quinta-feira, 4 de maio de 2023

Texto Base - O Antigo Regime Europeu - Mercantilismo

 

O Antigo Regime Europeu

O século XV inaugurava um novo período do processo histórico da Europa ocidental: possuir terras já não era mais sinônimo seguro de poder; as relações sociais de dominação e de exploração também não eram as mesmas do mundo feudal; mudanças qualitativas na economia europeia abriam espaço para uma nova ordem política e social.

Tendo suas origens no feudalismo, o mundo moderno evoluiria até culminar no seu oposto — o capitalismo do mundo contemporâneo. Assim, em muitos aspectos, o mundo moderno constituiu uma negação do mundo medieval, embora ainda não se caracterizasse como um todo sólido, maduro, apresentando-se como uma época de transição. Foi o período de consolidação dos ideais de progresso e de desenvolvimento, que reforçou o pensamento racionalista e individualista, valores burgueses que iriam demolir o universo ideológico católico-feudal.

Entre os séculos XV e XVIII, estruturou-se uma nova ordem socioeconômica, denominada capitalismo comercial. Durante esse período, a nobreza, cuja posição social era ainda garantida por suas propriedades rurais e títulos — mas que não raro enfrentava dificuldades financeiras —, passou a buscar ansiosamente meios para se impor segundo os novos padrões econômicos.

Por seu lado, a burguesia, mesmo prosperando nos negócios, estava longe de ser a classe social dominante, com prestígio junto à aristocracia. Como desejasse exercer a supremacia de que se julgava merecedora por seu poder econômico, frequentemente incorreu no paradoxo de assumir valores decadentes,

como a compra de títulos de nobreza. Apenas no final da Idade Moderna, a classe burguesa reuniu meios para edificar uma ordem social política e econômica à sua própria imagem, embora somente os acontecimentos da segunda metade do século XVIII, como a Revolução Industrial, a independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa, consolidassem definitivamente a posição da burguesia, inaugurando a Idade Contemporânea.

Assim, sendo um período de transição, a Idade Moderna reforçou a importância do comércio e da capitalização, que constituíram a base sobre a qual se desenvolveria o sistema capitalista. Como decorrência, um novo Estado, novas normas e novos valores foram gerados segundo as novas exigências do homem ocidental.


Economia e sociedade do Antigo Regime           

Com as Cruzadas, no início da Baixa Idade Média, processou-se um conjunto de alterações socioeconômicas, decorrente do renascimento do comércio, da urbanização e do surgimento da burguesia. A junção desses elementos, por sua vez, impulsionou o processo de formação do Estado nacional, e lentamente foram sendo demolidos os pilares que sustentavam o feudalismo.

Cada vez mais ganhavam terreno a economia de mercado, as trocas monetárias, a preocupação com o lucro e a vida urbana. Assim, se por um lado o mundo medieval se encerrou em meio à crise (guerras, pestes), por outro, com o início da expansão marítima e declínio do feudalismo, afirmou-se uma nova tendência: o capitalismo comercial.

O ressurgimento do comércio na Europa e a exploração colonial do Novo Mundo americano e afro-asiático propiciaram a ascensão vertiginosa da economia mercantil No meio rural’ europeu, as relações produtivas variavam desde as feudais (senhor-servo) até as que envolviam o trabalho assalariado (proprietário-camponês), prenunciando o que viria a ser um regime de características capitalistas. A exploração do trabalhador e a expropriação de suas terras possibilitaram uma gradativa e crescente ampliação de riquezas nas mãos dos donos das terras e dos meios de produção a chamada acumulação primitiva de capitais.

O capitalismo comercial evoluiu, assim, para uma crescente separação entre capital e trabalho. Mais e mais a burguesia acumulou patrimônio e moeda, capitalizando-se, enquanto os trabalhadores foram sendo limitados à condição de assalariados, donos unicamente de sua força de trabalho. A burguesia foi, então, se preparando para o completo controle dos meios de produção, o que se consolidaria definitivamente com a Revolução Industrial.

Visando adequar o meio rural ao capitalismo comercial e reorganizar a produção mais eficientemente, segundo os moldes do capitalismo emergente, os proprietários lançaram mão de diversos recursos. Um exemplo foram os cercamentos na Inglaterra: com o desvio do uso da terra para a criação de ovelhas — tarefa que requeria pouca mão-de-obra e destinava-se à produção de lã exportada para Flandres — formou-se enorme contingente servil sem colocação no campo. Sem opções, essa massa dirigiu-se para as cidades, onde se tornou mão-de-obra disponível, mais tarde empregada na colonização da América inglesa e, principalmente, nas unidades fabris durante a Revolução Industrial.

Nas cidades, as relações produtivas também eram mescladas: o artesanato, praticado em oficinas, nas quais o mestre artesão e os artesãos auxiliares eram produtores e donos dos meios de produção, e as manufaturas, em que se processavam relações de cunho capitalista através da concentração dos meios de produção (fábricas e instrumentos) nas mãos do empresário e do pagamento de um salário em troca da força de trabalho do empregado.

Dessa forma, a sociedade do período moderno, comumente chamada de sociedade de ordens (clero, nobreza e povo), apresentava-se, na prática, dividida em uma classe de proprietários de terras (clero e nobreza), uma classe de trabalhadores (servos, camponeses livres, assalariados, enfim, a massa popular) e uma classe burguesa (mercantil e manufatureira). A Idade Moderna conheceu, então, a luta da burguesia pelo espaço social, político e ideológico.


O Estado no Antigo Regime

O Estado moderno retratou a transição do período, refletindo os interesses dos grupos sociais em conflito, ao preservar os privilégios da aristocracia feudal e abrir espaço ao novo grupo burguês ascendente. Na prática, foi o resultado da derrocada do poder universal (Igreja) e local (nobreza) e da formação das monarquias nacionais.

O Estado característico da época moderna é conhecido como absolutista, na medida em que o poder estava concentrado nas mãos do rei e de seus ministros, os quais aproveitavam as limitações dos grupos sociais dominantes — nobreza e burguesia — para monopolizar a vida política. Incapazes de exercer hegemonia (a nobreza estava em decadência e a burguesia ainda se mostrava frágil), esses grupos precisavam do Estado para preservar suas condições e privilégios; daí sujeitarem-se ao rei, reforçando o poder do Estado moderno.

De seu lado, o Estado absolutista dependia dos impostos e recursos gerados pelas atividades comerciais e manufatureiras, sendo o progresso e o desenvolvimento das atividades mercantis fatores importantes para sua sobrevivência e opulência. Por esses motivos, esse Estado mantinha em cargos do governo, além dos tradicionais elementos da aristocracia feudal, representantes da burguesia. Por isso, também, foi dinâmico na geração de bens e no incremento das finanças nacionais, incentivando o lucro, a expansão do mercado e a exploração das colônias.

Por outro lado, em virtude da extensão de sua burocracia aristocrática, procurou garantir sua sobrevivência através da tributação desenfreada, assumindo mais e mais o caráter parasitário, fundado nos privilégios feudais. Essa característica limitadora do capitalismo e do desenvolvimento econômico burguês possibilitaria o surgimento e avanço das ideias liberais, que levaram posteriormente às revoluções burguesas que demoliram o Estado absolutista.

Devido à preponderância, nesse período, do absolutismo — poder capaz de definir regras, práticas e ações em todos os níveis consolidou-se a concepção de um Estado interventor, que devia atuar em todos os setores da vida nacional. No plano econômico, essa intervenção manifestou-se através do mercantilismo.


O mercantilismo

Evidenciando a íntima relação entre Estado e economia, o mercantilismo caracterizou-se por ser uma política de controle e incentivo, por meio da qual o Estado buscava garantir o seu desenvolvimento comercial e financeiro, fortalecendo ao mesmo tempo o próprio poder. Não chegou a constituir uma doutrina, um sistema de ideia, um conjunto coerente de práticas e ações; foi, na verdade, um conjunto de medidas variadas, adotadas por diversos Estados modernos, visando à obtenção dos recursos e riquezas necessários à manutenção do poder absoluto. Cada Estado procurou as medidas que mais se ajustavam às suas peculiaridades: alguns concentraram-se na exploração colonial, na obtenção de metais preciosos; outros, nas atividades marítima e comercial; e outros, ainda, optaram por incentivar a produção manufatureira.


O mercantilismo no século XVI

No final do século XV, e especialmente no século XVI, os países ibéricos (Portugal e Espanha) comandaram as transformações da economia europeia. Pioneiros no processo de expansão ultramarina, foram igualmente os primeiros a se beneficiar com as riquezas das terras descobertas. A exploração de suas colônias foi orientada por políticas mercantilistas semelhantes, que se traduziam na exploração intensa dos recursos naturais especialmente no caso da Espanha, cujas colônias eram riquíssimas em metais preciosos — e na defesa do monopólio de comércio, o chamado exclusivo colonial.

Assim, todos os produtos que chegavam à colônia ou saíam dela tinham de passar pela metrópole, concretizando sua sujeição absoluta ao Estado explorador, característica do pacto colonial. Cabia à colônia, além de consumir os produtos manufaturados pela metrópole, produzir segundo as exigências da economia mercantilista, garantindo lucros e rendas à Coroa e à burguesia mercantil.

Devido ao enriquecimento da Espanha pelo acúmulo de metais preciosos, a concepção metalista predominou no mercantilismo europeu dessa época. Entretanto, o enorme afluxo de metais preciosos provocou, a longo prazo, efeitos negativos sobre a economia espanhola ao desestimular as atividades agrícolas e manufatureiras. Tornando-se cada vez mais dependente de importações, a Espanha não conseguiu manter ao 'longo do tempo saldos positivos em sua balança comercial.

Além disso, a abundância de ouro e prata, aumentando o volume monetário, provocou, no século XVI e principalmente no XVII, uma extraordinária elevação nos preços, que se generalizou por toda a Europa, favorecendo os Estados produtores, como França, Inglaterra e Holanda e respectivas burguesias comerciais e manufatureiras, que ampliavam seu processo de entesouramento e capitalização.

Assim, já no final do século XVII, quem liderava economicamente a Europa não eram mais os países ibéricos, mas as nações que se voltaram para o comércio e para a produção como meio de entesouramento.


O mercantilismo dos séculos XVII e XVIII

Ainda no século XVI, França e Inglaterra criaram medidas protecionistas e subvenções às manufaturas que lhes permitiram assumir, nos dois séculos seguintes, uma posição de liderança na economia europeia, adotando medidas mercantilistas peculiares.

Na França dos Bourbons, desde os ministros Sully e Laffémas, de Henrique IV (15891 61 0), a Richelieu, de Luís XIII (1 610-1643), o Estado incentivou a produção e o comércio, bem como a construção naval. Entretanto, foi no reinado de Luís XIV (1661-1715), sob a orientação do ministro das finanças, Colbert, que a intervenção estatal foi severa e sistemática. Estimulou-se a produção manufatureira, especialmente de artigos de luxo (joias, móveis, porcelanas, rendas, sedas etc.), muitos deles produzidos pelas manufaturas reais, de propriedade do Estado. Nessa época, a França tornou-se famosa pela excelente qualidade de seus produtos, conquistando o mercado externo.

Na Inglaterra, desde os Tudor até os Stuart, o Estado adotou diversas medidas de proteção ao comércio marítimo, como o estímulo à construção naval e a criação de leis proibindo que navios estrangeiros realizassem o transporte de produtos da metrópole e das colônias inglesas. Dessa forma, além de evitar os enormes gastos com os fretes pagos aos estrangeiros, impedia-se a evasão de moeda para o exterior, permanecendo todo o lucro do comércio no país.

Esses Atos de Navegação, como eram chamados, foram decisivos para o desenvolvimento comercial da Inglaterra, que assim pôde desbancar seus concorrentes, especialmente os holandeses, que até então dominavam o transporte marítimo europeu e colonial.

Além de estimular a marinha mercante, o Estado inglês incentivou a produção e as atividades financeiras, criando também diversas companhias de comércio. Nascidas de maneira familiar, as empresas capitalistas logo atraíram investidores, ampliando os negócios e os lucros.

Em 1688 e 1689, a Revolução Gloriosa levou à implantação da monarquia parlamentar, e as estruturas políticas pró-burguesia foram definitivamente fortalecidas na Inglaterra, sustentando o desenvolvimento quase ininterrupto do capitalismo e criando condições para que esse país se tornasse a maior potência econômica do mundo moderno. Na França, por outro lado, as instituições políticas transformaram-se num obstáculo à evolução capitalista, que seria superado apenas no final do século XVIII, com a Revolução Francesa.

No século XVIII, buscou-se mais do que nunca complementar a economia metropolitana por meio da exploração desenfreada das colônias, submetidas ao pacto colonial. Contudo, ao longo desse século, tornaram-se cada vez mais frequentes as críticas à política intervencionista do Estado absolutista, tanto na Europa quanto no mundo colonial.

A burguesia ascendente, já senhora da economia, não mais aceitava um Estado que não satisfizesse seus anseios. Exprimindo repúdio aos componentes ainda não completamente capitalistas do período, referia-se à estrutura social, econômica, política e cultural dessa época — a divisão da sociedade em ordens, os privilégios ainda existentes do clero e da nobreza, além da política mercantilista e de inúmeras obrigações feudais, como o imposto da talha e da corveia — como Antigo Regime.

Na política, o absolutismo, a Corte e o controle de todas as esferas da sociedade pelo poder real sufocavam o anseio por um mundo novo, compatível com a vitoriosa ordem capitalista. Surgiam, então, as condições para a formulação de princípios econômicos antimercantilistas, de concepções inovadoras como as desenvolvidas pelos adeptos da fisiocracia e do liberalismo econômico, que iriam sepultar definitivamente o Antigo Regime.

Vicentino, Cláudio. História Geral. São Paulo, Scipione, 1997. Texto adaptado.

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