Civilizações da
mesopotâmia
Mesopotâmia — nome dado pelos gregos e que significa "terra entre dois rios" — compreendia os vales e planícies irrigados pelos rios Tigre e Eufrates, onde hoje é o território do Iraque e terras próximas. Inserida na área do desde os montes Zagros no Irã, a leste, até os desertos da Arábia, a oeste, contando com os rios que desciam das montanhas em direção ao golfo Pérsico.
A parte norte, na Alta Mesopotâmia, era mais montanhosa, desértica e menos fértil, enquanto o centro e o sul do vale entre os rios Tigre e Eufrates, onde se encontram a Média e a Baixa Mesopotâmia; eram constituídas de planícies muito férteis. Descobertas arqueológicas revelam que a sedentarização das comunidades humanas na Média e Baixa Mesopotâmia ocorreu durante a transição do Paleolítico para o Neolítico, por volta de 10000 a.C., e não são poucos os especialistas que defendem a precedência das grandes organizações civilizadas da região a qualquer outra do mundo.
O surgimento dos primeiros grandes núcleos urbanos na região foi
acompanhado do desenvolvimento de um complexo sistema hidráulico que favorecia
a utilização dos pântanos, evitava inundações e garantia o armazenamento de
água para os períodos de seca. Admite-se, frente ao sucesso do desenvolvimento
das atividades produtivas mesopotâmicas, que perto de 4000 a.C. algumas cidades
cresceram tanto a ponto de reunir mais de dez mil habitantes, a exemplo de
Uruk. As cidades, além de viabilizarem a sobrevivência na região, propiciaram a
defesa militar, a centralização da autoridade e do controle sobre a população.
As mesmas muralhas que defendiam a cidade serviam também para o comando e
domínio de toda a população urbana.
Observando o Egito e a Mesopotâmia, sobressaem algumas similaridades
comuns às duas regiões, como a aridez do clima e a fertilidade favorecida pelos
rios. Por outro lado, o acesso à Mesopotâmia por povos nômades era mais fácil
que ao vale do Nilo. De certa forma, a imensidão do deserto que envolve o Egito
serviu de proteção natural contra os invasores. Na Mesopotâmia, as invasões
foram constantes e sucessivas, imprimindo uma marca diferenciada do seu
desenvolvimento ao longo da Antiguidade.
Além disso, em função do
relevo que os envolve, os rios Tigre e Eufrates correm de noroeste para
sudeste, num sentido oposto ao do rio Nilo, sendo as enchentes da Mesopotâmia
muito mais violentas e sem a uniformidade e a regularidade apresentadas por
ele.
Sumerianos e
acadianos (antes de 2000 a.C.)
No final do período Neolítico, os povos sumerianos, vindos do planalto do
Irã, fixaram-se na Caldéia (Média e Baixa Mesopotâmia) e fundaram diversas
cidades autônomas, verdadeiros estados independentes, como Ur, Uruk, Nipur e
Lagash. Cada uma delas era governada por um patesi, supremo-sacerdote e
chefe militar absoluto. Acompanhado dos sacerdotes e burocratas, o patesi
controlava a construção de diques, canais de irrigação, templos e celeiros,
impondo e administrando os tributos a que toda a população estava sujeita.
Os deuses eram
considerados os proprietários de todas as terras, a quem os homens sempre
deviam servir, sendo as cidades suas moradas terrenas. Junto aos templos das cidades,
homenageando o seu deus patrono, não raramente eram erigidos zigurates,
pirâmides de tijolos maciços que serviam de santuários e acesso dos
deuses quando desciam até seu povo. Diversamente do Egito, os governantes
mesopotâmicos, salvo raras exceções e mesmo assim só depois de mortos, não eram
tidos como deuses e sim seus intermediários e representantes.
Empreendedores e criativos, os sumérios estabeleceram relações comerciais
com vários povos da costa do Mediterrâneo e do vale do Indo. Inventaram a
escrita cuneiforme (caracteres em forma de cunha) que foi utilizada por todas
as civilizações da Mesopotâmia e povos vizinhos. Enquanto as cidades-estados
sumerianas viviam constantemente em guerra pela supremacia na região,
produzindo hegemonias sucessivas, os acadianos, povos de origem semita,
ocupavam a região central da Mesopotâmia. Por volta de 2300 a.C., o rei acadiano
Sargão I, unificou politicamente o centro e o sul da Mesopotâmia, dominando os
sumerianos, tornando-se conhecido como o "soberano dos quatro cantos da
terra". Ao mesmo tempo, o Império Acadiano incorporou a cultura sumeriana,
com destaque para os registros da nova língua semítica em caracteres
cuneiformes.
Devido às diversas revoltas internas e à continuação de invasões
estrangeiras, o Império Acadiano acabou se enfraquecendo e desapareceu — isto
ao redor de 2 100 a.C. — permitindo o breve reerguimento de algumas das
cidades-estados sumerianas, como Ur.
O primeiro Império Babilônico (2000 a.C. – 1750 a.C.)
Amoritas/Amorritas
Entre os invasores que
destruíram o Império Acadiano destacam-se os amoritas. Vindos do deserto da
Arábia, impuseram seu domínio na Mesopotâmia, partindo de sua cidade principal
chamada Babilônia. As disputas entre ela e as demais cidades-estados, mesopotâmicas,
além de outras ondas invasoras, resultaram numa luta quase ininterrupta até o
início do século XVIII a.C. quando de
Hamurábi, rei da Babilônia,
realizou a completa unificação, conseguindo dominar toda a região, desde a
Assíria, na Alta Mesopotâmia, até a Caldéia, no sul, fundando o Primeiro
Império Babilônico.
Rapidamente, a capital babilônica transformou-se num dos principais
centros urbanos da Antiguidade, sediando um poderoso império e convertendo-se
no eixo cultural e econômico da região do Crescente Fértil. Hamurábi também
elaborou o primeiro código de leis completo de que se tem notícia, assentado
nas antigas tradições sumerianas.
O
Código de Hamurábi apresenta uma diversidade de procedimentos jurídicos e
determinação de penas para uma vasta gama de crimes, partindo, a maior parte
delas, do princípio "olho por olho, dente por dente". O Código de
Hamurábi decorria da Lei de Talião que preconizava que as punições fossem
idênticas ao delito cometido.
O Código abarca
praticamente todos os aspectos da vida babilônica, passando pelo comércio,
propriedade, herança, direitos da mulher, família, adultério, falsas acusações
e escravidão. As punições variavam de acordo com a posição social da vítima e
do infrator.
Hamurábi também empreendeu uma ampla reforma religiosa, transformando o
deus Marduk, da Babilônia, no principal deus da Mesopotâmia, mesmo mantendo as
antigas divindades. A Marduk foi levantado um templo junto ao qual foi erguido
o zigurate de Babel, citado pelo Livro do Gênesis (Bíblia) como uma torre para
se chegar ao céu.
Após a morte de Hamurábi, o império entrou em decadência principalmente
por causa das rebeliões internas e novas ondas de invasões, como a dos hititas
e a dos cassitas. A desorganização do Império Babilônico promoveu o surgimento
de vários reinos menores rivais, propiciando a ascensão dos assírios, a partir
de 1300 a.C.
O império Assírio (1300 a.C. – 612 a.C.)
Os assírios fixaram-se no norte da
Mesopotâmia por volta de 2500 a.C., fazendo da cidade de Assur — nome de sua
principal divindade — a sua capital. Ocupavam as margens do rio Tigre e as
montanhas próximas, onde era abundante a madeira e várias riquezas minerais,
como o cobre e o ferro, sobrevivendo graças às atividades agropastoris e à
caça. Aos poucos, edificaram um forte Estado militarizado, contando com
cavalos, carros de guerra e armas de ferro; armamentos bem superiores aos dos
vizinhos, os quais foram submetidos ao seu domínio. Nesse primeiro avanço
expansionista, os assírios conquistaram várias regiões vizinhas, incluindo a
Média Mesopotâmia e boa parte da Síria e da Palestina.
O
predomínio social entre os assírios cabia a uma aristocracia sacerdotal e
militar que sujeitava toda a massa camponesa, a qual era obrigada ao pagamento
de tributos em cereais, metais, gado e a prestar serviços gratuitos ao Estado.
Com a crescente expansão e militarização da sociedade assíria, a produção e os
serviços públicos acabaram ficando a cargo das populações vencidas,
transformadas em escravos, e grande parte dos lavradores, e artesãos assírios
passou a compor o exército.
Os assírios ficaram famosos pela crueldade com que tratavam os vencidos,
não sendo raro o esfolamento vivo nas pedras. Cortavam orelhas, órgãos genitais
e narizes daqueles que ousassem ameaçar seu domínio, buscando a total
intimidação dos conquistados. Durante o reinado de Sargão II, os assírios
conquistaram o reino de Israel e, no de Tiglatfalasar, tomaram a cidade da Babilônia.
Durante o século VII a.C., sobretudo nos reinados de Senaqueribe (705 a.C. -
681 a.C.) e de Assurbanipal (668 a.C. - 631 a.C.), o Império Assírio atingiu
seu apogeu, dominando uma área que se estendia do golfo Pérsico à Asia Menor e
do Tigre até o Egito.
Com Senaqueribe, a capital foi transferida de Assur para Nínive e, sob
Assurbanipal foram realizadas as últimas grandes conquistas assírias, incluindo
a do Egito. Assurbanipal, além de grande guerreiro, era um entusiasta da ciência
e literatura, o que explica a criação de uma grande biblioteca na nova capital
assíria. A Biblioteca de Nínive reuniu um amplo acervo cultural de toda a
região, formada por dezenas de milhares de tijolos de argila.
Após a morte de Assurbanipal (631 a.C.), o Império Assírio declinou
rapidamente, graças às revoltas dos povos dominados, sucumbindo definitivamente
em 612 a.C. Nesta data, Nabopolassar, rei dos caldeus, e com ajuda dos medos,
seus vizinhos, destruíram Nínive e todo o Império Assírio, inaugurando o
Segundo Império Babilônico.
O segundo império
babilônico (612 a.c. – 539 a.c.)
Caldeus
Os
caldeus, povo de origem semita, derrotaram os assírios e fizeram da Babilônia
novamente a capital da Mesopotâmia. Assim nasceu o Império Neobabilônico, mais
grandioso que o de Hamurábi, e mais de mil anos depois.
Durante o reinado de Nabucodonosor
(604 a.C. - 561 a.C.), o Segundo Império Babilônico viveu o seu apogeu. Foi a
época das grandes construções públicas, como os templos para vários deuses,
especialmente o de Marduk, as grandes muralhas da cidade e os palácios, a
exemplo dos "Jardins Suspensos da uma das maiores "maravilhas do
mundo"
Nabucodonosor também expandiu seu
império, dominando boa parte da Fenícia, Síria e Palestina, e escravizando os
habitantes do reino de Judá, que foram transferidos como escravos para a
capital ("Cativeiro da Babilônia").
O
Segundo Império Babilônico não sobreviveu por muito tempo à morte de
Nabucodonosor, sendo conquistado em 539 a.C. pelo rei persa Ciro l. A partir
daí, a Mesopotâmia e seus domínios passaram a pertencer ao Império Persa.
Economia, Sociedade e cultura
A
estrutura produtiva mesopotâmica, tal como a do Egito, inseria-se no modo de
produção asiático, tendo a agricultura como atividade principal e a população
submetida ao sistema de servidão coletiva. A unidade econômica da cidade-estado
ou do império dependia do templo, eixo da religião, e dos sacerdotes, que
atuavam como elo de ligação entre a população e a autoridade política, o patesi
ou o imperador. Como as terras pertenciam aos deuses, os seus representantes
(políticos e religiosos) administravam essas terras e dominavam camponeses,
artesãos (padeiros, oleiros, tecelões, ferreiros etc.), soldados e serviçais
menores, obrigados a produzir, defender e a trabalhar nas obras públicas.
Uma aristocracia de governantes,
sacerdotes e funcionários públicos, através do Estado, controlava a construção
de reservatórios de água, diques, canais de irrigação, estradas e depósitos de
alimentos, além de impor tributos sobre quase tudo o que era produzido. Também
contava com a mão-de-obra escrava, constituída dos vencidos nas guerras. Nos
celeiros públicos, conhecidos os estoques, definia-se o critério de
distribuição dos excedentes agrícolas obtidos da população.
O artesanato e o comércio
mesopotâmicos atingiram muito desenvolvimento, com seus negociantes organizando
caravanas que iam da Arábia à Índia, buscando ou levando produtos, como lã,
tecidos, cevada e minerais, entre outras mercadorias. Quando utilizavam os rios
Tigre e Eufrates ou o mar, alcançado através do golfo Pérsico, frequentemente
contavam com navios tripulados por marinheiros fenícios. A intensidade das
atividades econômicas da Mesopotâmia chegou a transformar muitas de suas
cidades em grandes entrepostos comerciais, destacando-se, especialmente, a
Babilônia.
A estrutura social mesopotâmica também
assemelhava-se à do Egito, tendo no topo uma pequena elite poderosa,
concentradora de privilégios e da força, sustentada pela esmagadora maioria da
população submetida à servidão imposta por um governo despótico e teocrático. A
cultura mesopotâmica descendia, em grande parte, dos sumérios, destacando-se
especialmente a escrita cuneiforme.
A religião mesopotâmica, de herança sumeriana
e ampliada por seus sucessores, tinha inúmeros deuses que representavam fenômenos
da natureza (atualmente são conhecidos cerca de três mil) e era vista como meio
de obter recompensas terrenas imediatas, pois, ao contrário dos egípcios, os
mesopotâmicos não acreditavam na vida após a morte. Mesmo assim, na Assíria e
na Babilônia, a religião evoluiu para a crença de que os mortos deveriam
receber boas sepulturas, para nunca abandonarem seu mundo de sombras. Do
contrário, eles achavam que a a:ma não encontraria paz e ficaria vagando pela
terra e sofrendo eternamente e provocando desgraças. Para alcançar as vantagens
os mesopotâmicos submetiam-se aos rituais religiosos, comandados pelos sacerdotes,
os quais faziam dos templos o centro de toda religiosidade. Estes templos
podiam abrigar também o celeiro e as oficinas, integrando, inclusive, a torre
do zigurate.
Os mesopotâmicos sobressaíram-se nas
ciências, na arquitetura e na literatura. Observando o céu, especialmente a
partir de suas torres e buscando decifrar a vontade dos deuses, os sacerdotes
desenvolveram a astrologia e a astronomia, conseguindo atingir um amplo
conhecimento sobre fenômenos celestes, como o movimento de planetas e estrelas
e a previsão de eclipses.
Aprimorando os conhecimentos de astronomia,
avançaram no domínio da matemática que também servia às necessidades da vida
econômica. Foram os inventores da álgebra, desenvolvendo cálculos de divisão e
multiplicação, incluindo a criação da raiz quadrada e da raiz cúbica. Também
dividiram o círculo em 360 graus e criaram um calendário com o ano de doze
meses, divididos em semanas de sete dias e estes, em períodos de doze horas.
Na arquitetura, os mesopotâmicos foram
inovadores com a aplicação de arcos; na escultura e pintura, enfatizaram a
estatuária e elaboração dos baixos-relevos com sentido decorativo,
especialmente para templos e palácios.
Na
literatura, constituída principalmente de poemas e narrativas épicas,
destacam-se duas obras sumerianas, a Epopéia de Gilgamés, a mais antiga
narrativa sobre o dilúvio, e o Mito da Criação.
Na primeira, Gilgamés é apresentado
como rei de Uruk que busca a imortalidade, acompanhado em suas aventuras por
Enkidu. Em uma de suas passagens, o poema assemelha-se intensamente à posterior
descrição do dilúvio no Antigo Testamento, não deixando dúvida de que os
autores do Gênesis ali se inspiraram. No poema sumério, o herói é Utanapishtim,
enquanto no Gênesis, é Noé:
"Quando
chegou o sétimo dia, soltei um
[pombo.
O pombo
partiu, mas regressou em
[seguida;
deu um voo
curto pois não encontrou
[lugar seguro
para pousar.
Depois
soltei uma andorinha.
A andorinha
partiu, mas logo regressou.
Mandei
soltar um corvo que,
vendo que as
águas tinham descido,
come,
descreve um círculo e não
[regressa.
Já o Mito da Criação, narra a origem do mundo através do mito do Marduk,
deus da Babilônia, que criara o céu e a terra, os astros e o homem para servir
aos deuses. Vale destacar também, como grande
marco da história do Direito, o Código de Hamurábi.
Vicentino,
Cláudio. História Geral. ed. atual. e ampl.. São Paulo. Scipione, 1997.
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