira, e de Belém, D. Antônio de Macedo. O imperador reagiu a esses atos de insubordinação, punindo os bispos "rebeldes", processando-os e condenando-os à prisão com trabalhos forçados.

O episódio como um todo parece ser um evento menor, reforçado pelo fato de que os dois bispos acabaram sendo anistiados pouco depois. Entretanto, levou a uma tomada de 'posição de vários membros do clero contra a monarquia. A punição aos bispos foi considerada muito severa, e diversos religiosos deixaram de se alinhar ao imperador. A Igreja não chegou a conspirar contra a monarquia, mas, se por acaso o regime fosse ameaçado, não se deveria buscar apoio junto ao clero.
A QUESTÃO MILITAR

Como sabemos, o exército saiu fortalecido da Guerra do Paraguai, não apenas militarmente, mas principalmente do ponto de vista político. Ao longo do final do século XIX, a corporação foi assumindo uma posição cada vez mais contrária ao governo imperial, num movimento que culminou com o golpe de 15 de novembro de 1889.

O exército se apresentava como uma instituição bastante peculiar no Brasil da segunda metade do século XIX. Já desde 1850 haviam sido adotadas regras racionais e burocráticas de ascensão dentro da carreira, fazendo com que os oficiais, permanecessem relativamente à margem de influências políticas e apadrinhamentos. Tal medida só foi possível graças à iniciativa do ex-ministro da Guerra, Manuel Felizardo de Souza, e das próprias dimensões do exército em 1850, então um corpo de pouca importância.

No entanto, sabemos que a Guerra do Paraguai transformou o exército, sem no entanto prejudicar sua estrutura funcional. As Forças Armadas começaram a atrair cada vez mais jovens provenientes de classes menos abastadas e interessados na carreira de oficiais que garantia a perspectiva da ascensão profissional (e, portanto, social) através quase que exclusivamente de méritos próprios. Ensaiava-se uma verdadeira "meritocracia" no exército. Paralelamente, as escolas militares começaram a ganhar importância após a Guerra do Paraguai, com destaque especial para a Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro.

Porém, a "meritocracia" esbarrava no pouco interesse que o governo imperial tinha no exército e no rígido controle que o poder civil exercia sobre o militar. Tal situação se refletia nos baixos soldos, nas lentas promoções e nos quase inexistentes investimentos. Aos poucos, surgiam atritos entre os oficiais do exército e os "casacas", como eram chamados pejorativamente os políticos civis.

A questão militar oficiais do exército brasileiro que se institucionalizava no segunda metade do século XIX. Os oficiais do exército passaram a assumir posições radicalmente contrárias às da monarquia em todas as questões relevantes do final do Império, defendendo a abolição e a república. O próprio ensino ministrado nas escolas militares levava a essas posições, predominando uma crescente mentalidade positivista (ver capítulo 10). Pregava-se, acima de tudo, a modernização, e essa modernização poderia passar pela instalação de uma república no Brasil, no lugar do "carcomido" regime imperial.

Os choques não tardaram. Em 1883, o tenente-coronel Sena Madureira manifestou-se publicamente, através da imprensa, contra as reformas no sistema de aposentadoria militar. Foi punido e, em seguida, o governo proibiu todo tipo de declaração dos militares na imprensa sobre qualquer assunto relacionado à política. Pouco depois, o mesmo Sena Madureira homenageou o jangadeiro cearense Francisco Nascimento, apelidado de "dragão do mar", que havia se recusado a transportar escravos em sua embarcação. O governo imperial, sensível a críticas contra o escravismo, acabou por determinar a prisão de Sena Madureira, gerando grande mal-estar em meio à oficialidade.

Em 1885, em visita de inspeção a guarnições do Piauí, o coronel Cunha Matos notou o desaparecimento de material do exército. Apurou as responsabilidades e puniu o comandante local, Pedro José de Lima. Este, por sua vez, tinha amigos na corte, deputados do Império, que acabaram criticando publicamente o coronel Matos, levando-o a se defender através da imprensa. Assim agindo, foi punido pelo imperador e mais uma vez foi desencadeada uma avalanche de manifestações militares em apoio ao coronel, envolvendo inclusive o prestigiado comandante militar do Rio Grande do Sul, marechal Deodoro da Fonseca. Os choques com o exército, no contexto da Questão Militar, ajudaram a precipitar o fim do Império.

Finalmente, em 1886, o mesmo Sena Madureira fez declarações públicas e teria sido ainda uma vez punido, não fosse a negativa de Deodoro da Fonseca, seu superior, em fazê-lo, num claro ato de insubordinação contra o governo imperial. O descontentamento atingira seu auge.

A EXPANSÃO DO REPUBLICANISMO

Em 1870, a imprensa do Rio de Janeiro publicou o "Manifesto Republicano", elaborado por membros de uma dissidência radical do Partido Liberal. Tratava-se, nesse momento, da divulgação de um movimento em formação, ainda que cada vez mais importante dentro de certos círculos intelectuais e jornalísticos do Rio de Janeiro. Pouco tempo depois, fundou se o Partido Republicano e, em 1873, o Partido Republicano Paulista. No mesmo ano, um grupo contendo alguns dos principais cafeicultores paulistas aderiu ao movimento republicano na Convenção de Itu.

Assim, em alguns poucos anos, o movimento republicano nasceu, cresceu e, o que é mais importante, teve o seu centro de atividades deslocado do Rio de Janeiro para São Paulo, mais especificamente para o interior do estado. O posicionamento dos cafeicultores e seu apoio cada vez mais intenso ao projeto republicano foram decisivos para viabilizar a futura proclamação da República.

Na verdade, os cafeicultores paulistas detinham parcela cada vez maior do produto nacional, e, já há algum tempo, o Oeste paulista era o centro mais dinâmico da economia do país. O rápido escoamento do café através de ferrovias e a utilização do trabalho assalariado geravam um mercado consumidor em franca expansão e um dinamismo pouco conhecido em outras regiões do país. No entanto, o poder econômico dos cafeicultores não encontrava contrapartida na política, uma vez que o Império era excessivamente centralizado no Rio de Janeiro. A elite burocrática imperial era, em grande parte, proveniente de outras áreas do país (Nordeste, Baixada Fluminense), portanto desvinculada dos interesses ligados à moderna cafeicultura do Oeste paulista. Assim, surgia um descompasso entre a modernização paulista e o imobilismo burocrático do governo imperial.

Os cafeicultores, sabendo que qualquer mudança dentro do quadro institucional do Império fatalmente iria gerar resistência da burocracia estatal, abraçaram o ideal de república, ainda mais que, como veremos no próximo capítulo, esse ideal envolvia a ideia de federação, isto é, de grande autonomia para os estados membros. Assim, o advento de uma república federativa transformaria a província imperial de São Paulo, fortemente dependente do governo central, no estado de São Paulo, com grande dose de autonomia.

Assim, pode-se perceber o início daquela aliança que, em última análise, tornou possível o advento do regime republicano: de um lado os militares do exército e de outro, os cafeicultores paulistas. Além disso, os setores médios urbanos, sem qualquer participação no jogo político do Império, aderiram ao republicanismo, enquanto a Igreja nada fez para salvar um regime a essa altura moribundo. Finalmente, a abolição da escravidão foi encarada, pela aristocracia agrária tradicional, ainda dependente da exploração do trabalho escravo e única força de sustentação do governo imperial, como uma espécie de traição. Seu distanciamento do governo, a partir de 1888, significou um golpe de morte para o regime. A república passava a ser inevitável.

A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

No final de 1888, um envelhecido D. Pedro II nomeou para o cargo de primeiro-ministro Afonso Celso de Oliveira Figueiredo, o visconde de Ouro Preto. Este lançou um projeto de reformas políticas em grande parte inspiradas nas ideias republicanas, tentando com isso salvar a monarquia. O Parlamento, cujos deputados tentavam ainda manter seus privilégios, recusou o projeto, desencadeando uma crise que culminou com o fechamento do legislativo e a convocação de novas eleições. Os republicanos aproveitaram a crise para divulgar o boato segundo o qual o governo iria desencadear violenta repressão aos oficiais do exército, incluindo as prisões de Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant, feroz crítico do regime.

No dia 14 de novembro à noite, rebelaram-se as unidades militares estacionadas em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, e, na manhã do dia seguinte, os rebeldes marcharam em direção ao centro da cidade, sob o comando de Deodoro, depondo D. Pedro II, que seria enviado para o exílio dois dias depois. Na tarde do mesmo dia, na Câmara Municipal do Rio de janeiro, José do Patrocínio declarava a proclamação da República. Enquanto isso, os cafeicultores do Oeste paulista aplaudiam e preparavam-se para participar da montagem do novo regime.


A INSTALAÇÃO DO GOVERNO PROVISÓRIO

As diversas forças sociais que se uniram para proclamar a República - exército, fazendeiros do café, camadas médias urbanas - organizaram-se para formar um governo provisório. Sob a liderança de Deodoro da Fonseca, a primeira administração do novo regime procurou conciliar os diversos interesses desses grupos sociais. O primeiro ministério republicano teve a seguinte formação: ministro do Interior, Aristides Lobo; da Guerra, Benjamin Constant; da Marinha, Eduardo Wandenkolk; das Relações Exteriores, Quintino Bocaiúva; da Fazenda, Rui Barbosa; da Justiça, Campos Sales; da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Demétrio Ribeiro.

Entre as principais medidas tomadas pelo governo provisório, estão a extinção da vitaliciedade do Senado, a dissolução da Câmara e a decretação da expulsão da família real do Brasil. Além disso, procedeu-se à grande naturalização - pela qual todo estrangeiro residente no Brasil adquiriu nacionalidade brasileira -, separou-se a Igreja do Estado, estabeleceu-se a liberdade de culto e regulamentou-se o casamento civil. As assembleias provinciais e as câmaras municipais foram dissolvidas, nomeando-se interventores, na maioria militares.

Em dezembro de 1889 marcaram-se eleições para uma assembleia constituinte, que seriam realizadas
em 15 de setembro de 1890. Durante esse curto período, acirraram-se as divergências entre Deodoro e os ministros e destes entre si, na luta pela hegemonia dentro do novo bloco que assumira o poder.

O Ministério da Fazenda, comandado por Rui Barbosa, voltou-se para questões que intensificaram ainda mais os desentendimentos entre as forças sociais que representavam o governo: tarifas alfandegárias, créditos, emissão de moeda, legislação de sociedades anônimas.

A república havia herdado da monarquia um grande déficit na balança de pagamentos. As importações oneravam em muito o Tesouro; as despesas com a infraestrutura urbana eram enormes, pois expandia-se a rede ferroviária, aparelhavam-se melhor os portos, instalavam-se fábricas. Além disso, eram altos os gastos com a mão-de-obra assalariada.

As últimas décadas do século XIX foram marcadas pelo ressurgimento do imperialismo. Nesta fase do capitalismo financeiro, houve uma divisão forçada do trabalho em que se observaram algumas nações fornecendo matérias-primas e outras consolidando-se como provedoras de produtos industrializados.
A América Latina tornou-se o principal alvo dos Estados Unidos e da Inglaterra, que passaram a fazer pressões econômicas: em 1891, realizou-se um acordo comercial pelo qual se abria o mercado brasileiro às manufaturas norte-americanas – isentas de taxas alfandegárias -, em troca da entrada em território norte-americano de produtos primários brasileiros, principalmente açúcar.

A burguesia inglesa, por sua vez, tentava ampliar sua influência em nosso país, prejudicando com isso as tentativas nacionais de industrialização. As demais potências estrangeiras viam com desagrado essa situação, mas não havia forças internas suficientemente fortes, conscientes e organizadas que se dispusessem a enfrentá-la.

Rui Barbosa, cujo ministério estimulava a industrialização, tratou de reforçar a produção interna. Tomou medidas nesse sentido que aumentavam as tarifas alfandegárias sobre produtos estrangeiros que tivessem similares produzidos no país. Protegia, assim, a produção industrial nacional, mas prejudicava a burguesia agrária latifundiária e exportadora e os investimentos internacionais, que se ressentiram com a falta de mercados.

Além disso, conforme afirma Nélson Werneck Sodré, Rui "tomou medidas de incentivo às atividades de menor vulto, como a fundação de um Banco de Crédito Popular, cuja finalidade era realizar empréstimos a juros módicos e maior assistência ao operário com a construção de habitações populares ..."

Uma vez que seus interesses estavam sendo postos em risco pela política econômica implementada, bancos franceses e ingleses ameaçaram fechar suas portas. Rui Barbosa reagiu energicamente: "[Os] Bancos não têm nenhuma razão: Pelos seus estatutos aprovados [pelo] Governo Brasileiro eles se obrigaram a leis e regulamentos vigentes, ou que de futuro se decretassem: Não Ihes faltarão advogados para Ihes dar outro parecer, porque os há para tudo, mas a verdade jurídica é esta. O Governo Provisório não pensa hostilizar bancos estrangeiros, mas não Ihes pode consentir posição privilegiada de, sem capitais no país, viverem de especulações constantes sobre o câmbio, como agora estão fazendo em prejuízo do comércio, do Tesouro e do crédito nacional. Se quiserem fechar não nos fazem falta".

Outra medida tomada por Rui Barbosa foi a extinção do pagamento das indenizações aos antigos proprietários escravistas, imposto durante o regime imperial, e que contribuía para abalar o Tesouro nacional.


O ENCILHAMENTO

A abolição da escravidão e a corrente migratória criaram um número maior de assalariados e a consequente necessidade de mais moeda circulante. O ministro da Fazenda tentara obter alguns empréstimos no exterior, mas não fora bem-sucedido, pois reinava na Europa muita desconfiança em relação ao novo regime brasileiro.

A solução foi emitir papel-moeda através de alguns bancos, situados em Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre. São Paulo não foi incluída, o que descontentou a burguesia cafeeira paulista.

A emissão de papel-moeda aumentou o dinheiro circulante e reativou os negócios, mas, como a produção interna não cresceu nas mesmas proporções, a inflação também aumentou. Além disso, o crédito fácil resultou em violenta especulação com as ações das novas empresas que surgiam. Essa especulação ficou conhecida como encilhamento.

O visconde de Taunay justificava o emprego do termo dizendo que " ... encilhamento é o nome do local onde se dá a última demão aos cavalos de corrida antes de atirá-Ios à raia de concorrência". Referia-se à agitação da bolsa de valores, onde se negociavam ações de empresas recém-criadas ou
mesmo prestes a se formarem. A especulação desenfreada chegou a ocasionar o aparecimento de "firmas fantasmas", isto é, que só existiam no papel, na forma de ações. A inflação aumentou, ocorreram muitas falências, levando a uma grande crise econômica.

Rui Barbosa avaliou mal a situação socioeconômica brasileira no início da república. Esquecera-se de que éramos um país recém-egresso do escravismo; de que os poucos capitais acumulados estavam ligados à economia cafeeira, respondendo por 3/4 de nossa exportação; de que nosso mercado interno era insuficiente para acompanhar um rápido processo de industrialização. Além disso, subestimou a força dos países industrializados, que fariam pressão para não perderem seus mercados consumidores e suas fontes de divisas no Brasil e continuarem remetendo divisas daqui para o exterior.

Assim, a política de Rui Barbosa sofreu severas pressões dos grandes proprietários rurais e dos defensores do capital estrangeiro. A má repercussão do encilhamento e as reduzidas forças sociais que apoiavam o ministro facilitaram a tarefa dos que desejavam substituí-lo. Rui Barbosa seria derrubado e a economia brasileira permaneceria com uma estrutura dependente, agrária e exportadora.


A ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1891

A elaboração da Constituição também gerou divergências entre os republicanos: o marechal Deodoro, os positivistas e parte do exército pretendiam um regime centralizado, enquanto as oligarquias estaduais, formadas por proprietários de terras, preferiam um regime federalista, que Ihes asseguraria maior participação no poder.

Em 24 de fevereiro de 1891, promulgou-se a segunda Constituição brasileira. Grandes proprietários rurais venceram: o Brasil tornou-se uma federação, isto é, os estados teriam ampla autonomia econômica e administrativa, poderiam elaborar sua própria Constituição, eleger seus presidentes (governadores), realizar empréstimos no exterior, decretar impostos e organizar suas forças militares.

A ampla autonomia estadual não significava, entretanto, o esfacelamento do poder central, pois o presidente da República teria amplos poderes para interferir nos estados em caso de tentativa de separação, invasão estrangeira ou conflitos interestaduais.



O voto era descoberto (não-secreto), direto, universal, mas proibido a mendigos, analfabetos, religiosos de ordens monásticas e mulheres. Na verdade, portanto, o voto nada tinha de universal, pois era proibido a mais da metade da população. Além disso, o fato de ser a descoberto tornava-o totalmente manipulável pelos grandes proprietários rurais. Após a promulgação da Constituição, a Assembleia Constituinte tinha como atribuição escolher os ocupantes dos cargos de presidente e vice-presidente do Brasil.

Havia sido articulada uma chapa oposicionista, ligada aos interesses das oligarquias estaduais e liderada por Prudente de Morais, que foi, porém, derrotada. Os rumores sobre a intervenção militar para impor Deodoro, caso não vencesse as eleições, garantiram sua vitória. Em compensação, o candidato oposicionista à vice-presidência, Floriano Peixoto, derrotou o vice de Deodoro por 96 votos.


OS PRIMEIROS PRESIDENTES: DEODORO E FLORIANO

Não dispondo de maioria parlamentar, Deodoro sofreu sérias derrotas no Congresso, que vetou muitos de seus projetos: Afirmando "não poder por mais tempo suportar o Congresso", Deodoro dissolveu-o e prendeu seus principais líderes. Recebeu apoio por parte do exército e dos presidentes estaduais, exceto Lauro Sodré, do Pará.

Congressistas liderados por Floriano, Wandenkolk e pelo almirante Custódio de Meio arquitetaram um contragolpe, ao qual Deodoro tentou resistir, ordenando a prisão de Custódio de Meio. Este reagiu sublevando uma esquadra cujos navios postaram-se na baía de Guanabara, ameaçando bombardear o Rio de Janeiro, caso Deodoro não renunciasse.

Sem alternativa, Deodoro renunciou e entregou o poder ao vice-presidente Floriano Peixoto, em 23 de novembro de 1891. No governo de Floriano, o ministro Serzedelo Correa desenvolveu uma política econômica e financeira voltada para a industrialização: tarifas protecionistas e facilidades de créditos foram concedidas, porém, acompanhadas de medidas para controlar a inflação e impedir a especulação.

As mesmas oligarquias que apoiaram o golpe para a derrubada de Deodoro passaram a fazer oposição a Floriano, fundamentando-se no artigo 42 da Constituição, que esclarecia: "se, no caso de vaga, por qualquer causa, a presidência, não houverem decorrido dois anos do período presidencial, proceder-se-á a novas eleições".

 A oposição a Floriano ocorreu também entre as altas patentes do exército: 13 generais elaboraram um manifesto em que declaravam ser o governo de Floriano inconstitucional. Foram punidos com o afastamento do exército. Até o fim de 1894 ainda haveria mais dois graves acontecimentos.


A REVOLUÇÃO FEDERALISTA E A REVOLTA DA ARMADA

A luta pelo poder colocava frente a frente as duas maiores facções de grandes proprietários de terras do Rio Grande do Sul. De um lado agrupavam-se os federalistas - os maragatos -, liderados por Gaspar Silveira Martins, que exigiam uma reforma na Constituição do estado e a implantação do parlamentarismo. De outro, estavam os pica-paus, chefiados pelo presidente do estado, Júlio de Castilhos, que apoiavam a centralização do poder.
Na verdade, a luta entre as duas facções políticas refletia as divergências entre as oligarquias proprietárias rurais da região. A revolta tornou-se violenta, tomando características de guerra civil. Os
Maragatos instalaram sua base de operações no Uruguai, de onde avançavam sobre o território gaúcho.

Floriano tomou a defesa do presidente do estado, Júlio de Castilhos, apesar de ele anteriormente ter apoiado Deodoro. A razão é que precisava da adesão da bancada gaúcha no Congresso.

Nas palavras do historiador Hélio Silva, a revolução Federalista foi "uma epopeia rastreando de fogo o pampa gaúcho; bela e gloriosa nas cargas dos lanceiros e torpe e cruel na degola dos vencidos, no estupro das mulheres, no saque das estâncias". A guerra civil prosseguiu até 1895.

A oficialidade da marinha provinha quase que inteiramente da antiga aristocracia imperial. Em
setembro de 1893, a esquadra sublevou-se, liderada pelo almirante Custódio de Meio. Os rebeldes, que exigiam a imediata normalização constitucional do país, ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro, zarpando depois para o Sul.

Uniram-se aos federalistas, que já haviam ocupado a cidade de Desterro, atual Florianópolis, criando um governo revolucionário. Esse fato passou à história com o nome de governicho de Santa Catarina. O almirante Saldanha da Gama aderiu aos revoltosos, colaborando na ocupação do Paraná
e no ataque a São Paulo. A presidência de Floriano estava seriamente ameaçada.

O presidente, então, armou uma esquadra e com ela enfrentou os rebeldes no Rio de Janeiro, que se asilaram em navios portugueses. A repressão foi violenta: os governos rebeldes do Paraná e Santa Catarina foram depostos, enquanto se sucediam fuzilamentos em massa.


A SUCESSÃO DE FLORIANO

Fortalecido pelas campanhas contra os rebeldes, Floriano consolidou seu poder e passou a ser conhecido pelo cognome de "marechal de ferro".

Por essa razão, supunha-se que Floriano - apoiado pelo Partido Republicano Federal – não passaria a presidência a seu sucessor, mas que tentaria instaurar uma ditadura.

Ante essa possibilidade, o Partido Republicano Paulista, que representava os interesses da burguesia cafeeira de São Paulo e pretendia adquirir o completo controle político da nação, articulou, em 1893, a constituição do Partido Republicano Federal. Inicialmente os florianistas pareciam ter maioria no novo partido e tudo fazia crer que Floriano iria tentar impor sua continuidade na chefia do Executivo. Mas na convenção de setembro daquele ano, Prudente de Morais, lançado pelos paulistas, foi escolhido candidato do partido à Presidência da República.

Prudente de Morais, o candidato civil da burguesia cafeeira paulista, venceu as eleições. Floriano preferiu não enfrentar a forte oligarquia paulista, já que esta reunia em torno de si a maior parte das oligarquias dos outros estados.

Com a burguesia cafeeira paulista no poder, terminava o período da República da Espada e iniciava-se a República Oligárquica. As oligarquias, formadas pelos grandes proprietários rurais de cada estado, assumiam o controle completo da nação, sob a hegemonia da burguesia cafeeira paulista. A classe média e as camadas populares sofreriam os efeitos da nova política econômica, pois a valorização artificial do café transferia para o consumidor o ônus causado pelas dificuldades financeiras.

Embora as instituições tivessem se transformado na transição do Império para a república, o poder continuava nas mãos dos grandes proprietários rurais, mantendo-se o caráter agrário, monocultor, latifundiário e exportador da nossa economia. Consequentemente, o país continuava subordinado economicamente aos Estados Unidos e às potências europeias.

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