O FIM DO IMPÉRIO
A partir dos anos 70 do século XIX teve início a
decadência do Segundo Reinado, repleta de crises que desembocaram no movimento
republicano de 1889. O desgaste do regime imperial pode ser atribuído a
diversos fatores, destacando-se o fim da escravidão, os choques com a Igreja, o
avanço do movimento republicano e o conflito com o exército. Vamos levantar
cada uma dessas questões para que possamos compreender a queda da monarquia e a
proclamação da República no Brasil.
O FIM DA ESCRAVIDÃO
No capítulo anterior vimos que as disputas políticas
pelo governo foram quase neutralizadas durante o reinado de D. Pedro II, graças
à composição entre os grupos oligárquicos, o que não significou que as
diferenças e interesses conflitantes entre eles tivessem desaparecido.
Em meio às grandes transformações socioeconômicas do
período, as elites imperiais acabaram adotando posições políticas diferenciadas
e que tenderam ao enfraquecimento da monarquia. Um exemplo disso deu-se na
questão do fim da escravidão, decorrente da ascensão da economia cafeeira no
Centro-Sul, enquanto decaía a economia nordestina. Nesse caso, especialmente
depois da Bill Aberdeen, foi intenso o tráfico interprovincial de cativos para
a cafeicultura, juntamente com o deslocamento de escravos das cidades para as
fazendas de café, levando os cafeicultores a agarrar-se ao escravismo ou ao
princípio da abolição com indenização. Os proprietários de terras e escravos
chegaram mesmo a advogar a libertação de cativos desde que feita por suas
próprias mãos, sem a interferência do governo, que poderia, ao instituir
direitos para os negros, acirrar o radicalismo na luta dos escravos.
"Desde 1847, devido a grandes secas no Nordeste e
sobretudo no Ceará, os cativos dessas regiões eram vendidos para o Centro-Sul
cafeicultor. Antes da publicação da lei, grandes quantidades de cativos foram
importados preventivamente. Quando elas se esgotaram, os cafeicultores do
Centro-Sul passaram a comprar, a alto preço, cativas das cidades e das
províncias de todo o Brasil.
Por décadas, o tráfico interno alimentaria as
necessidades da produção cafeicultora. Porém, o novo comércio de trabalhadores
escravizados modificaria, de forma revolucionária, a sociedade. Valorizados,
cativos empregados em regiões ou em atividades menos produtivas eram vendidos,
de todos os pontos do Brasil, aos cafeicultores. Pela mesma razão, os senhores
urbanos desfaziam-se de seus negros.
Com a concentração dos cativos no Centro-Sul e
importantes regiões despovoando-se de escravos, em poucos anos rompeu-se a
unanimidade escravista nacional. Pela primeira vez na história do Brasil,
surgiam, nas cidades e nos campos, regiões e grupos sociais que não dependiam
do trabalho escravizado. "
(MAESTRI, Mario. O escravismo no Brasil. São Paulo,
Atual, 1994. p. 98.)
A opinião abolicionista foi favorecida nos anos 1860,
além do quadro internacional antiescravista, pelo fim da Guerra de Secessão nos
Estados Unidos e consequente abolição, deixando o Brasil como o último país
independente da América a manter a escravidão. (Cuba e Porto Rico eram também
escravistas, porém pertenciam, ainda, à Espanha. Em 1870 foi determinada pela
Espanha a liberdade dos filhos de escravos e dos anciãos nessas suas colônias.)
O envolvimento governamental na efervescência das
pregações abolicionistas e a posição conservadora dos cafeicultores chegaram ao
ápice em 1871, quando acabou sendo aprovada a Lei do Ventre Livre, mesmo com os
votos contrários das províncias de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro,
Espírito Santo e Rio Grande do Sul. A lei determinava que os filhos de escravas
nascidos a partir daquela data seriam considerados livres, e a sua tramitação
na Assembleia afastou o governo das elites mais poderosas do país, fixadas no
Centro-Sul do Brasil, que argumentavam que a medida era uma afronta ao direito
de propriedade sobre os cativos.
Os efeitos da Lei do Ventre Livre, também conhecida
como Rio Branco, foram reduzidos, na medida em que o escravo, livre no momento
do seu nascimento, mas considerado "ingênuo", permaneceria sob a
tutela do proprietário da mãe até atingir oito anos de idade. Nesse momento, o
proprietário escolhia receber uma indenização ou o direito de explorar gratuitamente
o trabalho do escravo "livre" até este completar 21 anos.
Em 1885, foi aprovada a Lei dos Sexagenários, que
libertava os escravos com mais de 65 anos de idade. Obviamente, apenas um
número muito reduzido de escravos foi libertado por meio dessa lei, uma vez que
poucos atingiam tal idade. Além disso, um escravo de 65 anos quase sempre não
estava mais em condições de trabalhar, representando apenas custo para o
proprietário. A legislação abolicionista criada pelo governo imperial,
portanto, era estéril na prática, representando apenas uma tentativa de aplacar
o movimento abolicionista, particularmente forte na imprensa.
Ao mesmo tempo, multiplicavam-se em todo o Brasil as
fugas de escravos e, dada a impossibilidade de mantê-las sob controle, esse
fator acelerou o processo de abolição. Lembremos que o exército brasileiro,
fortalecido inclusive politicamente após a Guerra do Paraguai (1865-70), tinha
fortes tendências abolicionistas, não sendo raros os oficiais que desobedeciam
às ordens de caça a escravos fugidos. Algumas províncias, notadamente Ceará e
Amazonas, anteciparam-se ao governo imperial, abolindo a escravidão em seus
territórios já em 1884, sendo seguidas por algumas cidades do Rio Grande do Sul
no ano seguinte.
Observa-se que o movimento abolicionista se confundia
com o crescente republicanismo. Na verdade, criticava-se o Império, taxando-o
de politicamente atrasado por manter a escravidão.
Grande parte da agitação abolicionista resumia-se a
atividades panfletárias e jornalísticas nos grandes centros urbanos,
notadamente no Rio de Janeiro. Tal agitação teve sua importância em pressionar
o governo a tomar medidas abolicionistas, muito embora, como observamos, as
iniciativas imperiais no campo das leis eram praticamente inúteis.
Enquanto isso, surgia em São Paulo o grupo dos
caifazes, voltados ao combate à escravidão através de medidas práticas, em
alguns casos, até revolucionárias. Infiltravam-se nos alojamentos dos escravos
planejando e ajudando a realizar fugas em massa de cativos, criando rotas de
fuga e áreas de concentração de negros fugidos, muitas vezes dentro de grandes
cidades.
"Eram liderados por Antônio Bento de Souza e
Castro, proveniente de uma família abastada, advogado, promotor e juiz de
direito. Antônio Bento era uma figura insólita: seu abolicionismo intransigente
era baseado num profundo fanatismo cristão, que o fazia considerar-se, bem como
a seus seguidores, os porta-vozes da redenção da Pátria, manchada pelo estigma
da escravidão.
Andava sempre com um chapeirão de abas largas e uma
enorme capa preta. Dele conta-se que uma vez levou um negro que havia sido
torturado pelo seu senhor a uma procissão, 'expondo teatralmente os mais
implacáveis aspectos da escravidão e identificando, ao mesmo tempo, o destino
do homem torturado e os escravos da nação com o martírio de Cristo. ”
(MENDES JR., Antônio & MARANHÃO, Ricardo. Brasil
história: Texto e consulta. São Paula, Brasiliense, 1981. v. 1, pp. 126-7.)
No ano de 1888, a princesa Isabel, governando
interinamente o país em lugar de seu pai, D. Pedro II, então em viagem, assinou
a Lei Áurea, decretando a libertação de todos os escravos no Brasil. Tal Iei
apenas completou o processo de libertação dos escravos, na medida em que a
imigração europeia (ampliando a porcentagem de trabalhadores livres no país), o
fim do tráfico em 1850, as fugas de escravos e a simples expansão demográfica,
mais intensa entre homens livres do que entre cativos, enfim, um conjunto de
fatores ajudou a diminuir radicalmente a proporção de escravos no país, que
atingia em 1888 no máximo 5% da população brasileira. Assim, a Lei Áurea pode
ser considerada mais uma consequência do lento processo de decadência da
escravidão do que propriamente uma causa, um fecho do gradual e lento processo
abolicionista.
A QUESTÃO RELIGIOSA
Outro fator de desgaste do governo imperial no final
do século XIX foi o atrito com a Igreja católica. Durante o século XIX, a
Igreja foi um dos tradicionais pilares de sustentação do governo monárquico
brasileiro, tendo em vista que grande parte do alto clero era composto por
indivíduos provenientes das camadas mais abastadas, justamente aquelas
beneficiadas pelo Estado. Além disso, a Constituição imperial de 1824 havia
instaurado no Brasil a união entre Igreja e Estado. Tal união se processava
através do regime do padroado, ou seja, o poder do imperador de nomear os
bispos, controlando, assim, o conjunto do clero.
Portanto, o clero brasileiro não estava subordinado
diretamente à autoridade do papa em Roma, cujas decisões só seriam adotadas no
Brasil se contassem com o "beneplácito", ou seja, a autorização
imperial. O clero aceitava essa situação, na medida em que o Estado passava a
se responsabilizar pelo sustento dos religiosos, construção de igrejas, etc.; e
principalmente porque, na prática, o imperador jamais contrariava as decisões
papais. No entanto, em 1864 ocorreu um rompimento: o papa Pio IX, através da
bula Syllabus proibiu a permanência de membros da maçonaria dentro dos quadros
da Igreja. Tratava-se de uma tentativa de extinguir o poder alternativo que
essa sociedade secreta representava dentro da Igreja católica. O imperador, ele
mesmo pertencente à maçonaria e cercado de políticos da mesma linha, rejeitou a
bula de 1864, criando uma situação difícil para os membros do clero. Afinal, a
quem obedecer? A maior parte do clero permaneceu fiel ao imperador, porém, dois
bispos preferiram acatar o papa e expulsaram de suas dioceses párocos ligados,
à maçonaria. Foram eles os bispos de Olinda, D. Vidal de Oliveira, e de Belém,
D. Antônio de Macedo. O imperador reagiu a esses atos de insubordinação,
punindo os bispos "rebeldes", processando-os e condenando-os à prisão
com trabalhos forçados.
O episódio como um todo parece ser um evento menor,
reforçado pelo fato de que os dois bispos acabaram sendo anistiados pouco
depois. Entretanto, levou a uma tomada de 'posição de vários membros do clero
contra a monarquia. A punição aos bispos foi considerada muito severa, e
diversos religiosos deixaram de se alinhar ao imperador. A Igreja não chegou a
conspirar contra a monarquia, mas, se por acaso o regime fosse ameaçado, não se
deveria buscar apoio junto ao clero.
A QUESTÃO MILITAR
Como sabemos, o exército saiu fortalecido da Guerra do
Paraguai, não apenas militarmente, mas principalmente do ponto de vista
político. Ao longo do final do século XIX, a corporação foi assumindo uma
posição cada vez mais contrária ao governo imperial, num movimento que culminou
com o golpe de 15 de novembro de 1889.
O exército se apresentava como uma instituição bastante
peculiar no Brasil da segunda metade do século XIX. Já desde 1850 haviam sido
adotadas regras racionais e burocráticas de ascensão dentro da carreira,
fazendo com que os oficiais, permanecessem relativamente à margem de
influências políticas e apadrinhamentos. Tal medida só foi possível graças à
iniciativa do ex-ministro da Guerra, Manuel Felizardo de Souza, e das próprias
dimensões do exército em 1850, então um corpo de pouca importância.
No entanto, sabemos que a Guerra do Paraguai
transformou o exército, sem no entanto prejudicar sua estrutura funcional. As
Forças Armadas começaram a atrair cada vez mais jovens provenientes de classes
menos abastadas e interessados na carreira de oficiais que garantia a
perspectiva da ascensão profissional (e, portanto, social) através quase que
exclusivamente de méritos próprios. Ensaiava-se uma verdadeira
"meritocracia" no exército. Paralelamente, as escolas militares
começaram a ganhar importância após a Guerra do Paraguai, com destaque especial
para a Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro.
Porém, a "meritocracia" esbarrava no pouco
interesse que o governo imperial tinha no exército e no rígido controle que o
poder civil exercia sobre o militar. Tal situação se refletia nos baixos
soldos, nas lentas promoções e nos quase inexistentes investimentos. Aos
poucos, surgiam atritos entre os oficiais do exército e os "casacas",
como eram chamados pejorativamente os políticos civis.
A questão militar oficiais do exército brasileiro que
se institucionalizava no segunda metade do século XIX. Os oficiais do exército
passaram a assumir posições radicalmente contrárias às da monarquia em todas as
questões relevantes do final do Império, defendendo a abolição e a república. O
próprio ensino ministrado nas escolas militares levava a essas posições,
predominando uma crescente mentalidade positivista (ver capítulo 10).
Pregava-se, acima de tudo, a modernização, e essa modernização poderia passar
pela instalação de uma república no Brasil, no lugar do "carcomido" regime
imperial.
Os choques não tardaram. Em 1883, o tenente-coronel
Sena Madureira manifestou-se publicamente, através da imprensa, contra as
reformas no sistema de aposentadoria militar. Foi punido e, em seguida, o
governo proibiu todo tipo de declaração dos militares na imprensa sobre
qualquer assunto relacionado à política. Pouco depois, o mesmo Sena Madureira
homenageou o jangadeiro cearense Francisco Nascimento, apelidado de
"dragão do mar", que havia se recusado a transportar escravos em sua
embarcação. O governo imperial, sensível a críticas contra o escravismo, acabou
por determinar a prisão de Sena Madureira, gerando grande mal-estar em meio à
oficialidade.
Em 1885, em visita de inspeção a guarnições do Piauí,
o coronel Cunha Matos notou o desaparecimento de material do exército. Apurou
as responsabilidades e puniu o comandante local, Pedro José de Lima. Este, por
sua vez, tinha amigos na corte, deputados do Império, que acabaram criticando
publicamente o coronel Matos, levando-o a se defender através da imprensa.
Assim agindo, foi punido pelo imperador e mais uma vez foi desencadeada uma
avalanche de manifestações militares em apoio ao coronel, envolvendo inclusive
o prestigiado comandante militar do Rio Grande do Sul, marechal Deodoro da
Fonseca. Os choques com o exército, no contexto da Questão Militar, ajudaram a
precipitar o fim do Império.
Finalmente, em 1886, o mesmo Sena Madureira fez
declarações públicas e teria sido ainda uma vez punido, não fosse a negativa de
Deodoro da Fonseca, seu superior, em fazê-lo, num claro ato de insubordinação
contra o governo imperial. O descontentamento atingira seu auge.
A EXPANSÃO DO REPUBLICANISMO
Em 1870, a imprensa do Rio de Janeiro publicou o
"Manifesto Republicano", elaborado por membros de uma dissidência
radical do Partido Liberal. Tratava-se, nesse momento, da divulgação de um
movimento em formação, ainda que cada vez mais importante dentro de certos
círculos intelectuais e jornalísticos do Rio de Janeiro. Pouco tempo depois,
fundou se o Partido Republicano e, em 1873, o Partido Republicano Paulista. No
mesmo ano, um grupo contendo alguns dos principais cafeicultores paulistas
aderiu ao movimento republicano na Convenção de Itu.
Assim, em alguns poucos anos, o movimento republicano
nasceu, cresceu e, o que é mais importante, teve o seu centro de atividades
deslocado do Rio de Janeiro para São Paulo, mais especificamente para o
interior do estado. O posicionamento dos cafeicultores e seu apoio cada vez
mais intenso ao projeto republicano foram decisivos para viabilizar a futura
proclamação da República.
Na verdade, os cafeicultores paulistas detinham
parcela cada vez maior do produto nacional, e, já há algum tempo, o Oeste
paulista era o centro mais dinâmico da economia do país. O rápido escoamento do
café através de ferrovias e a utilização do trabalho assalariado geravam um
mercado consumidor em franca expansão e um dinamismo pouco conhecido em outras
regiões do país. No entanto, o poder econômico dos cafeicultores não encontrava
contrapartida na política, uma vez que o Império era excessivamente
centralizado no Rio de Janeiro. A elite burocrática imperial era, em grande
parte, proveniente de outras áreas do país (Nordeste, Baixada Fluminense),
portanto desvinculada dos interesses ligados à moderna cafeicultura do Oeste
paulista. Assim, surgia um descompasso entre a modernização paulista e o
imobilismo burocrático do governo imperial.
Os cafeicultores, sabendo que qualquer mudança dentro
do quadro institucional do Império fatalmente iria gerar resistência da
burocracia estatal, abraçaram o ideal de república, ainda mais que, como
veremos no próximo capítulo, esse ideal envolvia a ideia de federação, isto é,
de grande autonomia para os estados membros. Assim, o advento de uma república
federativa transformaria a província imperial de São Paulo, fortemente
dependente do governo central, no estado de São Paulo, com grande dose de
autonomia.
Assim, pode-se perceber o início daquela aliança que,
em última análise, tornou possível o advento do regime republicano: de um lado os
militares do exército e de outro, os cafeicultores paulistas. Além disso, os
setores médios urbanos, sem qualquer participação no jogo político do Império,
aderiram ao republicanismo, enquanto a Igreja nada fez para salvar um regime a
essa altura moribundo. Finalmente, a abolição da escravidão foi encarada, pela
aristocracia agrária tradicional, ainda dependente da exploração do trabalho
escravo e única força de sustentação do governo imperial, como uma espécie de
traição. Seu distanciamento do governo, a partir de 1888, significou um golpe
de morte para o regime. A república passava a ser inevitável.
A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
No final de 1888, um envelhecido D. Pedro II nomeou
para o cargo de primeiro-ministro Afonso Celso de Oliveira Figueiredo, o visconde
de Ouro Preto. Este lançou um projeto de reformas políticas em grande parte
inspiradas nas ideias republicanas, tentando com isso salvar a monarquia. O
Parlamento, cujos deputados tentavam ainda manter seus privilégios, recusou o
projeto, desencadeando uma crise que culminou com o fechamento do legislativo e
a convocação de novas eleições. Os republicanos aproveitaram a crise para
divulgar o boato segundo o qual o governo iria desencadear violenta repressão
aos oficiais do exército, incluindo as prisões de Deodoro da Fonseca e Benjamin
Constant, feroz crítico do regime.
No dia 14 de novembro à noite, rebelaram-se as
unidades militares estacionadas em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, e, na
manhã do dia seguinte, os rebeldes marcharam em direção ao centro da cidade,
sob o comando de Deodoro, depondo D. Pedro II, que seria enviado para o exílio
dois dias depois. Na tarde do mesmo dia, na Câmara Municipal do Rio de janeiro,
José do Patrocínio declarava a proclamação da República. Enquanto isso, os cafeicultores
do Oeste paulista aplaudiam e preparavam-se para participar da montagem do novo
regime.
A INSTALAÇÃO DO GOVERNO PROVISÓRIO
As diversas forças sociais que se uniram para
proclamar a República - exército, fazendeiros do café, camadas médias urbanas -
organizaram-se para formar um governo provisório. Sob a liderança de Deodoro da
Fonseca, a primeira administração do novo regime procurou conciliar os diversos
interesses desses grupos sociais. O primeiro ministério republicano teve a
seguinte formação: ministro do Interior, Aristides Lobo; da Guerra, Benjamin
Constant; da Marinha, Eduardo Wandenkolk; das Relações Exteriores, Quintino
Bocaiúva; da Fazenda, Rui Barbosa; da Justiça, Campos Sales; da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas, Demétrio Ribeiro.
Entre as principais medidas tomadas pelo governo
provisório, estão a extinção da vitaliciedade do Senado, a dissolução da Câmara
e a decretação da expulsão da família real do Brasil. Além disso, procedeu-se à
grande naturalização - pela qual todo estrangeiro residente no Brasil adquiriu
nacionalidade brasileira -, separou-se a Igreja do Estado, estabeleceu-se a
liberdade de culto e regulamentou-se o casamento civil. As assembleias
provinciais e as câmaras municipais foram dissolvidas, nomeando-se
interventores, na maioria militares.
Em dezembro de 1889 marcaram-se eleições para uma
assembleia constituinte, que seriam realizadas
em 15 de setembro de 1890. Durante esse curto período,
acirraram-se as divergências entre Deodoro e os ministros e destes entre si, na
luta pela hegemonia dentro do novo bloco que assumira o poder.
O Ministério da Fazenda, comandado por Rui Barbosa,
voltou-se para questões que intensificaram ainda mais os desentendimentos entre
as forças sociais que representavam o governo: tarifas alfandegárias, créditos,
emissão de moeda, legislação de sociedades anônimas.
A república havia herdado da monarquia um grande déficit
na balança de pagamentos. As importações oneravam em muito o Tesouro; as
despesas com a infraestrutura urbana eram enormes, pois expandia-se a rede
ferroviária, aparelhavam-se melhor os portos, instalavam-se fábricas. Além
disso, eram altos os gastos com a mão-de-obra assalariada.
As últimas décadas do século XIX foram marcadas pelo
ressurgimento do imperialismo. Nesta fase do capitalismo financeiro, houve uma
divisão forçada do trabalho em que se observaram algumas nações fornecendo
matérias-primas e outras consolidando-se como provedoras de produtos
industrializados.
A América Latina tornou-se o principal alvo dos
Estados Unidos e da Inglaterra, que passaram a fazer pressões econômicas: em
1891, realizou-se um acordo comercial pelo qual se abria o mercado brasileiro
às manufaturas norte-americanas – isentas de taxas alfandegárias -, em troca da
entrada em território norte-americano de produtos primários brasileiros,
principalmente açúcar.
A burguesia inglesa, por sua vez, tentava ampliar sua
influência em nosso país, prejudicando com isso as tentativas nacionais de
industrialização. As demais potências estrangeiras viam com desagrado essa
situação, mas não havia forças internas suficientemente fortes, conscientes e
organizadas que se dispusessem a enfrentá-la.
Rui Barbosa, cujo ministério estimulava a
industrialização, tratou de reforçar a produção interna. Tomou medidas nesse
sentido que aumentavam as tarifas alfandegárias sobre produtos estrangeiros que
tivessem similares produzidos no país. Protegia, assim, a produção industrial
nacional, mas prejudicava a burguesia agrária latifundiária e exportadora e os
investimentos internacionais, que se ressentiram com a falta de mercados.
Além disso, conforme afirma Nélson Werneck Sodré, Rui
"tomou medidas de incentivo às atividades de menor vulto, como a fundação
de um Banco de Crédito Popular, cuja finalidade era realizar empréstimos a
juros módicos e maior assistência ao operário com a construção de habitações
populares ..."
Uma vez que seus interesses estavam sendo postos em
risco pela política econômica implementada, bancos franceses e ingleses
ameaçaram fechar suas portas. Rui Barbosa reagiu energicamente: "[Os]
Bancos não têm nenhuma razão: Pelos seus estatutos aprovados [pelo] Governo
Brasileiro eles se obrigaram a leis e regulamentos vigentes, ou que de futuro
se decretassem: Não Ihes faltarão advogados para Ihes dar outro parecer, porque
os há para tudo, mas a verdade jurídica é esta. O Governo Provisório não pensa
hostilizar bancos estrangeiros, mas não Ihes pode consentir posição
privilegiada de, sem capitais no país, viverem de especulações constantes sobre
o câmbio, como agora estão fazendo em prejuízo do comércio, do Tesouro e do
crédito nacional. Se quiserem fechar não nos fazem falta".
Outra medida tomada por Rui Barbosa foi a extinção do
pagamento das indenizações aos antigos proprietários escravistas, imposto
durante o regime imperial, e que contribuía para abalar o Tesouro nacional.
O ENCILHAMENTO
A abolição da escravidão e a corrente migratória
criaram um número maior de assalariados e a consequente necessidade de mais
moeda circulante. O ministro da Fazenda tentara obter alguns empréstimos no
exterior, mas não fora bem-sucedido, pois reinava na Europa muita desconfiança
em relação ao novo regime brasileiro.
A solução foi emitir papel-moeda através de alguns
bancos, situados em Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre. São Paulo não foi
incluída, o que descontentou a burguesia cafeeira paulista.
A emissão de papel-moeda aumentou o dinheiro
circulante e reativou os negócios, mas, como a produção interna não cresceu nas
mesmas proporções, a inflação também aumentou. Além disso, o crédito fácil
resultou em violenta especulação com as ações das novas empresas que surgiam.
Essa especulação ficou conhecida como encilhamento.
O visconde de Taunay justificava o emprego do termo
dizendo que " ... encilhamento é o nome do local onde se dá a última demão
aos cavalos de corrida antes de atirá-Ios à raia de concorrência".
Referia-se à agitação da bolsa de valores, onde se negociavam ações de empresas
recém-criadas ou
mesmo prestes a se formarem. A especulação desenfreada
chegou a ocasionar o aparecimento de "firmas fantasmas", isto é, que
só existiam no papel, na forma de ações. A inflação aumentou, ocorreram muitas
falências, levando a uma grande crise econômica.
Rui Barbosa avaliou mal a situação socioeconômica
brasileira no início da república. Esquecera-se de que éramos um país
recém-egresso do escravismo; de que os poucos capitais acumulados estavam
ligados à economia cafeeira, respondendo por 3/4 de nossa exportação; de que
nosso mercado interno era insuficiente para acompanhar um rápido processo de
industrialização. Além disso, subestimou a força dos países industrializados,
que fariam pressão para não perderem seus mercados consumidores e suas fontes
de divisas no Brasil e continuarem remetendo divisas daqui para o exterior.
Assim, a política de Rui Barbosa sofreu severas
pressões dos grandes proprietários rurais e dos defensores do capital
estrangeiro. A má repercussão do encilhamento e as reduzidas forças sociais que
apoiavam o ministro facilitaram a tarefa dos que desejavam substituí-lo. Rui
Barbosa seria derrubado e a economia brasileira permaneceria com uma estrutura
dependente, agrária e exportadora.
A ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1891
A elaboração da Constituição também gerou divergências
entre os republicanos: o marechal Deodoro, os positivistas e parte do exército
pretendiam um regime centralizado, enquanto as oligarquias estaduais, formadas
por proprietários de terras, preferiam um regime federalista, que Ihes
asseguraria maior participação no poder.
Em 24 de fevereiro de 1891, promulgou-se a segunda
Constituição brasileira. Grandes proprietários rurais venceram: o Brasil
tornou-se uma federação, isto é, os estados teriam ampla autonomia econômica e
administrativa, poderiam elaborar sua própria Constituição, eleger seus
presidentes (governadores), realizar empréstimos no exterior, decretar impostos
e organizar suas forças militares.
A ampla autonomia estadual não significava,
entretanto, o esfacelamento do poder central, pois o presidente da República
teria amplos poderes para interferir nos estados em caso de tentativa de
separação, invasão estrangeira ou conflitos interestaduais.
O voto era descoberto (não-secreto), direto,
universal, mas proibido a mendigos, analfabetos, religiosos de ordens
monásticas e mulheres. Na verdade, portanto, o voto nada tinha de universal,
pois era proibido a mais da metade da população. Além disso, o fato de ser a
descoberto tornava-o totalmente manipulável pelos grandes proprietários rurais.
Após a promulgação da Constituição, a Assembleia Constituinte tinha como
atribuição escolher os ocupantes dos cargos de presidente e vice-presidente do
Brasil.
Havia sido articulada uma chapa oposicionista, ligada
aos interesses das oligarquias estaduais e liderada por Prudente de Morais, que
foi, porém, derrotada. Os rumores sobre a intervenção militar para impor
Deodoro, caso não vencesse as eleições, garantiram sua vitória. Em compensação,
o candidato oposicionista à vice-presidência, Floriano Peixoto, derrotou o vice
de Deodoro por 96 votos.
OS PRIMEIROS PRESIDENTES: DEODORO E FLORIANO
Não dispondo de maioria parlamentar, Deodoro sofreu
sérias derrotas no Congresso, que vetou muitos de seus projetos: Afirmando
"não poder por mais tempo suportar o Congresso", Deodoro dissolveu-o
e prendeu seus principais líderes. Recebeu apoio por parte do exército e dos
presidentes estaduais, exceto Lauro Sodré, do Pará.
Congressistas liderados por Floriano, Wandenkolk e
pelo almirante Custódio de Meio arquitetaram um contragolpe, ao qual Deodoro
tentou resistir, ordenando a prisão de Custódio de Meio. Este reagiu sublevando
uma esquadra cujos navios postaram-se na baía de Guanabara, ameaçando
bombardear o Rio de Janeiro, caso Deodoro não renunciasse.
Sem alternativa, Deodoro renunciou e entregou o poder
ao vice-presidente Floriano Peixoto, em 23 de novembro de 1891. No governo de
Floriano, o ministro Serzedelo Correa desenvolveu uma política econômica e
financeira voltada para a industrialização: tarifas protecionistas e
facilidades de créditos foram concedidas, porém, acompanhadas de medidas para
controlar a inflação e impedir a especulação.
As mesmas oligarquias que apoiaram o golpe para a
derrubada de Deodoro passaram a fazer oposição a Floriano, fundamentando-se no
artigo 42 da Constituição, que esclarecia: "se, no caso de vaga, por
qualquer causa, a presidência, não houverem decorrido dois anos do período
presidencial, proceder-se-á a novas eleições".
A oposição a
Floriano ocorreu também entre as altas patentes do exército: 13 generais
elaboraram um manifesto em que declaravam ser o governo de Floriano
inconstitucional. Foram punidos com o afastamento do exército. Até o fim de
1894 ainda haveria mais dois graves acontecimentos.
A REVOLUÇÃO FEDERALISTA E A REVOLTA DA ARMADA
A luta pelo poder colocava frente a frente as duas
maiores facções de grandes proprietários de terras do Rio Grande do Sul. De um
lado agrupavam-se os federalistas - os maragatos -, liderados por Gaspar
Silveira Martins, que exigiam uma reforma na Constituição do estado e a
implantação do parlamentarismo. De outro, estavam os pica-paus, chefiados pelo
presidente do estado, Júlio de Castilhos, que apoiavam a centralização do
poder.
Na verdade, a luta entre as duas facções políticas
refletia as divergências entre as oligarquias proprietárias rurais da região. A
revolta tornou-se violenta, tomando características de guerra civil. Os
Maragatos instalaram sua base de operações no Uruguai,
de onde avançavam sobre o território gaúcho.
Floriano tomou a defesa do presidente do estado, Júlio
de Castilhos, apesar de ele anteriormente ter apoiado Deodoro. A razão é que
precisava da adesão da bancada gaúcha no Congresso.
Nas palavras do historiador Hélio Silva, a revolução
Federalista foi "uma epopeia rastreando de fogo o pampa gaúcho; bela e
gloriosa nas cargas dos lanceiros e torpe e cruel na degola dos vencidos, no
estupro das mulheres, no saque das estâncias". A guerra civil prosseguiu
até 1895.
A oficialidade da marinha provinha quase que
inteiramente da antiga aristocracia imperial. Em
setembro de 1893, a esquadra sublevou-se, liderada
pelo almirante Custódio de Meio. Os rebeldes, que exigiam a imediata
normalização constitucional do país, ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro,
zarpando depois para o Sul.
Uniram-se aos federalistas, que já haviam ocupado a
cidade de Desterro, atual Florianópolis, criando um governo revolucionário.
Esse fato passou à história com o nome de governicho de Santa Catarina. O
almirante Saldanha da Gama aderiu aos revoltosos, colaborando na ocupação do
Paraná
e no ataque a São Paulo. A presidência de Floriano
estava seriamente ameaçada.
O presidente, então, armou uma esquadra e com ela
enfrentou os rebeldes no Rio de Janeiro, que se asilaram em navios portugueses.
A repressão foi violenta: os governos rebeldes do Paraná e Santa Catarina foram
depostos, enquanto se sucediam fuzilamentos em massa.
A SUCESSÃO DE FLORIANO
Fortalecido pelas campanhas contra os rebeldes,
Floriano consolidou seu poder e passou a ser conhecido pelo cognome de
"marechal de ferro".
Por essa razão, supunha-se que Floriano - apoiado pelo
Partido Republicano Federal – não passaria a presidência a seu sucessor, mas
que tentaria instaurar uma ditadura.
Ante essa possibilidade, o Partido Republicano
Paulista, que representava os interesses da burguesia cafeeira de São Paulo e
pretendia adquirir o completo controle político da nação, articulou, em 1893, a
constituição do Partido Republicano Federal. Inicialmente os florianistas
pareciam ter maioria no novo partido e tudo fazia crer que Floriano iria tentar
impor sua continuidade na chefia do Executivo. Mas na convenção de setembro
daquele ano, Prudente de Morais, lançado pelos paulistas, foi escolhido
candidato do partido à Presidência da República.
Prudente de Morais, o candidato civil da burguesia
cafeeira paulista, venceu as eleições. Floriano preferiu não enfrentar a forte
oligarquia paulista, já que esta reunia em torno de si a maior parte das
oligarquias dos outros estados.
Com a burguesia cafeeira paulista no poder, terminava
o período da República da Espada e iniciava-se a República Oligárquica. As
oligarquias, formadas pelos grandes proprietários rurais de cada estado,
assumiam o controle completo da nação, sob a hegemonia da burguesia cafeeira
paulista. A classe média e as camadas populares sofreriam os efeitos da nova
política econômica, pois a valorização artificial do café transferia para o
consumidor o ônus causado pelas dificuldades financeiras.
Embora as instituições tivessem se transformado na
transição do Império para a república, o poder continuava nas mãos dos grandes
proprietários rurais, mantendo-se o caráter agrário, monocultor, latifundiário
e exportador da nossa economia. Consequentemente, o país continuava subordinado
economicamente aos Estados Unidos e às potências europeias.
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