quinta-feira, 4 de maio de 2023

O Renascimento Cultural

 

O RENASCIMENTO CULTURAL

As transformações socioeconômicas iniciadas na Baixa Idade Média e que culminaram com a Revolução Comercial na Idade Moderna afetaram todos os setores da sociedade, ocasionando inclusive mudanças culturais. Intimamente ligadas à expansão comercial, à reforma religiosa e ao absolutismo político, as transformações culturais dos séculos XIV a XVI — movimento denominado Renascimento cultural estiveram articuladas com o capitalismo comercial.

Primeiro grande movimento cultural burguês dos tempos modernos, o Renascimento enfatizava uma cultura laica (não-eclesiástica), racional e científica, sobretudo não-feudal. Entretanto, embora tentasse sepultar os valores da Igreja católica, apresentou-se como um entrelaçamento dos novos e antigos valores, refletindo o caráter de transição do período. Buscando subsídios na cultura greco-romana, o Renascimento foi a eclosão de manifestações artísticas, filosóficas e científicas do novo mundo urbano e burguês.

O Renascimento não foi, como o termo pode evocar a princípio, uma simples renovação da cultura clássica e muito menos um renascer cultural, como se antes não houvesse cultura. Apenas inspirou-se na Antiguidade Clássica, sobretudo no antropocentrismo, a fim de resgatar valores que interessavam ao novo mundo urbano-comercial. Própria das mudanças em curso e da negação do período anterior foi a denominação, dada então à Idade Média, de “Idade das Trevas”.

Descartando a imensa produção cultural do período anterior, o Renascimento caracterizou-se por ser essencialmente um movimento anticlerical e antiescolástico, pois a cultura leiga e humanista opunha-se à cultura eminentemente religiosa e teocêntrica do mundo medieval.

No conjunto da produção renascentista, começaram a sobressair valores modernos, burgueses, como o otimismo, o individualismo, o naturalismo, o hedonismo e o neoplatonismo. Mas o elemento central do Renascimento foi o humanismo, isto é, o homem como centro do universo (antropocentrismo), a valorização da vida terrena e da natureza, o humano ocupando o lugar cultural até então dominado pelo divino e extraterreno.

Com o humanismo abandonava-se o uso de conhecimentos clássicos tão-somente para provar dogmas e verdades religiosas, descartando-se a erudição medieval confinada nas bibliotecas ou na clausura dos mosteiros. Impulsionava-se a paixão pelos clássicos greco-romanos numa busca de sabedorias e belezas "esquecidas" pela Idade Média.

O homem renascentista, artista, cientista, literato, confunde-se com o próprio Deus pela sua genialidade e criatividade, por emergir da profundeza escura da sujeição escolástica para se tornar verdadeiramente humano que, como diz Roland Mousnier, "pode assemelhar-se a Deus primeiramente, depois identificar-se a ele, se Deus o quiser, pela criação. O homem é, como Deus, um artista universal".

Fatores geradores do Renascimento

As transformações econômicas do final da Idade Média, associadas ao processo de urbanização e ascensão da burguesia, tornaram as concepções artístico-literárias feudais inadequadas. Novas exigências afloraram, refletidas no desenvolvimento comercial e na nova sociedade urbana emergente. As primeiras manifestações renascentistas apareceram e triunfaram onde essas transformações já predominavam — na Itália.

Reaberto o mar Mediterrâneo, com as Cruzadas, as cidades italianas de Florença, Veneza, Roma e Milão transformaram-se em grandes centros de desenvolvimento capitalista, motivo pelo qual apresentavam as condições necessárias para a germinação e proliferação do Renascimento.

Além disso, surgiram na Itália os mecenas, ricos patrocinadores das artes e das ciências, que objetivavam não só a promoção pessoal, mas também proveitos culturais e econômicos. Destacaram-se como protetores das artes os Médicis, em Florença, e os Sforza, em Milão.

Os italianos contavam ainda com uma viva presença da cultura clássica, graças aos seus muitos monumentos e ruínas, o que contribuía para o revigoramento de valores pré-feudais.

Foi também a Itália o principal polo de atração dos sábios bizantinos, pensadores formados pela cultura clássica grega, que para lá se dirigiam fugindo da decadência do Império Romano do Oriente e das crescentes pressões dos turcos otomanos.

Completando a imensa gama de componentes que detonaram o início do Renascimento na Itália, havia ainda as influências dos árabes, povo que obtivera, ao longo dos séculos, enorme repositório de valores da Antiguidade Clássica e que mantinha contatos comerciais com os portos italianos.

Fases do Renascimento

Houve precursores do Renascimento, como Dante Alighieri (1265-1321), natural de Florença, que escreveu a Divina comédia em dialeto toscano. Entretanto, apesar de sua obra criticar o comportamento eclesiástico, Dante ainda apresentava fortes influências medievais. O Renascimento italiano se impôs efetivamente a partir do século XIV, estendendo-se até o século XVI. Chamamos de Trecento (os anos trezentos) a fase do século XIV, Quattrocento (os anos quatrocentos) a do século XV e Cinquecento (os anos quinhentos) o período mais criativo, que foi de 1 500 a 1550.

O Trecento - século XIV

Nas artes plásticas, a principal figura desse período foi Giotto (1266-1337), que rompeu com a tradicional pintura medieval e seu imobilismo, caracterizado por uma hierarquia rígida que determinava a importância dos personagens pintados (Cristo sempre estava acima dos santos, era maior que os anjos e estes apareciam acima dos santos). Giotto fez do humano e da vida o foco de suas pinturas, dando às suas figuras um aspecto humano com traços de individualidade, destacadamente em São Francisco pregando aos pássaros e Lamento ante Cristo morto.

Nas letras, o período caracterizou-se pelo uso da língua italiana (dialeto toscano), embora ainda houvesse fortes influências medievais. Dois autores se destacaram: Petrarca (1304-1374) e Giovanni Boccaccio (1313-1375).

Petrarca, considerado o ' 'pai do humanismo e da literatura italiana" imprimiu em sua obra épica, De África, marcantes traços dos clássicos greco-latinos. Apesar disso, em algumas obras, como nos poemas Odes a Laura, evidenciava-se ainda uma forte religiosidade cristã medieval, aliada ao trovadoresco das canções dos cavaleiros do século XIII. Boccaccio é o autor de Fiammetta, Filistrato e Decameron, conjunto de contos que ressaltam o egoísmo, o erotismo e o anticlericalismo, desprezando os ideais ascéticos do período medieval.

O Quattrocento - século XV

O entusiasmo pela cultura greco-romana fez renascer, na literatura desse período, as línguas clássicas e o paganismo. Em Florença, foi criada a Escola Filosófica Neoplatônica, com o patrocínio do mecenas Lourenço de Médici. Na pintura, tiveram grande importância os artistas de Florença, que introduziram a técnica a óleo. Dentre eles, podemos destacar Masaccio (1401-1429), que, embora tenha tido uma breve passagem pelo cenário artístico de Florença, influenciou a pintura ao romper com resquícios da arte medieval, chamados de "gótico tardio"

Deu aos seus trabalhos realismo, volume e peso, tomando da arquitetura e da escultura alguns de seus princípios básicos. Conseguiu transportar para suas telas a geometria em perspectiva do arquiteto Brunelleschi e do escultor Donatello. Suas pinturas mais famosas são A expulsão de Adão e Eva do paraíso, Tributo, Distribuição de esmolas por São Pedro e Histórias de Ananias.

Sandro Botticelli (1445-1510) foi outro destaque da pintura renascentista. Suas obras apresentam figuras leves, tênues, quase imateriais. Traduz uma convicção pessoal de que a arte é antes de tudo uma expressão espiritual, religiosa, simbólica. Seus personagens buscam a beleza neoplatônica e alcançam, em Nascimento de Vênus, a união entre o paganismo clássico e o cristianismo. A nudez brilhante da deusa do amor não sugere o amor físico, mas a inocência, como que nascendo purificada das águas do Batismo. Além de Nascimento de Vênus, suas telas mais famosas são Alegoria da primavera e Fallade e o centauro.

Leonardo da Vinci (1452-1519), um dos humanistas mais completos do Renascimento, é considerado figura de transição, pois viveu a metade do Quattrocento e o início do Cinquecento. No primeiro período, quando Florença era o polo cultural da Itália, a arte ainda imitava os modelos clássicos e predominava o uso das línguas clássicas. No Cinquecento, Roma transformou-se no eixo renascentista, ao mesmo tempo que a língua italiana era usada fluentemente, assim como o latim e o grego. Predominavam nesse período a originalidade, a criação tanto na forma como no conteúdo, o que resultava numa arte própria – fusão do clássico com o moderno.

Ao longo de sua vida, a obra de Leonardo da Vinci incorporou as tendências de cada um desses períodos e ele foi de pintor e escultor a urbanista e engenheiro; de músico e filósofo a físico e botânico. Esboçou inventos que só séculos mais tarde se concretizariam, como, por exemplo, o paraquedas, o escafandro, o canhão, o helicóptero etc. Suas telas mais famosas são Gioconda (Monalisa), Santa Ceia e Virgens das rochas.

O Cinquecento – Século XVI

Nesse período, em que o uso da língua italiana foi sistematizado, destacaram-se alguns escritores como: Francesco Guicciardini, com História da Itália; Torquato Tasso, autor de Jerusalém Libertada; e Ariosto, autor de Orlando, o furioso. Entretanto, foi Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) o iniciador do moderno pensamento político, o maior expoente literário do período. Em O príncipe, defende um Estado forte, independente da Igreja, um governo absolutista em favor do qual todos os meios são justificáveis, estando a “razão de Estado” acima de qualquer outro ideal. Escreveu também a História de Florença, Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio e a peça Mandrágora, considerada a mais perfeita obra teatral escrita em língua italiana.

Nas artes do Cinquecento, destacou-se Rafael Sanzio (1483-1520), um dos mais populares artistas da Renascença, que deixou uma imensa produção, apesar da morte prematura aos 37 anos. Destacam-se, entre seus trabalhos, os retratos dos papas Júlio II e Leão X e a decoração de algumas salas do Vaticano.

Tendo entre seus mais importantes trabalhos a Escola de Atenas, Rafael pintou ainda inúmeras madonas tema que fascinava os italianos —, mesclando elementos religiosos e profanos: "Não são retratos de santas, porque a sensualidade eclipsa a emoção mística que deveriam apresentar. E tampouco chegam a ser figuras humanas, porque, embora adoráveis, sua beleza é invadida por uma abstração idealista". (Gênios da pintura — góticos e renascentistas. São Paulo, Abril, 1960. p. 212.)

Michelangelo Buonarroti (1475-1564), denominado o "gigante do Renascimento" pelo destaque de suas pinturas, esculturas, arquitetura e obra poética, foi outro grande artista do Cinquecento. Retratou com maestria a dor e a paixão, e sua maior obra foi o conjunto de afrescos pintados na Capela Sistina sobre passagens da Bíblia, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento.

No final do século XVI, o Renascimento italiano entrou em vertiginosa decadência, pois a expansão marítima e as grandes descobertas, quebrando o monopólio comercial italiano no Mediterrâneo, transferiram para o Atlântico o eixo econômico e comercial europeu. Por outro lado, os novos centros comerciais que emergiram impulsionaram os valores renascentistas surgidos na Itália.

Ao mesmo tempo, emergiu na Itália a Contrarreforma, reação católica a movimentos protestantes que teve em Roma seu centro difusor e que se indispunha contra as manifestações culturais renascentistas. Uma das primeiras vítimas da Contrarreforma foi Giordano Bruno (1548-1 600), humanista queimado vivo como herege, por ter-se insurgido contra a concepção de que o universo é feito de coisas fixas, criadas por um Deus transcendente, e ter defendido as concepções copernicanas de um universo infinito e ilimitado, em permanente transformação, que se confunde com o próprio Deus.

A expansão do Renascimento

No conjunto dos países europeus, o movimento renascentista não despertou com o mesmo ímpeto, não demonstrou o apego íntimo aos clássicos, nem enfatizou o humanismo, como aconteceu na Itália. Ao contrário, espelhou características específicas em cada região, desenvolvendo um humanismo bem aos moldes cristãos: preocupação com problemas de ordem prática, predominância da ética sobre a estética. A literatura e a filosofia tiveram maior destaque, em detrimento da pintura e da escultura.

Países Baixos

O progresso comercial dos Países Baixos (Flandres e Holanda) e a sua posição privilegiada na Revolução Comercial fizeram surgir nessas regiões grandes renascentistas, como Erasmo de Rotterdam, os irmãos Van Eyck, Hieronymus Bosch e Pieter Brueghel.

Erasmo de Rotterdam (1466-1536), considerado o "príncipe dos humanistas", usou uma linguagem simples e elegante para esclarecer problemas teológicos e superar a angústia metafísica da Europa de sua época: devido à tensão religiosa, criada pelo reformista protestante Lutero, vivia-se a contestação de valores cristãos seculares, como a unidade da Igreja, a autoridade papal suprema. Além disso, fervilhavam críticas ao comportamento eclesiástico e a alguns pontos doutrinários (o livre-arbítrio, a importância da liturgia etc.).

Nesse contexto, desprezando as doutrinas escolásticas, Erasmo escreveu Elogio da loucura, obra em que denuncia algumas atividades da Igreja e a imoralidade do clero, delineando a atuação da Reforma protestante. Entretanto, se por um lado estimulou o aparecimento do protestantismo, por outro, condenou a Reforma, pois defendia a tolerância e a humildade como os caminhos mais sensatos para se alcançar o verdadeiro cristianismo. Erasmo condenou publicamente o reformador Lutero pela criação de novos dogmas que substituíam os papais. Segundo o próprio Erasmo, "cada religião pode compendiar-se com uma só palavra: paz, e a paz religiosa somente pode existir limitando-se ao menor número possível em definições teológicas"

Erasmo é também autor de Adágios e Colóquios, por meio dos quais critica a sociedade da época, recorrendo a concepções clássicas, como o antropocentrismo. Numa passagem de Colóquios, por exemplo, o papa Júlio II, personagem principal, encontra, após sua morte, a porta do paraíso fechada e ameaça São Pedro de excomunhão caso não a abrisse imediatamente. O diálogo entre o papa e Pedro se faz como entre um prepotente pecador e a verdade pura da Igreja vitoriosa.

Na pintura flamenga, destacaram-se os irmãos Van Eyck, com a tela Adoração do cordeiro, obra executada com a nova técnica a óleo. Sobressaiu também a pintura de Pieter Brueghel, que se singularizou pelo aspecto social impresso em suas telas, em que aparecem homens do povo e festas populares, como casamentos e feiras de aldeia. Destacam-se O alquimista, Banquete nupcial, Dança campestre, Os cegos.

Alemanha

Na Alemanha, a efervescência artística foi beneficiada pela Reforma luterana e pelas guerras que se seguiram. Os maiores expoentes na pintura foram: Albrecht Dürer (14711528), autor de Autorretrato, Natividade e Adoração da Santíssima Trindade; e Hans Holbein (1497-1543), autor de Cristo na sepultura e de retratos de importantes personagens da época, como Henrique VIII, Erasmo e Thomas Morus.


Inglaterra

Na Inglaterra, o Renascimento só floresceu efetivamente no século XVI, após a Guerra das Duas Rosas, quando despontaram os literatos Thomas Morus e William Shakespeare, seus maiores expoentes.

Thomas Morus (1476-1535), chamado o chanceler filósofo, era amigo íntimo de Erasmo de Rotterdam. Escreveu Utopia, obra em que descreve ' 'um país de lugar nenhum", onde as leis são poucas, a administração beneficia, sem distinção, todos os cidadãos, o mérito é recompensado, a riqueza é repartida e todos vivem uma vida perfeita. Utopia exalta a paz, a compreensão e o amor e condena a intolerância, o desejo pelo poder e pelo dinheiro. Morus mescla em sua obra os ideais da civilização clássica com os do cristianismo —forjando uma sociedade perfeita em decorrência do uso da inteligência e da razão.

Foi com o teatro de William Shakespeare (1564- 1616), entretanto, que a Inglaterra mais se evidenciou no Renascimento. Suas tragédias conseguem traduzir verdades eternas, espelhando um gênio com liberdade de espírito e descrença nos dogmas. Nelas, o drama psicológico faz vir à tona a intensidade da alma humana com todas as suas múltiplas faces.

Shakespeare firmou um trabalho que ainda hoje fascina artistas e plateias em todo o mundo, seja em dramas como Romeu e Julieta, Otelo, Rei Lear, Macbeth e Hamlet, em dramas históricos como Ricardo III, Júlio Césare Antônio e Cleópatra ou em comédias como As alegres comadres de Windsor.

França

Rabelais demonstrou todo o talento do humanismo francês em Gargântua e Pantagruel, comédia que satiriza a Igreja, a escolástica, as superstições e a repressão, em oposição à glorificação do homem, da liberdade e do individualismo. Na filosofia, Michel Montaigne, com a obra Ensaios, expressou seu ideal de equilíbrio: o sentimento de estar em harmonia com o universo aceitando-o como ele é.

Espanha

A Espanha viveu do século XVI ao XVII um clima antagônico: de um lado, as riquezas das grandes navegações, que poderiam favorecer o desenvolvimento cultural; de outro, o cristianismo, que o bloqueou com o movimento da Contrarreforma. Mesmo nesse contexto contraditório, despontaram artistas como o pintor Domenikos Theotokopoulos, conhecido como El Greco (1 541-1614), cujas mais célebres telas são O enterro do conde Orgaz e Vista de Toledo sob a tempestade.

No teatro destacaram-se Tirso de Molina (1 571-1 648), autor da dramatização histórica Don Juan, e Lope de Vega (1562-1635), produtor de mais de duas mil peças, a maioria comédias. O maior escritor da Renascença espanhola, entretanto, foi Miguel de Cervantes (1547-161 6), autor de Dom Quixote, obra considerada a maior sátira já produzida em todos os tempos.

Portugal

Portugal, que viveu praticamente os mesmos problemas da conjuntura espanhola, apresentou um movimento humanista intimamente relacionado com as grandes navegações. Por isso, foram expressivos a Epopeia, a historiografia e o teatro. Os ideais estéticos do Renascimento chegaram a Portugal com Sá de Miranda (1481-1558), após viagem à Itália. No teatro, Gil Vicente (1465-1536) destacou-se com seus autos, como o Auto da visitação e o Auto dos Reis Magos. Contudo, o maior brilho literário coube ao poeta Luís Vaz de Camões (1525-1580), com seu épico Os Lusíadas, a maior Epopeia em língua portuguesa.

O Renascimento e a música

O pioneirismo do estilo musical renascentista coube aos franco-flamengos. A virtuosidade, o refinamento talentoso passaram a ser o eixo da nova música. Entre os músicos flamengos, destacou-se Josquin des Prés (1445-1521), que introduziu em suas missas estribilhos populares que chegavam a ser libertinos, bem como observações maliciosas muito distantes da tradicional liturgia. A nova corrente renascentista levou à complexidade da polifonia e à distinção entre música religiosa (missa, motete, antífona) e música profana (fratola, canzonetta, madrigal).

Após Josquin, até o fim do século XVI, período do Alto Renascimento, duas tendências se firmaram: a dos protestantes luteranos e a dos católicos. Deixando de usar a liturgia católica em suas cerimônias, os luteranos buscaram entre o povo um tema musical mais ao gosto popular, criando o canto coral. Martinho Lutero (1483-1546), reformador protestante, também músico, compôs diversos hinos religiosos.

Já a Igreja católica, diante do avanço protestante, posicionou-se defensivamente no Concílio de Trento (1 563), criando a música da Contrarreforma, cujo iniciador foi Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), autor de volumosa obra — motetes, madrigais, salmos e missas, compostos para serem cantados

O renascimento científico

A efervescência cultural da Renascença impulsionou o estudo do homem e da natureza. O Universo já não era mais aceito como obra sobrenatural, fruto dos preceitos cristãos. O espírito crítico do homem partiu para a ciência experimental, a observação, a fim de obter explicações racionais para os fenômenos da natureza. Surgem então alguns cientistas de renome.

Nicolau Copérnico (1473-1543), em De revolutionibus orbium celestium, refuta o geocentrismo ptolomaico, formulando a teoria heliocêntrica, que foi completada no século XVII pelo italiano Galileu Galilei (1564-1642). Tycho Brahe (1546-1601) faz observações precisas sobre os astros e Johann Kepler (1571-1630) apontou o movimento elíptico dos astros, preparando o caminho para a descoberta da lei da gravitação universal, de Isaac Newton (1642-1727).

Na medicina despontaram Miguel Servet (1 51 1-1553) e William Harvey (1578-1 657), que descobriram o mecanismo da circulação sanguínea — a circulação pulmonar pelas artérias e o retorno do sangue ao coração pelas veias. Ambroise Paré (1509-1590) defendeu a laqueação (ligação) das artérias, em lugar da tradicional cauterização, para deter hemorragias, e André Vesálio (1514-1564) transformou-se no pai da moderna anatomia, publicando em 1543 o primeiro livro extenso sobre o assunto: Sobre a estrutura do corpo humano. Vesálio atraiu estudantes de todo o mundo para as suas aulas em Pádua, fazendo da anatomia uma ciência.

O Renascimento retirou da Igreja o monopólio da explicação das coisas do mundo. Aos poucos, o método experimental passou a ser o principal meio de se alcançar o saber científico da realidade. A verdade racional precisava ser sempre comprovada na prática, empiricamente (empirismo). Assim, apesar de a Reforma e a Contrarreforma terem freado o ímpeto renascentista, estavam lançados os fundamentos que derrubariam definitivamente a escolástica, fundamentada no misticismo. A crítica, o naturalismo, a dimensão humanista culminaram no racionalismo, no empirismo científico dos séculos XVII e XVIII. Dessa forma, as principais barreiras culturais do progresso científico foram suficientemente abaladas para não mais representarem ameaça ao progresso capitalista burguês em curso.

 

Vicentino, Cláudio. História Geral. São Paulo, Scipione, 1997. Texto adaptado.

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