Entre as primeiras civilizações
orientais pertencentes ao modo de produção asiático, baseadas na servidão
coletiva, a egípcia sobressaiu-se como uma das mais grandiosas e a mais
duradoura. Marcada pelas grandes obras hidráulicas (canais de irrigação,
diques), fundamentais para a agricultura, a civilização egípcia contava com um
Estado despótico que controlava a estrutura socioeconômica e administrativa,
graças às instituições burocráticas, militares, culturais e religiosas que
controlavam e subordinavam toda a população.
Situada no nordeste da África, numa
região predominantemente desértica, a civilização egípcia desenvolveu-se no
fértil vale do Nilo, beneficiando-se do seu regime de cheias. As abundantes
chuvas que caem durante certos meses na nascente do rio, ao sul do território
egípcio (atual Sudão), provocam o transbordamento de suas águas. Essas cheias,
ao ocuparem as margens do rio, depositam ali o húmus fertilizante. Quando
termina o período chuvoso e o rio volta ao seu leito normal, as margens ficam
prontas para uma agricultura farta.
Este quadro natural favoreceu o
surgimento das primeiras aldeias neolíticas no vale do Nilo, constituindo-se os
nomos, comunidades autônomas que desenvolviam uma agricultura rudimentar
e eram chefiadas pelos nomarcas. O crescimento da população e o
aprimoramento agrícola logo possibilitaram o nascimento das primeiras cidades
cujos habitantes foram aperfeiçoando as técnicas de irrigação e,
simultaneamente, uma cultura de características singulares, a exemplo da
escrita hieroglífica e do calendário solar.
Para agregar esforços na construção
de diques e canais de irrigação, deu-se a reunião dos nomos, originando a
formação de dois reinos, o reino do Alto Egito, localizado ao sul do
Nilo, e o do Baixo Egito, ao norte, por volta de 3500 a.C. Em 3200 a.C.,
Menés, governante do Alto Egito, impôs a unificação dos reinos, tornando-se o
primeiro faraó, subordinando 42 nomos. Os nomarcas, convertidos em
representantes do poder central nessas comunidades, administravam diversas
aldeias e pequenas cidades, cuidando da coleta dos impostos e da aplicação das
determinações estabelecidas pelo faraó.
Com a unificação, iniciou-se o
chamado período dinástico da história egípcia. O faraó adquiriu o papel
de supremo mandatário, concentrando todos os poderes em suas mãos e
apropriando-se de todas as terras; a população deveria pagar tributos a ele e
servi-lo. Reforçando seu poder, o faraó encarnava também o elemento religioso,
passando a ser considerado um deus vivo, sendo cultuado como tal. Daí chamarmos
monarquia teocrático o regime político do Egito Antigo.
O Antigo Império (3200 a.C. – 2300 a.C.)
Com a unidade política criada por
Menés, a capital do Egito passou a ser a cidade de Tinis e, mais tarde, foi
transferida para a cidade de Mênfis, atual Cairo.
A maior parte da população trabalhava
na agricultura e, não raramente, era convocada para trabalhar nos grandes
projetos arquitetônicos, como as pirâmides, os templos funerários, destinados
ao faraó e sua família. Depois de 2780 a.C., foram erguidas as grandes
pirâmides de Gizé, túmulos dos faraós da quarta dinastia egípcia: Quéops,
Quéfren e Miquerinos.
Depois de longa estabilidade política
e social, o Egito, a partir de 2300 a.C., conheceu um período de
enfraquecimento do poder central e um consequente fortalecimento dos nomarcas,
ocasionando a descentralização política conhecida por período feudal egípcio.
Foi uma época de acirradas lutas entre os nomarcas e de inúmeras revoltas
sociais, o que resultou em profundas crises decorrentes da desorganização da
produção.
O Médio Império (2000 a.C. – 1580 a.C.)
Perto do século XX a.C., teve início
uma luta contra os nomarcas, que, progressivamente, acabou restabelecendo o
poder do faraó e a unidade do império. A cidade de foi Tebas transformou-se na
nova capital, sendo que os novos faraós, especialmente os da XII dinastia,
abriram um novo período de prosperidade contando com a vassalagem geral da sociedade,
submetida pelo poder central.
O dinamismo do período deveu-se às
novas obras de irrigação, ampliando as áreas agrícolas e produtivas, e à
construção de grandes tumbas e templos. Tal foi o desenvolvimento que as artes
e a literatura egípcia desta época transformaram-se em modelos áureos e fontes
de interesse para as gerações posteriores.
Contudo, os vários levantes
empreendidos pelos nobres que reivindicavam maior autonomia, acompanhados de
rebeliões camponesas estimuladas pela penúria popular, minaram o poder central
egípcio. Perto de 1 800 a.C., agravando ainda mais o quadro geral, teve início
uma onda de invasões estrangeiras, com hebreus e, principalmente, hicsos,
estabelecendo domínios na região.
Os hicsos, povos de origem asiática,
usavam cavalos, carros de guerra e armas feitas de ferro, equipamentos que até
então eram desconhecidos no vale do Nilo. Esses recursos permitiram aos
invasores isolar os faraós em Tebas e exercer um completo domínio sobre a
tributação, controlando o país por quase dois séculos.
O Novo Império (1580 a.C. – 525 a.C.)
A dominação dos hicsos uniu os
egípcios, despertando um forte sentimento militarista entre eles, que, a partir
de Tebas e sob a liderança de Amósis I, conseguiram expulsar os
invasores, em 1580 a.C. Após a expulsão dos hicsos, os hebreus, também
invasores de origem asiática, foram dominados e escravizados. Perto de 1250
a.C., os hebreus conseguiram deixar a região, sob o comando de Moisés, no
chamado Êxodo. Assim, a unidade territorial e política foi restabelecida e
Tebas retomou a posição de capital, dando início ao Novo Império, período de
apogeu da civilização egípcia.
A força do Novo Império tratou de
ampliar as fronteiras imperiais, destacando-se os faraós Tutmés III e Ramsés
II, bem como o reformador religioso, Amenófis IV.
Sob o governo de Tutmés III
(1480 a.C. 
1448 a.C.), o império alcançou a sua maior
expansão territorial, estendendo-se da quarta catarata do rio Nilo, ao sul, até
o rio Eufrates na Asia, ao norte, subjugando os sírios, os fenícios e outros
povos. Tal extensão territorial, assegurada pelas conquistas, fez do Egito o
primeiro império mundial. A força militar do faraó era formada pela infantaria,
armada de arcos, setas e lanças, e pela cavalaria, equipada com carros.
Dispunha também de uma esquadra composta de galeras a remo e barcos a vela.
Já o faraó Amenófis IV (1377
a.C. - 1358 a.C.), conhecido como o rei herético, procedeu uma revolução
religiosa, tentando pôr fim ao culto politeísta. Tida pelo faraó como uma
doutrina ultrapassada e conservadora, a religião egípcia cultuava várias
divindades
(tendo Amon-Ra, o sol, como a
mais importante) e concedia amplos poderes aos sacerdotes.
Há muito que o aumento constante da
riqueza e da ingerência política dos sacerdotes de Amon ameaçavam a autoridade
do governo central. Bem antes de Amenófis IV, já havia começado a ganhar
adeptos na corte uma nova forma de culto solar, de influência asiática, em que
todos se dirigiam ao próprio disco visível do sol. Pouco a pouco, o novo culto
evoluiu de uma tímida religiosidade com conotações políticas para, no tempo de Amenófis
IV, transformar-se no foco de uma crise político-religiosa sem precedentes.
Amenófis IV buscou mudar esse quadro,
estabelecendo o culto monoteísta a Aton, o círculo solar, confiscando bens dos
sacerdotes e excluindo os demais deuses. O próprio faraó mudou o seu nome, que
recordava Amon (Amenófis, na realidade Amen-hotep
= ' 'Amon está satisfeito"), para Akhenaton (Ech-n-Aton
= ''Aquele que agrada a Aton"), e fundou uma nova capital, Akhetaton
(= horizonte do disco solar"), situada a pouco mais de 30 quilômetros de
Tebas.
Os casamentos sucessivos de Amenófis
IV não resultaram num esperado herdeiro, o que favoreceu o retorno do
poderio dos sacerdotes e do culto politeísta tradicional. Nem sua esposa
principal, a bela Nefertiti, que lhe deu várias filhas, nem o casamento
com algumas de suas filhas, puderam resultar num varão que garantisse a
sucessão.
Aproveitando-se dessa fragilidade, os
sacerdotes depuseram Amenófis IV e outorgaram a Tutankhamon ("Aquele
que vive em Amon"), genro de Amenófis, o título de faraó, ratificando a
força do Estado egípcio.
O prosseguimento das conquistas
militares deu-se no governo do faraó Ramsés II (1292 a.C. - 1225 a.C.),
que enfrentou e venceu vários povos asiáticos, como os hititas, na batalha de Kadesh.
Foram quinze anos de enfrentamentos, até que, em 1272 a.C., egípcios e hititas
assinaram um acordo de paz, o mais antigo que se conhece na história.
Na busca da máxima exaltação de seu
poder, Ramsés II, que reinou por mais de setenta anos e teve 59 filhas e 79
filhos,
chegou a desfigurar o rosto das
estátuas do templo de Luxor e escrever nelas o seu próprio nome, inaugurando a
prática de uma revisão e adulteração da história, que caracterizou muitos
outros governantes ao longo da história humana.
O poderio e o esplendor alcançados no
Novo Império eram evidenciados não apenas pelas conquistas militares, como
também
pelas manifestações culturais,
a exemplo da construção dos templos de Karnac e Luxor, iniciados ainda no Médio
Império e ampliados por outros faraós.
Contudo, depois de Ramsés II, foram
poucos os períodos de estabilidade e unidade sob o comando do governo central;
assim, iniciou-se a fase de declínio da civilização egípcia. Entre as várias
razões para essa decadência destacaram-se as disputas políticas que envolviam
as autoridades sacerdotais, que, em alguns momentos, chegaram a constituir um
Estado dentro do Estado, sob o comando do sumo-sacerdote, não raramente
ignorando o poder do faraó.
Outra razão era o próprio exército,
que, formado em grande parte por mercenários estrangeiros, acabou dispersado
por interesses estranhos a uma obediência hierárquica, determinando a quebra do
poder estatal.
Desprotegido militarmente, o Egito
foi perdendo pouco a pouco suas antigas conquistas e seus domínios orientais.
Após 1100 a.C., o Egito voltou a se
dividir, passando a ter governantes autônomos e rivais no Alto e no Baixo
Egito, fragilizando-se e facilitando o avanço de conquistadores vizinhos.
Dentre estes, destacaram-se os assírios, que, em 662 a.C., sob o comando de Assurbanipal,
conquistaram a região. Os egípcios, porém, resistiram à dominação assíria e o
faraó Psamético I (655 a.C. - 610 a.C.) obteve a libertação da nação,
iniciando um intenso florescimento econômico e cultural.
No período denominado renascimento
saíta, pois Sais havia se transformado na nova capital, o Egito
recuperou alguns territórios e uma forte unidade. Foi nessa fase, como descreve
o historiador grego Heródoto, que o faraó Necao intensificou o comércio
com a Ásia e financiou o navegador fenício Hamon numa viagem que
contornou toda a costa africana. O navegador partiu do mar Vermelho, desceu
pelo oceano Indico, cruzou o sul da África, voltando a dirigir-se ao norte já
no oceano Atlântico e, depois de três anos, estava de volta ao Egito pelo mar
Mediterrâneo.
Depois de Necao, as disputas
políticas envolvendo burocratas, sacerdotes e militares ganharam intensidade e
descontrole, e somadas às rebeliões camponesas, enfraqueceram definitivamente o
império. As invasões tornaram-se cada vez mais frequentes e bem-sucedidas, até
que, em 525 a.C., os persas, comandados pelo rei Cambises, conquistaram
o Egito na batalha de Pelusa, destronando o faraó Psamético III.
Transformado pelos conquistadores em uma
província do Império Persa, o Egito foi vítima, posteriormente, de outras
dominações, como a dos gregos, macedônios, romanos, árabes, turcos e ingleses,
recuperando sua autonomia política somente no século XX.
Durante o domínio romano teve 'início
a penetração do cristianismo na região e, mais tarde, com a ocupação árabe, do
islamismo, religiões que ajudaram a demolir o que restava da antiga cultura
egípcia que durara perto de três milênios. Além dos exemplos arqueológicos,
como as pirâmides e templos, chegaram até nós também resquícios de sua língua,
ironicamente, através dos cultos da igreja cristã do Egito, ou copta.
Economia, sociedade e cultura no Egito antigo
No antigo Egito, a organização das
atividades produtivas era uma atribuição do Estado, detentor da maioria das
terras férteis. Cabia à população camponesa, subjugada ao poder do faraó, pagar
impostos sob a forma de produtos ou trabalho, constituindo o que se denomina
servidão coletiva. Dessa forma, o Estado apropriava-se dos excedentes da
produção, utilizando mão-de-obra gratuita para construir depósitos de
armazenagem e uma ampla burocracia estatal para cobrar impostos. Mesmo as
poucas propriedades privadas que existiram no Egito antigo também sofriam um
controle do Estado.
Na época das cheias do Nilo, quando a
atividade agrícola era suspensa, os trabalhadores eram geralmente requisitados
pelo Estado para trabalhar nas obras de construção de diques, canais de
irrigação, templos, palácios etc.
Na produção agrícola destacavam-se,
entre outros itens, o trigo, a cevada, o algodão, o papiro, o linho, e, na
criação de animais, cabras, carneiros e gansos, além da intensa pesca no rio
Nilo. Também foram desenvolvidas várias atividades artesanais, bem como a
produção de tecidos e vidros e a construção de navios.
A partir dessa base econômica, a sociedade
egípcia estruturava-se da seguinte forma: acima de todos achava-se o faraó e
sua ampla família; logo abaixo na escala hierárquica vinha a aristocracia
privilegiada constituída por sacerdotes, funcionários do Estado (burocratas e
militares) e nobres, descendentes das grandes famílias dirigentes dos nomos.
Entre os burocratas destacavam-se os escribas, funcionários responsáveis pela
contabilidade e supervisão da organização administrativa. Na base da sociedade
egípcia, estava a ampla massa camponesa e o grupo não muito numeroso dos
escravos, os quais, quase sempre, eram prisioneiros de guerra. A sujeição dos
camponeses era conseguida graças à repressão e às características da cultura
egípcia, na qual a religião, largamente difundida, promovia a preservação da
ordem existente.
A religião politeísta foi o elemento
cultural mais atuante no Egito antigo, constituída por uma centena de deuses,
alguns em forma de animais, como vacas, touros, crocodilos, serpentes, gatos
etc. A diversidade de divindades remontava às origens das aldeias e dos nomos
do período pré-dinástico, com seus cultos locais, depois agrupados e
remodelados numa religião nacional. De todas as divindades egípcias,
sobressaía-se Amon-Ra (sol), especialmente fortalecido no Novo
Império, após a tentativa
frustrada de reforma religiosa de Amenófis IV. Outras divindades importantes
eram Osíris, Isis, Set, Hórus, Anúbis e Apis.
Da mesma forma como as cheias
sucediam às vazantes, o dia à noite, os egípcios acreditavam que o mesmo
acontecia com a vida, a qual sucedia à morte. As vezes, imaginavam o morto
voltando à vida na própria tumba, considerada como uma "casa de
eternidade", de onde só
poderia escapar temporariamente assumindo a forma de pássaro. Outras vezes,
depois de renascido, o indivíduo navegava na barca solar ou então passava pelo
julgamento do deus Osíris, depois do qual, se não fosse condenado por seus
feitos, iria viver num outro mundo melhor.
Para que o corpo pudesse voltar a
abrigar a alma, desenvolveu-se o culto aos mortos e a técnica de mumificação de
cadáveres, um conhecimento controlado pelos sacerdotes. No início, a
mumificação era uma exclusividade do faraó, progressivamente estendida a todos
aqueles que pudessem pagar as elevadas despesas da mumificação.


A técnica da mumificação foi tão
desenvolvida no Egito que permitiu apurado conhecimento de anatomia humana,
favorecendo o desenvolvimento da medicina e o surgimento de especialistas em
várias áreas, como para doenças do estômago, do coração ou fraturas. Não eram
raras, no Egito antigo, as bem-sucedidas intervenções cirúrgicas cranianas. O
ensino, especialmente o mais aprofundado, aquele que se assemelharia ao curso
superior na atualidade, visava manter as classes dirigentes da sociedade, com
seus profissionais, sábios e eruditos.
A medicina, a arquitetura e a
engenharia
foram utilizadas e estimuladas
pelo poder central — tanto pelo faraó, quanto pelos sacerdotes. Também foram
incorporadas as demais áreas refinadas do saber, cujos técnicos e artistas
atuavam como verdadeiros funcionários do Estado. Do desenvolvimento da
astronomia egípcia nasceu um calendário solar composto de doze meses, cada um
com trinta dias. E, para o desenvolvimento da engenharia e da arquitetura, além
das obras hidráulicas, como diques e canais, a construção de templos e
pirâmides foi de fundamental importância.
Quase sempre voltada para os deuses,
para o faraó e para a corte, a pintura egípcia distinguia-se pela ausência de
perspectiva e a escultura, muitas vezes monumental, pela rigidez. Na
literatura, cultivava-se a poesia, a filosofia e a medicina, destacando-se o '
'Hino ao Sol", feito por Amenófis IV.
O Egito antigo desenvolveu três tipos
de escrita: a sagrada, chamada escrita hieroglífica, inventada no período
pré-dinástico, e que possuía mais de seiscentos sinais; a hierática, mais usada
para documentos e era uma forma mais simples e derivada da anterior; e a
demótica, a popular, nascida bem mais tarde e é uma simplificação da hierática
com cerca de 350 sinais.
A decifração destas escritas coube ao
francês Champollion, que utilizou uma pedra encontrada na região de Roseta por
um soldado de Napoleão Bonaparte, em 1799. Com seus trabalhos iniciou-se a
egiptologia, produzindo conhecimentos cada vez mais aprofundados do Egito
antigo.
Vicentino, Cláudio.
História Geral. ed. atual. e ampl.. São Paulo. Scipione, 1997.