O RENASCIMENTO CULTURAL
As
transformações socioeconômicas iniciadas na Baixa Idade Média e que culminaram
com a Revolução Comercial na Idade Moderna afetaram todos os setores da sociedade,
ocasionando inclusive mudanças culturais. Intimamente ligadas à expansão
comercial, à reforma religiosa e ao absolutismo político, as transformações
culturais dos séculos XIV a XVI — movimento denominado Renascimento cultural
estiveram
articuladas com o capitalismo comercial.
Primeiro
grande movimento cultural burguês dos tempos modernos, o Renascimento
enfatizava uma cultura laica (não-eclesiástica), racional e científica,
sobretudo não-feudal. Entretanto, embora tentasse sepultar os valores da Igreja católica,
apresentou-se como um entrelaçamento dos novos e antigos
valores, refletindo o caráter
de transição do período. Buscando subsídios na cultura greco-romana, o
Renascimento foi a eclosão de
manifestações artísticas,
filosóficas e científicas do novo mundo urbano e burguês.
O
Renascimento não foi, como o termo pode evocar a princípio, uma simples
renovação da cultura clássica e muito menos um renascer cultural, como se antes
não houvesse cultura. Apenas inspirou-se na Antiguidade Clássica, sobretudo no
antropocentrismo, a fim de resgatar valores que interessavam ao novo mundo
urbano-comercial. Própria das mudanças em curso e da negação do período
anterior foi a denominação, dada então à Idade Média, de “Idade das Trevas”.
Descartando
a imensa produção cultural do período anterior, o
Renascimento caracterizou-se por ser essencialmente um movimento anticlerical e
antiescolástico, pois a cultura leiga e humanista opunha-se à cultura
eminentemente religiosa e teocêntrica do mundo medieval.
No conjunto da produção
renascentista, começaram a sobressair valores modernos, burgueses, como o
otimismo, o individualismo, o naturalismo, o hedonismo e o neoplatonismo. Mas o
elemento central do Renascimento foi o humanismo, isto é, o homem como centro
do universo (antropocentrismo), a valorização da vida terrena e da natureza, o
humano ocupando o lugar cultural até então dominado pelo divino e
extraterreno.
Com o
humanismo abandonava-se o uso de conhecimentos clássicos tão-somente para
provar dogmas e verdades religiosas, descartando-se a erudição medieval
confinada nas bibliotecas ou na clausura dos mosteiros. Impulsionava-se a
paixão pelos clássicos greco-romanos numa busca de sabedorias e belezas
"esquecidas" pela Idade Média.
O homem
renascentista, artista, cientista, literato, confunde-se com o próprio Deus
pela sua genialidade e criatividade, por emergir da profundeza escura da
sujeição escolástica para se tornar verdadeiramente humano que, como diz Roland
Mousnier, "pode assemelhar-se a Deus primeiramente, depois identificar-se
a ele, se Deus o quiser, pela criação. O homem é, como Deus, um artista universal".
Fatores geradores do Renascimento
As
transformações econômicas do final da Idade Média, associadas ao processo de
urbanização e ascensão da burguesia, tornaram as concepções
artístico-literárias feudais inadequadas. Novas exigências afloraram,
refletidas no desenvolvimento comercial e na nova sociedade urbana emergente.
As primeiras manifestações renascentistas apareceram e triunfaram onde essas
transformações já predominavam — na Itália.
Reaberto o
mar Mediterrâneo, com as Cruzadas, as cidades italianas de Florença, Veneza,
Roma e Milão transformaram-se em grandes centros de desenvolvimento
capitalista, motivo pelo qual apresentavam as condições necessárias para a
germinação e proliferação do Renascimento.
Além disso,
surgiram na Itália os mecenas, ricos patrocinadores das artes e das ciências,
que objetivavam não só a promoção pessoal, mas também proveitos culturais e
econômicos. Destacaram-se como protetores das artes os Médicis, em Florença, e
os Sforza, em Milão.
Os italianos
contavam ainda com uma viva presença da cultura clássica, graças aos seus
muitos monumentos e ruínas, o que contribuía para o revigoramento de valores
pré-feudais.
Foi também a
Itália o principal polo de atração dos sábios bizantinos, pensadores formados
pela cultura clássica grega, que para lá se dirigiam fugindo da decadência do
Império Romano do Oriente e das crescentes pressões dos turcos otomanos.
Completando
a imensa gama de componentes que detonaram o início do Renascimento na Itália,
havia ainda as influências dos árabes, povo que obtivera, ao longo dos séculos,
enorme repositório de valores da Antiguidade Clássica e que mantinha contatos
comerciais com os portos italianos.
Fases do Renascimento
Houve
precursores do Renascimento, como Dante Alighieri (1265-1321), natural de
Florença, que escreveu a Divina comédia em dialeto toscano. Entretanto, apesar
de sua obra criticar o comportamento eclesiástico, Dante ainda apresentava
fortes influências medievais. O Renascimento italiano se impôs efetivamente a
partir do século XIV, estendendo-se até o século XVI. Chamamos de Trecento (os
anos trezentos) a fase do século XIV, Quattrocento (os anos quatrocentos) a do
século XV e Cinquecento (os anos quinhentos) o período mais criativo, que foi
de 1 500 a 1550.
Nas artes plásticas, a principal
figura desse período foi Giotto (1266-1337), que rompeu com a tradicional
pintura medieval e seu imobilismo, caracterizado por uma hierarquia rígida que
determinava a importância dos personagens pintados (Cristo sempre estava acima
dos santos, era maior que os anjos e estes apareciam acima dos santos). Giotto
fez do humano e da vida o foco de suas pinturas, dando às suas figuras um
aspecto humano com traços de individualidade, destacadamente em São
Francisco pregando aos pássaros e Lamento ante Cristo morto.
Nas letras, o período caracterizou-se
pelo uso da língua italiana (dialeto toscano), embora ainda houvesse fortes
influências medievais. Dois autores se destacaram: Petrarca
(1304-1374) e Giovanni Boccaccio (1313-1375).
Petrarca, considerado o ' 'pai do
humanismo e da literatura italiana" imprimiu em sua obra épica, De África,
marcantes traços dos clássicos greco-latinos. Apesar disso, em algumas obras,
como nos poemas Odes a Laura, evidenciava-se ainda uma forte religiosidade
cristã medieval, aliada ao trovadoresco das canções dos cavaleiros do século
XIII. Boccaccio é o autor de Fiammetta, Filistrato e Decameron, conjunto de
contos que ressaltam o egoísmo, o erotismo e o anticlericalismo, desprezando os
ideais ascéticos do período medieval.
O Quattrocento -
século XV
O entusiasmo pela cultura greco-romana
fez renascer, na literatura desse período, as línguas clássicas e o paganismo.
Em Florença, foi criada a Escola Filosófica Neoplatônica, com o patrocínio do
mecenas Lourenço de Médici. Na pintura, tiveram grande importância os artistas
de Florença, que introduziram a técnica a óleo. Dentre eles, podemos destacar
Masaccio (1401-1429), que, embora tenha tido uma breve passagem pelo cenário
artístico de Florença, influenciou a pintura ao romper com resquícios da arte
medieval, chamados de "gótico tardio"
Deu aos seus trabalhos realismo,
volume e peso, tomando da arquitetura e da escultura alguns de seus princípios
básicos. Conseguiu transportar para suas telas a geometria em perspectiva do
arquiteto Brunelleschi e do escultor Donatello. Suas pinturas mais famosas são A
expulsão de Adão e Eva do paraíso, Tributo, Distribuição de
esmolas por São Pedro
e Histórias de Ananias.
Sandro Botticelli (1445-1510) foi outro destaque da
pintura renascentista. Suas obras apresentam figuras leves, tênues, quase
imateriais. Traduz uma convicção pessoal de que a arte é antes de tudo uma
expressão espiritual, religiosa, simbólica. Seus personagens buscam a beleza
neoplatônica e alcançam, em Nascimento de Vênus, a união entre o paganismo
clássico e o cristianismo. A nudez brilhante da deusa do amor não sugere o amor
físico, mas a inocência, como que nascendo purificada das águas do Batismo.
Além de Nascimento de Vênus, suas telas mais famosas são Alegoria da
primavera e Fallade e o centauro.
Leonardo da Vinci (1452-1519), um dos humanistas mais
completos do Renascimento, é considerado figura de transição, pois viveu a metade
do Quattrocento e o início do Cinquecento. No primeiro período,
quando Florença era o polo cultural da Itália, a arte ainda imitava os modelos
clássicos e predominava o uso das línguas clássicas. No Cinquecento,
Roma transformou-se no eixo renascentista, ao mesmo tempo que a língua italiana
era usada fluentemente, assim como o latim e o grego. Predominavam nesse
período a originalidade, a criação tanto na forma como no conteúdo, o que
resultava numa arte própria – fusão do clássico com o moderno.
Ao longo de sua vida, a obra de
Leonardo da Vinci incorporou as tendências de cada um desses períodos e ele foi
de pintor e escultor a urbanista e engenheiro; de músico e filósofo a físico e
botânico. Esboçou inventos que só séculos mais tarde se concretizariam, como,
por exemplo, o paraquedas, o escafandro, o canhão, o helicóptero etc. Suas
telas mais famosas são Gioconda (Monalisa), Santa Ceia e Virgens das
rochas.
O Cinquecento – Século
XVI
Nesse período, em que o uso da língua
italiana foi sistematizado, destacaram-se alguns escritores como: Francesco
Guicciardini, com História da Itália; Torquato Tasso, autor de Jerusalém
Libertada; e Ariosto, autor de Orlando, o furioso. Entretanto, foi Nicolau
Maquiavel (1469 – 1527) o iniciador do moderno pensamento político, o maior
expoente literário do período. Em O príncipe, defende um Estado forte,
independente da Igreja, um governo absolutista em favor do qual todos os meios
são justificáveis, estando a “razão de Estado” acima de qualquer outro ideal.
Escreveu também a História de Florença, Discurso sobre a primeira
década de Tito Lívio e a peça Mandrágora, considerada a mais
perfeita obra teatral escrita em língua italiana.
Nas artes do Cinquecento, destacou-se
Rafael Sanzio (1483-1520), um dos mais populares artistas da Renascença, que
deixou uma imensa produção, apesar da morte prematura aos 37 anos. Destacam-se,
entre seus trabalhos, os retratos dos papas Júlio II e Leão X e a decoração de
algumas salas do Vaticano.
Tendo entre seus mais importantes
trabalhos a Escola de Atenas, Rafael pintou ainda inúmeras madonas tema que
fascinava os italianos —, mesclando elementos religiosos e profanos: "Não
são retratos de santas, porque a sensualidade eclipsa a emoção mística que
deveriam apresentar. E tampouco chegam a ser figuras humanas, porque, embora
adoráveis, sua beleza é invadida por uma abstração idealista". (Gênios da
pintura — góticos e renascentistas. São Paulo, Abril, 1960. p. 212.)
Michelangelo Buonarroti (1475-1564), denominado o
"gigante do Renascimento" pelo destaque de suas pinturas, esculturas,
arquitetura e obra poética, foi outro grande artista do Cinquecento. Retratou
com maestria a dor e a paixão, e sua maior obra foi o conjunto de afrescos
pintados na Capela Sistina sobre passagens da Bíblia, tanto do Antigo quanto do
Novo Testamento.
No final do século XVI, o Renascimento
italiano entrou em vertiginosa decadência, pois a expansão marítima e as
grandes descobertas, quebrando o monopólio comercial italiano no Mediterrâneo,
transferiram para o Atlântico o eixo econômico e comercial europeu. Por outro
lado, os novos centros comerciais que emergiram impulsionaram os valores
renascentistas surgidos na Itália.
Ao mesmo tempo, emergiu na Itália a Contrarreforma,
reação católica a movimentos protestantes que teve em Roma seu centro difusor e
que se indispunha contra as manifestações culturais renascentistas. Uma das
primeiras vítimas da Contrarreforma foi Giordano Bruno (1548-1 600), humanista
queimado vivo como herege, por ter-se insurgido contra a concepção de que o
universo é feito de coisas fixas, criadas por um Deus transcendente, e ter
defendido as concepções copernicanas de um universo infinito e ilimitado, em
permanente transformação, que se confunde com o próprio Deus.
A expansão do Renascimento
No conjunto dos países europeus, o
movimento renascentista não despertou com o mesmo ímpeto, não demonstrou o
apego íntimo aos clássicos, nem enfatizou o humanismo, como aconteceu na Itália.
Ao contrário, espelhou características específicas em cada região,
desenvolvendo um humanismo bem aos moldes cristãos: preocupação com problemas
de ordem prática, predominância da ética sobre a estética. A literatura e a
filosofia tiveram maior destaque, em detrimento da pintura e da escultura.
Países
Baixos
O progresso comercial dos Países
Baixos (Flandres e Holanda) e a sua posição privilegiada na Revolução Comercial
fizeram surgir nessas regiões grandes renascentistas, como Erasmo de
Rotterdam, os irmãos Van Eyck, Hieronymus Bosch e Pieter
Brueghel.
Erasmo
de Rotterdam (1466-1536), considerado o "príncipe dos
humanistas", usou uma linguagem simples e elegante para esclarecer
problemas teológicos e superar a angústia metafísica da Europa de sua época:
devido à tensão religiosa, criada pelo reformista protestante Lutero, vivia-se
a contestação de valores cristãos seculares, como a unidade da Igreja, a
autoridade papal suprema. Além disso, fervilhavam críticas ao comportamento
eclesiástico e a alguns pontos doutrinários (o livre-arbítrio, a importância da
liturgia etc.).
Nesse contexto, desprezando as
doutrinas escolásticas, Erasmo escreveu Elogio da loucura, obra em que denuncia
algumas atividades da Igreja e a imoralidade do clero, delineando a atuação da
Reforma protestante. Entretanto, se por um lado estimulou o aparecimento do
protestantismo, por outro, condenou a Reforma, pois defendia a tolerância e a
humildade como os caminhos mais sensatos para se alcançar o verdadeiro
cristianismo. Erasmo condenou publicamente o reformador Lutero pela criação de
novos dogmas que substituíam os papais. Segundo o próprio Erasmo, "cada
religião pode compendiar-se com uma só palavra: paz, e a paz religiosa somente
pode existir limitando-se ao menor número possível em definições
teológicas"
Erasmo é também autor de Adágios e Colóquios,
por meio dos quais critica a sociedade da época, recorrendo a concepções
clássicas, como o antropocentrismo. Numa passagem de Colóquios, por exemplo, o
papa Júlio II, personagem principal, encontra, após sua morte, a porta do
paraíso fechada e ameaça São Pedro de excomunhão caso não a abrisse
imediatamente. O diálogo entre o papa e Pedro se faz como entre um prepotente
pecador e a verdade pura da Igreja vitoriosa.
Na pintura flamenga, destacaram-se os irmãos
Van Eyck, com a tela Adoração do cordeiro, obra executada com a nova
técnica a óleo. Sobressaiu também a pintura de Pieter Brueghel, que se
singularizou pelo aspecto social impresso em suas telas, em que aparecem homens
do povo e festas populares, como casamentos e feiras de aldeia. Destacam-se O
alquimista, Banquete nupcial, Dança campestre, Os cegos.
Alemanha
Na Alemanha, a efervescência artística
foi beneficiada pela Reforma luterana e pelas guerras que se seguiram. Os
maiores expoentes na pintura foram: Albrecht Dürer (14711528), autor de Autorretrato,
Natividade e Adoração da Santíssima Trindade; e Hans Holbein
(1497-1543), autor de Cristo na sepultura e de retratos de importantes
personagens da época, como Henrique VIII, Erasmo e Thomas Morus.
Inglaterra
Na
Inglaterra, o Renascimento só floresceu efetivamente no século XVI, após a Guerra
das Duas Rosas, quando despontaram os literatos Thomas Morus e William
Shakespeare, seus maiores expoentes.
Thomas Morus
(1476-1535), chamado o chanceler filósofo, era amigo íntimo de Erasmo de
Rotterdam. Escreveu Utopia, obra em que descreve ' 'um país de lugar
nenhum", onde as leis são poucas, a administração beneficia, sem
distinção, todos os cidadãos, o mérito é recompensado, a riqueza é repartida e
todos vivem uma vida perfeita. Utopia exalta a paz, a compreensão e o amor e
condena a intolerância, o desejo pelo poder e pelo dinheiro. Morus mescla em
sua obra os ideais da civilização clássica com os do cristianismo —forjando uma
sociedade perfeita em decorrência do uso da inteligência e da razão.
Foi com o
teatro de William Shakespeare (1564- 1616), entretanto, que a Inglaterra
mais se evidenciou no Renascimento. Suas tragédias conseguem traduzir verdades
eternas, espelhando um gênio com liberdade de espírito e descrença nos dogmas.
Nelas, o drama psicológico faz vir à tona a intensidade da alma humana com
todas as suas múltiplas faces.
Shakespeare
firmou um trabalho que ainda hoje fascina artistas e plateias em todo o mundo,
seja em dramas como Romeu e Julieta, Otelo, Rei Lear, Macbeth
e Hamlet, em dramas históricos como Ricardo III, Júlio Césare
Antônio e Cleópatra ou em comédias como As alegres comadres de Windsor.
França
Rabelais demonstrou
todo o talento do humanismo francês em Gargântua e Pantagruel, comédia
que satiriza a Igreja, a escolástica, as superstições e a repressão, em
oposição à glorificação do homem, da liberdade e do individualismo. Na
filosofia, Michel Montaigne, com a obra Ensaios, expressou seu ideal de
equilíbrio: o sentimento de estar em harmonia com o universo aceitando-o como
ele é.
Espanha
A Espanha
viveu do século XVI ao XVII um clima antagônico: de um lado, as riquezas das
grandes navegações, que poderiam favorecer o desenvolvimento cultural; de
outro, o cristianismo, que o bloqueou com o movimento da Contrarreforma. Mesmo
nesse contexto contraditório, despontaram artistas como o pintor Domenikos
Theotokopoulos, conhecido como El Greco (1 541-1614), cujas mais
célebres telas são O enterro do conde Orgaz e Vista de Toledo sob a tempestade.
No teatro
destacaram-se Tirso de Molina (1 571-1 648), autor da dramatização
histórica Don Juan, e Lope de Vega (1562-1635), produtor de mais
de duas mil peças, a maioria comédias. O maior escritor da Renascença
espanhola, entretanto, foi Miguel de Cervantes (1547-161 6), autor de Dom
Quixote, obra considerada a maior sátira já produzida em todos os tempos.
Portugal
Portugal,
que viveu praticamente os mesmos problemas da conjuntura espanhola, apresentou
um movimento humanista intimamente relacionado com as grandes navegações. Por
isso, foram expressivos a Epopeia, a historiografia e o teatro. Os ideais
estéticos do Renascimento chegaram a Portugal com Sá de Miranda (1481-1558),
após viagem à Itália. No teatro, Gil Vicente (1465-1536) destacou-se com seus
autos, como o Auto da visitação e o Auto dos Reis Magos. Contudo, o maior
brilho literário coube ao poeta Luís Vaz de Camões (1525-1580), com seu épico
Os Lusíadas, a maior Epopeia em língua portuguesa.
O Renascimento e a música
O pioneirismo do estilo musical
renascentista coube aos franco-flamengos. A virtuosidade, o refinamento
talentoso passaram a ser o eixo da nova música. Entre os músicos flamengos,
destacou-se Josquin des Prés (1445-1521), que introduziu em suas missas
estribilhos populares que chegavam a ser libertinos, bem como observações
maliciosas muito distantes da tradicional liturgia. A nova corrente
renascentista levou à complexidade da polifonia e à distinção entre música
religiosa (missa, motete, antífona) e música profana (fratola, canzonetta,
madrigal).
Após Josquin, até o fim do século XVI,
período do Alto Renascimento, duas tendências se firmaram: a dos protestantes
luteranos e a dos católicos. Deixando de usar a liturgia católica em suas
cerimônias, os luteranos buscaram entre o povo um tema musical mais ao gosto
popular, criando o canto coral. Martinho Lutero (1483-1546), reformador
protestante, também músico, compôs diversos hinos religiosos.
Já a Igreja católica, diante do avanço
protestante, posicionou-se defensivamente no Concílio de Trento (1 563),
criando a música da Contrarreforma, cujo iniciador foi Giovanni Pierluigi da
Palestrina (1525-1594), autor de volumosa obra — motetes, madrigais, salmos
e missas, compostos para serem cantados
O
renascimento científico
A efervescência cultural da Renascença
impulsionou o estudo do homem e da natureza. O Universo já não era mais aceito
como obra sobrenatural, fruto dos preceitos cristãos. O espírito crítico do
homem partiu para a ciência experimental, a observação, a fim de obter
explicações racionais para os fenômenos da natureza. Surgem então alguns cientistas de renome.
Nicolau Copérnico (1473-1543), em De revolutionibus
orbium celestium, refuta o geocentrismo ptolomaico, formulando a teoria
heliocêntrica, que foi completada no século XVII pelo italiano Galileu
Galilei (1564-1642). Tycho Brahe (1546-1601) faz observações
precisas sobre os astros e Johann Kepler (1571-1630) apontou o movimento
elíptico dos astros, preparando o caminho para a descoberta da lei da
gravitação universal, de Isaac Newton (1642-1727).
Na medicina despontaram Miguel
Servet (1 51 1-1553) e William Harvey (1578-1 657), que descobriram
o mecanismo da circulação sanguínea — a circulação pulmonar pelas artérias e o
retorno do sangue ao coração pelas veias. Ambroise Paré (1509-1590) defendeu
a laqueação (ligação) das artérias, em lugar da tradicional cauterização, para
deter hemorragias, e André Vesálio (1514-1564) transformou-se no pai da
moderna anatomia, publicando em 1543 o primeiro livro extenso sobre o assunto: Sobre
a estrutura do corpo humano. Vesálio atraiu estudantes de todo o mundo para
as suas aulas em Pádua, fazendo da anatomia uma ciência.
O Renascimento retirou da Igreja o
monopólio da explicação das coisas do mundo. Aos poucos, o método experimental
passou a ser o principal meio de se alcançar o saber científico da realidade. A
verdade racional precisava ser sempre comprovada na prática, empiricamente
(empirismo). Assim, apesar de a Reforma e a Contrarreforma terem freado o
ímpeto renascentista, estavam lançados os fundamentos que derrubariam
definitivamente a escolástica, fundamentada no misticismo. A crítica, o
naturalismo, a dimensão humanista culminaram no racionalismo, no empirismo
científico dos séculos XVII e XVIII. Dessa forma, as principais barreiras
culturais do progresso científico foram suficientemente abaladas para não mais
representarem ameaça ao progresso capitalista burguês em curso.
Vicentino, Cláudio. História
Geral. São Paulo, Scipione, 1997. Texto adaptado.