O
Antigo Regime Europeu
O século XV inaugurava um novo período do processo
histórico da Europa ocidental: possuir terras já não era mais sinônimo seguro
de poder; as relações sociais de dominação e de exploração também não eram as
mesmas do mundo feudal; mudanças qualitativas na economia europeia abriam
espaço para uma nova ordem política e social.
Tendo suas origens no feudalismo, o mundo moderno
evoluiria até culminar no seu oposto — o capitalismo do mundo contemporâneo.
Assim, em muitos aspectos, o mundo moderno constituiu uma negação do mundo
medieval, embora ainda não se caracterizasse como um todo sólido, maduro,
apresentando-se como uma época de transição. Foi o período de consolidação dos
ideais de progresso e de desenvolvimento, que reforçou o pensamento
racionalista e individualista, valores burgueses que iriam demolir o universo
ideológico católico-feudal.
Entre os séculos XV e XVIII, estruturou-se uma nova ordem
socioeconômica, denominada capitalismo comercial. Durante esse período, a
nobreza, cuja posição social era ainda garantida por suas propriedades rurais e
títulos — mas que não raro enfrentava dificuldades financeiras —, passou a
buscar ansiosamente meios para se impor segundo os novos padrões econômicos.
Por seu lado, a burguesia, mesmo prosperando nos
negócios, estava longe de ser a classe social dominante, com prestígio junto à
aristocracia. Como desejasse exercer a supremacia de que se julgava merecedora
por seu poder econômico, frequentemente incorreu no paradoxo de assumir valores
decadentes,
como a compra de títulos de nobreza. Apenas no final da
Idade Moderna, a classe burguesa reuniu meios para edificar uma ordem social
política e econômica à sua própria imagem, embora somente os acontecimentos da
segunda metade do século XVIII, como a Revolução Industrial, a independência
dos Estados Unidos e a Revolução Francesa, consolidassem definitivamente a
posição da burguesia, inaugurando a Idade Contemporânea.
Assim, sendo um período de transição, a Idade Moderna
reforçou a importância do comércio e da capitalização, que constituíram a base
sobre a qual se desenvolveria o sistema capitalista. Como decorrência, um novo
Estado, novas normas e novos valores foram gerados segundo as novas exigências
do homem ocidental.
Economia
e sociedade do Antigo Regime
Com as Cruzadas, no início da Baixa Idade Média, processou-se um
conjunto de alterações socioeconômicas, decorrente do renascimento do comércio,
da urbanização e do surgimento da burguesia. A junção desses elementos, por sua
vez, impulsionou o processo de formação do Estado nacional, e
lentamente foram sendo demolidos
os pilares que sustentavam o feudalismo.
Cada vez mais ganhavam terreno a economia de mercado, as trocas
monetárias,
a preocupação com o lucro e a
vida urbana. Assim, se por um lado o mundo medieval se
encerrou em meio à crise
(guerras, pestes), por outro, com o início da expansão marítima e declínio do
feudalismo, afirmou-se uma nova tendência: o capitalismo comercial.
O ressurgimento do comércio na Europa e a exploração
colonial do Novo Mundo americano e afro-asiático propiciaram a ascensão
vertiginosa da economia mercantil No meio rural’ europeu, as relações
produtivas variavam desde as feudais (senhor-servo) até as que envolviam o trabalho
assalariado (proprietário-camponês), prenunciando o que viria a ser um regime
de características capitalistas. A exploração do trabalhador e a expropriação
de suas terras possibilitaram uma gradativa e crescente ampliação de riquezas
nas mãos dos donos das terras e dos meios de produção a chamada acumulação
primitiva de capitais.
O capitalismo comercial evoluiu, assim, para uma
crescente separação entre capital e trabalho. Mais e mais a burguesia acumulou
patrimônio e moeda, capitalizando-se, enquanto os trabalhadores foram sendo
limitados à condição de assalariados, donos unicamente de sua força de
trabalho. A burguesia foi, então, se preparando para o completo controle dos
meios de produção, o que se consolidaria definitivamente com a Revolução
Industrial.
Visando adequar o meio rural ao capitalismo comercial e
reorganizar a produção mais eficientemente, segundo os moldes do capitalismo
emergente, os proprietários lançaram mão de diversos recursos. Um exemplo foram
os cercamentos na Inglaterra: com o desvio do uso da terra para a criação de
ovelhas — tarefa que requeria pouca mão-de-obra e destinava-se à produção de lã
exportada para Flandres — formou-se enorme contingente servil sem colocação no
campo. Sem opções, essa massa dirigiu-se para as cidades, onde se tornou mão-de-obra
disponível, mais tarde empregada na colonização da América inglesa e,
principalmente, nas unidades fabris durante a Revolução Industrial.
Nas cidades, as relações produtivas também eram
mescladas: o artesanato, praticado em oficinas, nas quais o mestre artesão e os
artesãos auxiliares eram produtores e donos dos meios de produção, e as
manufaturas, em que se processavam relações de cunho capitalista através da
concentração dos meios de produção (fábricas e instrumentos) nas mãos do
empresário e do pagamento de um salário em troca da força de trabalho do
empregado.
Dessa forma, a sociedade do período moderno, comumente
chamada de sociedade de ordens (clero, nobreza e povo), apresentava-se, na
prática, dividida em uma classe de proprietários de terras (clero e nobreza),
uma classe de trabalhadores (servos, camponeses livres, assalariados, enfim, a
massa popular) e uma classe burguesa (mercantil e manufatureira). A Idade
Moderna conheceu, então, a luta da burguesia pelo espaço social, político e
ideológico.
O Estado no Antigo
Regime
O Estado moderno retratou a transição do período,
refletindo os interesses dos grupos sociais em conflito, ao preservar os
privilégios da aristocracia feudal e abrir espaço ao novo grupo burguês
ascendente. Na prática, foi o resultado da derrocada do poder universal
(Igreja) e local (nobreza) e da formação das monarquias nacionais.
O Estado característico da época moderna é conhecido como
absolutista, na medida em que o poder estava concentrado nas mãos do rei e de
seus ministros, os quais aproveitavam as limitações dos grupos sociais
dominantes — nobreza e burguesia — para monopolizar a vida política. Incapazes
de exercer hegemonia (a nobreza estava em decadência e a burguesia ainda se
mostrava frágil), esses grupos precisavam do Estado para preservar suas
condições e privilégios; daí sujeitarem-se ao rei, reforçando o poder do Estado
moderno.
De seu lado, o Estado absolutista dependia dos impostos e
recursos gerados pelas atividades comerciais e manufatureiras, sendo o
progresso e o desenvolvimento das atividades mercantis fatores importantes para
sua sobrevivência e opulência. Por esses motivos, esse Estado mantinha em
cargos do governo, além dos tradicionais elementos da aristocracia feudal,
representantes da burguesia. Por isso, também, foi dinâmico na geração de bens
e no incremento das finanças nacionais, incentivando o lucro, a expansão do
mercado e a exploração das colônias.
Por outro lado, em virtude da extensão de sua burocracia
aristocrática, procurou garantir sua sobrevivência através da tributação
desenfreada, assumindo mais e mais o caráter parasitário, fundado nos
privilégios feudais. Essa característica limitadora do capitalismo e do
desenvolvimento econômico burguês possibilitaria o surgimento e avanço das
ideias liberais, que levaram posteriormente às revoluções burguesas que
demoliram o Estado absolutista.
Devido à preponderância, nesse período, do absolutismo —
poder capaz de definir regras, práticas e ações em todos os níveis
consolidou-se a concepção de um Estado interventor, que devia atuar em todos os
setores da vida nacional. No plano econômico, essa intervenção manifestou-se
através do mercantilismo.
O
mercantilismo
Evidenciando a íntima relação entre Estado e economia, o
mercantilismo caracterizou-se por ser uma política de controle e incentivo, por
meio da qual o Estado buscava garantir o seu desenvolvimento comercial e
financeiro, fortalecendo ao mesmo tempo o próprio poder. Não chegou a
constituir uma doutrina, um sistema de ideia, um conjunto coerente de práticas
e ações; foi, na verdade, um conjunto de medidas variadas, adotadas por
diversos Estados modernos, visando à obtenção dos recursos e riquezas
necessários à manutenção do poder absoluto. Cada Estado procurou as medidas que
mais se ajustavam às suas peculiaridades: alguns concentraram-se na exploração
colonial, na obtenção de metais preciosos; outros, nas atividades marítima e
comercial; e outros, ainda, optaram por incentivar a produção manufatureira.
No final do século XV, e especialmente no século XVI, os
países ibéricos (Portugal e Espanha) comandaram as transformações da economia europeia.
Pioneiros no processo de expansão ultramarina, foram igualmente os primeiros a
se beneficiar com as riquezas das terras descobertas. A exploração de suas
colônias foi orientada por políticas mercantilistas semelhantes, que se
traduziam na exploração intensa dos recursos naturais especialmente no caso da
Espanha, cujas colônias eram riquíssimas em metais preciosos — e na defesa do
monopólio de comércio, o chamado exclusivo colonial.
Assim, todos os produtos que chegavam à colônia ou saíam
dela tinham de passar pela metrópole, concretizando sua sujeição absoluta ao
Estado explorador, característica do pacto colonial. Cabia à colônia, além de
consumir os produtos manufaturados pela metrópole, produzir segundo as
exigências da economia mercantilista, garantindo lucros e rendas à Coroa e à
burguesia mercantil.
Devido ao enriquecimento da Espanha pelo acúmulo de
metais preciosos, a concepção metalista predominou no mercantilismo europeu
dessa época. Entretanto, o enorme afluxo de metais preciosos provocou, a longo
prazo, efeitos negativos sobre a economia espanhola ao desestimular as
atividades agrícolas e manufatureiras. Tornando-se cada vez mais dependente de
importações, a Espanha não conseguiu manter ao 'longo do tempo saldos positivos
em sua balança comercial.
Além disso, a abundância de ouro e prata, aumentando o
volume monetário, provocou, no século XVI e principalmente no XVII, uma
extraordinária elevação nos preços, que se generalizou por toda a Europa,
favorecendo os Estados produtores, como França, Inglaterra e Holanda e
respectivas burguesias comerciais e manufatureiras, que ampliavam seu processo
de entesouramento e capitalização.
Assim, já no final do século XVII, quem liderava
economicamente a Europa não eram mais os países ibéricos, mas as nações que se
voltaram para o comércio e para a produção como meio de entesouramento.
Ainda no século XVI, França e Inglaterra criaram medidas
protecionistas e subvenções às manufaturas que lhes permitiram assumir, nos
dois séculos seguintes, uma posição de liderança na economia europeia, adotando
medidas mercantilistas peculiares.
Na França dos Bourbons, desde os ministros Sully e
Laffémas, de Henrique IV (15891 61 0), a Richelieu, de Luís XIII (1 610-1643),
o Estado incentivou a produção e o comércio, bem como a construção naval.
Entretanto, foi no reinado de Luís XIV (1661-1715), sob a orientação do ministro das
finanças, Colbert, que a intervenção estatal foi severa e sistemática.
Estimulou-se a produção manufatureira, especialmente de artigos de luxo (joias,
móveis, porcelanas, rendas, sedas etc.), muitos deles produzidos pelas manufaturas
reais,
de propriedade do Estado. Nessa
época, a
França tornou-se famosa pela
excelente qualidade de seus produtos, conquistando o mercado externo.

Esses Atos de Navegação, como eram chamados, foram
decisivos para o desenvolvimento comercial da Inglaterra, que assim pôde
desbancar seus concorrentes, especialmente os holandeses, que até então
dominavam o transporte marítimo europeu e colonial.
Além de estimular a marinha mercante, o Estado inglês
incentivou a produção e as atividades financeiras, criando também diversas
companhias de comércio. Nascidas de maneira familiar, as empresas capitalistas
logo atraíram investidores, ampliando os negócios e os lucros.
Em 1688 e 1689, a Revolução Gloriosa levou à implantação
da monarquia parlamentar, e as estruturas políticas pró-burguesia foram definitivamente
fortalecidas na Inglaterra, sustentando o desenvolvimento quase ininterrupto do
capitalismo e criando condições para que esse país se tornasse a maior potência
econômica do mundo moderno. Na França, por outro lado, as instituições políticas
transformaram-se num obstáculo à evolução capitalista, que seria superado
apenas no final do século XVIII, com a Revolução Francesa.
No século XVIII, buscou-se mais do que nunca complementar
a economia metropolitana por meio da exploração desenfreada das colônias,
submetidas ao pacto colonial. Contudo, ao longo desse século, tornaram-se cada
vez mais frequentes as críticas à política intervencionista do Estado
absolutista, tanto na Europa quanto no mundo colonial.
A burguesia ascendente, já senhora da economia, não mais
aceitava um Estado que não satisfizesse seus anseios. Exprimindo repúdio aos
componentes ainda não completamente capitalistas do período, referia-se à
estrutura social, econômica, política e cultural dessa época — a divisão da
sociedade em ordens, os privilégios ainda existentes do clero e da nobreza,
além da política mercantilista e de inúmeras obrigações feudais, como o imposto
da talha e da corveia — como Antigo Regime.
Na política, o absolutismo, a Corte e o controle de todas
as esferas da sociedade pelo poder real sufocavam o anseio por um mundo novo,
compatível com a vitoriosa ordem capitalista. Surgiam, então, as condições para
a formulação de princípios econômicos antimercantilistas, de concepções
inovadoras como as desenvolvidas pelos adeptos da fisiocracia e do liberalismo
econômico, que iriam sepultar definitivamente o Antigo Regime.
Vicentino, Cláudio. História Geral. São Paulo, Scipione, 1997. Texto adaptado.
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